Parque dos Búfalos, em SP, espera há 10 anos para virar parque

Prefeitura diz que área no extremo sul da cidade ganhará estrutura ainda neste ano, sem definir data

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São Paulo

Largas e sombreadas, as trilhas facilitam o trajeto até a parte alta, onde se veem árvores retorcidas do cerrado. Lá embaixo, às margens da represa Billings, a abundância de tons verdes revela um naco de mata atlântica ainda preservado. Nem parece que essa generosa formação vegetal está encravada na maior cidade da América do Sul. Estamos no parque dos Búfalos, no Jardim Apurá, zona sul da capital.

O nome foi dado à área devido à presença desses animais entre o final dos anos 1970 e os fins dos 1990. Parque, mesmo, até o momento segue somente na nomenclatura, já que a população local aguarda sua implantação desde março de 2012, quando um decreto transformou o espaço em uma área de utilidade pública.

"É um lugar muito agradável, mas falta segurança e a estrutura de um parque público de verdade. Queria trazer meus filhos para conhecer, só que não me sinto confortável", diz o motorista Guilherme Ribeiro Bastos, 37, que gosta de pedalar ali aos fins de semana.

Vista do Parque dos Búfalos, no Jardim Apurá, na zona sul de São Paulo - 07.nov.2021
Vista do Parque dos Búfalos, no Jardim Apurá, na zona sul de São Paulo - 07.nov.2021 - Jardiel Carvalho/Folhapress

É justamente por não se sentirem seguras que famílias do bairro chegam a percorrer cerca de 30 km à procura de uma sombra para o piquenique de fim de semana, no parque Ibirapuera, por exemplo, mesmo tendo o parque dos Búfalos a poucos passos de casa.

Apesar de ser a única fonte de lazer na região, o parque dos Búfalos desperta, nas palavras da professora Fernanda Machado, 36, um sentimento de não pertencimento aos moradores, justamente pela ausência do poder público por lá.

Ela, que vive no Jardim Apurá há pelo menos 33 anos, conta que as mulheres quando fazem caminhada pelo parque preferem sempre andar em grupo. "A gente teme violência, assédio. Precisamos de segurança, um tipo de segurança e prevenção, que só a presença do Estado pode nos oferecer", afirma a professora.

A falta de estrutura leva os próprios moradores a recolher o lixo, "que vizinhos sem consciência acabam jogando pelo parque", conta o construtor Ricardo do Nascimento, 40, ao lado do pequeno João Ricardo, 8. "Trago o meu filho somente no domingo, quando tem mais gente circulando."

Com duas sacolas de lixo retiradas do parque, o auxiliar de cozinha Richard Delgado Moraes, 22, costuma fazer trabalho voluntário de limpeza. "Precisa de uma manutenção rotineira. Se você deixar, as pessoas vão achar que podem jogar lixo aqui. Quando realmente se transformar num parque público, espero que a gente tenha um projeto de conscientização para que os moradores sejam zelosos."

Tubulações do Residencial Espanha, que deveriam liberar apenas água fluvial, de acordo com Moraes, acabam despejando lixo diretamente no parque.

Concluído em 2019, o condomínio tem hoje 193 prédios com 3.860 apartamentos, que abrigam uma população estimada entre 17 mil e 20 mil moradores. A ideia inicial era reassentar famílias que viviam em áreas de risco e de preservação de mananciais nessas habitações, recuperando, assim, superfícies degradadas às margens da represa.

Segundo a bióloga Marta Marcondes, a construção do condomínio impactou diretamente a água que vai para o reservatório Billings, já que a maior parte do esgoto cai na represa sem tratamento.

Coordenadora do Projeto IPH/USCS (Índice de Poluentes Hídricos da Universidade Municipal de São Caetano do Sul), que analisa a qualidade da água de nascentes, rios, córregos e reservatórios, Marcondes explica que o parque está dentro de uma importante área de proteção de mananciais. Calcula que foram catalogadas ao menos 16 nascentes dentro da área protegida.

Em tempos anteriores à obra habitacional, o parque chegou a abrigar dezenas de espécies de aves, répteis e mamíferos. A obra urbana também gerou impacto direto na flora e na fauna. "Com a perda de área da natureza, espécies como a coruja-buraqueira e pequenos gaviões já não podem mais ser avistadas no parque", explica a bióloga.

Inicialmente, de acordo com moradores, a área total dos Búfalos envolvia 994.000 m². Caiu para 830.000 m². A construção do condomínio, obra conjunta dos governos federal, estadual e municipal, abocanhou 250.000 m². Restaram, assim, 580.000 m² de espaço destinado ao parque.

A batalha pela implantação dos Búfalos parece estar com os dias contados. É ao menos o que diz a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA), que, mesmo sem especificar a data, prevê para 2022 a implantação do parque, dez meses depois de iniciadas as obras.

A prefeitura diz que o cercamento do local já foi realizado —a vizinhança contesta a conclusão— e que o contrato para a construção do parque já foi firmado.

A secretaria informa ainda que aguarda a solução de pendências com a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), que afirma esperar a prefeitura solicitar o alvará de intervenção na APRM-B (Área de Proteção e Recuperação de Mananciais da Bacia Hidrográfica do Reservatório Billings).

Segundo a Cetesb, técnicos da companhia se reuniram com representantes da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) em outubro passado para discutir o procedimento de regularização do parque.

"Esse empurra-empurra já dura muito tempo. Ele é fruto da falta de interesse político que se arrasta há anos em uma região com o menor índice de cobertura vegetal de São Paulo", critica o líder comunitário Wesley Silvestre, 34, um dos principais defensores dos Búfalos.

"Para piorar, parte do terreno público que pertence ao parque está sendo alvo de loteamento clandestino. É um descaso com uma região pobre, carente de espaços públicos", diz ele.

Em nota, a prefeitura nega que tenha ocorrido invasão em território do parque. Diz ainda que a secretaria desenvolveu projeto de educação ambiental junto à comunidade.

Silvestre é um dos que saem de casa para apagar focos de incêndio no parque, denunciar invasões (cada vez mais frequentes, segundo ele) e combater a caça ilegal, que ainda lá ocorre.

Mesmo assim, não desiste e se empenha para ver os Búfalos se tornarem, de fato, o parque do Jardim Apurá. "Até quando nós vamos esperar? Até destruírem tudo?"

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