Polícia levou 3 dias para notificar dono de quiosque em que Moïse foi morto

Apuração de caso no Rio foi acelerada após mobilização da família e repercussão

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Rio de Janeiro

O inquérito sobre a morte do congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, 24, apresentado à Justiça mostra que a Polícia Civil levou ao menos três dias para intensificar as investigações sobre o caso. Elas foram aceleradas após manifestações da família no fim de semana.

O dono do quiosque Tropicália, onde Moïse foi morto, foi notificado no dia 28 para comparecer à Delegacia de Homicídios —três dias depois do registro da morte do congolês. A determinação era que ele se apresentasse nesta quarta-feira (2).

Os autos também não deixam claro quando as imagens do crime foram apreendidas. Depoimento do responsável pelo quiosque indica que isso só ocorreu três dias depois.

Movimentos negros pedem justiça em frente à Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro, que investiga a morte do congolês Moïse Kabagambe, 24 - Júlia Barbon - 1º.fev.2022/Folhapress

A apuração foi acelerada após protestos da família no sábado (29) em frente ao quiosque Tropicália. O dono do quiosque se apresentou nesta terça (1º) à polícia, um dia antes do determinado, após a repercussão do caso.

Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, 27, Brendon Alexander Luz da Silva, 21, e Fábio Pirineus da Silva, 41, funcionários de dois quiosques da orla, confessaram a participação no crime, segundo a polícia, e foram presos temporariamente nesta terça, com base nos novos depoimentos obtidos no mesmo dia.

"Tivemos uma semana praticamente sem nada feito. A partir da mobilização da sociedade e da visibilidade que a imprensa deu ao caso, em três dias, de 31 até hoje [terça], o inquérito andou e já existem pessoas presas", afirmou Álvaro Quintão, presidente da comissão de direitos humanos da OAB RJ.

Procurada para comentar a condução da investigação, a Polícia Civil afirmou que as "informações serão esclarecidas durante a investigação, que está em andamento e segue sob sigilo".

Moïse foi morto a pauladas na noite do dia 24, segunda-feira da semana passada. De acordo com os documentos do inquérito, o registro de ocorrência foi feito na madrugada do dia 25. Naquele momento, a polícia não tinha a identificação exata do congolês.

O primeiro depoimento tomado naquela madrugada foi do funcionário do Tropicália com quem Moïse discutiu antes de começar a ser agredido.

Neste primeiro momento, a testemunha mentiu aos policiais sobre o que havia acontecido. Ele disse que estava colocando gelo dentro do isopor de coco quando ouviu os gritos do congolês e presenciou o início das agressões. O funcionário do quiosque também disse aos agentes que não conhecia os autores nem a vítima.

Esta testemunha retificou sua versão nesta terça e confirmou que sua discussão com Moïse originou a confusão e identificou os responsáveis pelas agressões contra o imigrante.

Na tarde do dia 25, o irmão de Moïse foi ouvido após reconhecer o corpo da vítima no IML (Instituto Médico-Legal). Nele, a polícia tomou conhecimento de que o congolês trabalhou no Tropicália e que a primeira testemunha o conhecia.

Novo depoimento só foi tomado na sexta-feira (28). Uma prima de Moïse identificou o primeiro nome do dono do quiosque e menciona a existência de imagens do crime.

No sábado (29), a família do congolês organizou um protesto em frente ao quiosque com cobertura da imprensa local. Depois disso, o caso ganhou nova velocidade. Na terça, oito pessoas foram ouvidas. Entre elas, os três suspeitos que reconheceram a autoria do crime, segundo a polícia.

Com base nesses depoimentos e nas imagens coletadas, a autorização para as prisões temporárias foi solicitada à Justiça, oito dias após o crime. O pedido foi apresentado ao plantão judiciário sob o argumento de que havia risco de "grande risco de manifestações violentas como protesto" pelo crime.

O inquérito juntado na Justiça não deixa claro quando as imagens foram apreendidas pela polícia. Não há qualquer auto de apreensão do material no processo que autorizou as prisões.​

O depoimento do dono do quiosque indica que ele só foi procurado no dia 28, quando foi intimado a depor.

Ele disse à polícia que foi abordado por parentes de Moïse no dia seguinte ao do crime. Relatou, ainda, à polícia ter explicado a eles "que já tinha solicitado o técnico responsável pelas câmeras, para que pudesse pegar as imagens, bem como informou que aguardava ser solicitado pela polícia".

"Na mesma semana, policiais civis se apresentaram no quiosque solicitando as imagens, o que foi atendido prontamente pelo declarante", disse ele no depoimento.

A investigação começou tendo como principal suspeito uma pessoa investigada por outro homicídio a pauladas na praia da Barra no início do mês. Ao relatar a suspeita, o inquérito já indica a existência de imagens de câmeras de segurança no quiosque.

"Assim que possível, este policial analisará as câmeras de segurança e mostrará a foto do suposto autor
do crime apurado no inquérito 901-00022/2022 [ocorrido no dia 12 de janeiro] para a testemunha ocular deste inquérito [sobre Moïse]", relatou o agente da Delegacia de Homicídios.

Em seu parecer, o Ministério Público menciona a falta de clareza sobre o momento em que as imagens foram coletadas.

"O crime ocorreu em 24 de janeiro de 2022. Ocorre que, até a presente data [terça], os autores não haviam sido identificados. Em determinado momento das investigações foram obtidas imagens de câmeras de segurança que flagraram o momento da empreitada criminosa e seu 'modus operandi'. Contudo, a identificação dos autores ocorreu na data de hoje, através dos depoimentos prestados por testemunhas e das declarações dos próprios autores", escreveu a promotora Bianca Gonçalves.​

Nesta quarta, o governador Cláudio Castro (PL) elogiou a atuação da polícia no caso. "Se todos os crimes fossem resolvidos em nove dias, a polícia mereceria ainda mais medalhas. A polícia está de parabéns. Não faço nenhuma crítica à polícia. Erros em investigação causam vícios, por causa da pressa. Não há demora. Cobro sempre por uma polícia técnica", disse ele.

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