Descrição de chapéu Rio de Janeiro

Gestão da 'taxa do príncipe' em Petrópolis racha família imperial e briga chega à Justiça

Herdeiros minoritários criticam gastos da empresa que administra patrimônio do grupo e abrem processo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rio de Janeiro

A gestão do patrimônio herdado de dom Pedro 2º e da chamada "taxa do príncipe" cobrada em Petrópolis, no Rio de Janeiro, virou pivô de uma disputa judicial dentro de uma parte da família imperial.

Insatisfeitos com os rumos da Companhia Imobiliária de Petrópolis (CIP), criada para gerir a herança, quatro herdeiros entraram na Justiça para obrigar os demais sócios da empresa a comprar suas partes do patrimônio, cujo valor ainda não foi estimado.

A companhia é a responsável por cobrar o laudêmio na área da antiga Fazenda Imperial, formada por terrenos comprados por dom Pedro 1º a partir de 1830 e, depois, por seu filho, dom Pedro 2º.

Ela compreende grande parte da área central de Petrópolis, epicentro do desastre natural em que morreram ao menos 136 pessoas —há ainda outros 218 desaparecidos. A sede da CIP, na Casa da Princesa Isabel, também sofreu estragos causados pelas chuvas.

Área em que houve deslizamento em Petrópolis (RJ) - Carl de Souza/AFP

A propriedade da antiga fazenda é a base legal para a "taxa do príncipe" de 2,5% sobre todas as transações imobiliárias na área. O laudêmio está previsto no decreto de fundação de Petrópolis, de abril de 1843 e assinado por dom Pedro 2º.

Não se tem ideia da estimativa do valor atual desse patrimônio. Assim como não é de conhecimento público o tamanho exato da área da antiga Fazenda Imperial e quantos imóveis atualmente existem nela.

Também não se sabe o valor arrecadado anualmente por meio da "taxa do príncipe". O dinheiro não passa pelos cofres públicos. Ele é cobrado diretamente pela CIP e o recibo é uma das exigências feitas para o registro de transações imobiliárias. As inscrições dos imóveis no cartório da cidade indicam ou não a necessidade do pagamento da taxa.

"Os rendimentos servem para preservação da Mata Atlântica da cidade e para a manutenção dos palácios, que são prédios tombados pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional)", afirmou à Folha em 2008 Paulo Tostes, antigo administrador da CIP.

"O pouco que resta é distribuído aos familiares", disse ele.

Atas das assembleias da CIP juntadas no processo aberto pelos sócios minoritários mostram que entre 2006 e 2012 a companhia distribuiu R$ 5,8 milhões de seu lucro aos herdeiros de dom Pedro 2º.

Esse valor caiu entre 2020 e 2021. Nos últimos dois anos, o lucro da CIP foi de R$ 372,5 mil e usado para cobrir prejuízos de anos anteriores, segundo documentos da Junta Comercial.

As divergências sobre a administração da CIP ocorrem há décadas. Quatro herdeiros de dom Pedro 2º decidiram, em 2018, levar a disputa à Justiça.

Eles pedem que os sócios majoritários sejam obrigados a comprar sua parte na sociedade, equivalente a 28,5% do total de ações. Para isso, pedem uma avaliação do patrimônio por um perito.

Entre os sócios minoritários insatisfeitos da CIP está dom Duarte Pio de Bragança, bisneto da princesa Isabel e chefe da Casa Real de Portugal –seria o rei do país europeu caso a monarquia ainda existisse.

Na ação, eles atacam as contas da empresa e a atuação dos sócios majoritários. Criticam desde a abertura do Palácio Princesa Isabel, em Petrópolis, para eventos externos, até a gratificação paga aos diretores da companhia.

"Não se faz necessário tecer, aqui, maiores comentários acerca do quão absurda é a atitude de se franquear espaços do Palácio Princesa Isabel para eventos privados, uma vez que é de conhecimento geral que aquele imóvel –palco da última foto da Família Imperial em terras brasileiras e onde nasceram os dois primeiros filhos da Princesa Isabel– é um acervo histórico-cultural de suma relevância para a construção da identidade do Brasil", afirmam os sócios minoritários.

O clima quente foi registrado de forma sucinta nas atas das assembleias da CIP. Em 2012, o então diretor-presidente da companhia, Amaury de Souza, foi questionado pelos sócios minoritários "sobre benefícios em espécie concedidos à diretoria, especialmente o uso pessoal de veículos da sociedade".

As críticas às gratificações aos diretores não apareceram no texto porque "a presidente [da assembleia] negou-se a lavrar em ata". De acordo com documentos da Junta Comercial, a folha salarial da diretoria, composta por quatro pessoas, é atualmente de R$ 100.906 —não se sabe como é feita a divisão entre eles.

Em 2013, os minoritários pediram a gravação da assembleia, queixando-se de que as discussões ali travadas não apareciam nas atas. O pedido não foi atendido.

Os herdeiros que disputam a gestão do patrimônio deixado por dom Pedro 2º não são os responsáveis pela Casa Imperial brasileira, herdeiros do trono caso ele ainda existisse no país.

Os sócios da CIP fazem parte do chamado "ramo Petrópolis", descendente de dom Pedro de Alcântara, filho da princesa Isabel que renunciou ao trono para casar-se com a condessa Elisabeth Dobrzensky de Dobrzenicz a contragosto da mãe.

A renúncia dividiu a linha de sucessão hereditária da linha dinástica, conhecida como o "ramo de Vassouras". Estes descendem de dom Luis de Orleans e Bragança, segundo filho da princesa Isabel.

O advogado da companhia, Arthur Tostes, afirmou que não tinha autorização para comentar informações sobre a empresa. A Folha não conseguiu contato com Afonso de Bourbon de Orleans e Bragança, atual diretor-presidente da companhia.

O advogado Felipe Hermanny, que representa os sócios minoritários, também não quis se pronunciar.

A existência da "taxa do príncipe" sempre foi alvo de polêmica. Há mais de 200 ações na Justiça questionando o cálculo da cobrança feita pela CIP.

O ex-deputado Jorge Bittar (PT-RJ) propôs uma lei para o fim do laudêmio em todo o país, o que incluiria Petrópolis. O projeto, contudo, não foi a frente. O deputado Marcelo Freixo (PSB-RJ) propôs, após a tragédia, projeto de lei para destinar o dinheiro da "taxa do príncipe" para política de prevenção e combate a desastres ambientais.

O laudêmio é um instrumento de cobrança usado desde o período colonial em áreas em que a Coroa tinha interesse em ocupar. Os terrenos eram doados e, em contrapartida, foi instituída uma taxa em caso de venda.

Outras entidades também cobram o laudêmio, como a Igreja Católica e a União. O governo federal anunciou no ano passado que acabaria com a taxa em terrenos de marinha (próximos à orla), o que ainda não saiu do papel.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior do texto afirmava incorretamente que a Marinha cobra laudêmio. O valor, na verdade, é cobrado pela União, pela Superintendência de Patrimônio da União, em terrenos de marinha, próximos à orla.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.