Descrição de chapéu Rio de Janeiro Folhajus

Quiosque continuou vendendo cerveja por 3 h com corpo de Moïse no chão

Vídeo da noite do crime mostra que agressores permaneceram no local por mais de duas horas sem serem identificados

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Rio de Janeiro

O quiosque Tropicália continuou vendendo cerveja, água de coco e outras bebidas durante quase três horas mesmo com o corpo do congolês Moïse Mugenyi Kabagambe estendido no chão, mostram as imagens da noite do crime.

Pelo menos seis clientes vão ao estabelecimento na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro, para comprar produtos durante ou depois que o jovem é morto a pauladas, no último dia 24. Em outros quatro momentos, o funcionário do local retira bebidas do freezer e as leva para fora.

A Folha teve acesso à íntegra das gravações que constam no inquérito policial da Delegacia de Homicídios, que estão sob sigilo e também foram divulgadas pelo UOL no último sábado (5). Os registros vão das 22h25 até a 1h27 daquela madrugada.

Mulher compra cerveja enquanto corpo do congolês Moïse Kabagambe ainda está no chão - Reprodução

Eles mostram ainda que ao menos dois dos três homens que foram presos uma semana depois pelo homicídio permaneceram no quiosque por duas horas após o crime, sem que ninguém fosse avisado ou detido. Eles passam nas imagens apenas quatro minutos depois de policiais militares.

A reportagem optou por não divulgar os nomes de quem não é tratado como investigado. Procurado, o advogado do dono e do funcionário do Tropicália, Darlan Santos de Almeida, afirmou que a defesa não iria se manifestar porque teria que reanalisar toda a gravação, "o que seria inviável em razão do pouco tempo".

Como já indicavam trechos do vídeo divulgados anteriormente pela Polícia Civil, Moïse e o empregado começam a discutir às 22h25 e, em seguida, Brendon Alexander Luz da Silva, que trabalhava numa barraca da praia, chega e derruba o congolês.

A vítima então é agredida com um pedaço de pau e um taco de beisebol por Fábio Pirineus da Silva, que vendia caipirinhas na areia. Aleson Cristiano Fonseca, vendedor do quiosque Biruta ao lado, também dá socos, enquanto um cliente compra cerveja e outros observam sem intervir.

Em certo momento, o congolês chega a bater com a mão no chão como se indicasse que desistia da luta corporal, mas mesmo assim Aleson pega o taco da mão de Fábio e dá mais pauladas.

A partir das 22h32, Moïse para de se mexer, Aleson liga para o Samu, e Brendon o desamarra e tenta reanimá-lo. Às 23h14, o funcionário do quiosque vende a primeira cerveja com o corpo ao lado. Dá o troco, e a mulher de amarelo sai pela mesma escada, sem olhar.

Os socorristas chegam um minuto depois. Durante 24 minutos, ficam ali em cima do jovem, fazendo manobras cardíacas. Nesse intervalo, o empregado do Tropicália leva uma garrafa do freezer. Coloca bebidas numa sacola e também vai vender fora da imagem.

Um policial militar chega nos minutos seguintes e conversa com os profissionais, que finalmente desistem da reanimação. O morto é coberto com panos brancos às 23h44, enquanto um homem que acaba de comprar três latões observa.

O funcionário passa um tempo limpando as mesas do quiosque e pega uma água para outro policial militar que aparece nas imagens. Lá pela 0h30, abre um buraco num coco, entrega o canudo a uma mulher e segue colocando os engradados para gelar. O corpo continua ali.

À 0h49, o primeiro policial volta ao quiosque e pega uma lata que parece ser de Guaraná. Apenas quatro minutos depois, passam pelo mesmo lugar Fábio (de casaco cinza) e Aleson (de blusa do Flamengo), sem serem delatados por nenhuma das diversas testemunhas no local, apesar de terem permanecido ali por mais de duas horas após o crime.

Em seu primeiro depoimento à polícia, o funcionário do quiosque mentiu dizendo que não conhecia os agressores. Depois voltou atrás e, alegando ter ficado em estado de choque e com medo, admitiu que os conhecia havia cerca de um ano.

Um outro homem que aparece no vídeo tentando reanimar Moïse junto da namorada também afirmou aos investigadores que, "quando o Samu e a PM chegaram, os autores não se identificaram, porém ficaram na localidade por algum tempo". "Os integrantes da Samu perguntaram o que havia acontecido e Brendon falou que não sabia e que o corpo já estava ali há cerca de 40 minutos", disse.

Já Aleson corroborou que naquela noite ficou no Tropicália até depois da chegada da perícia, inclusive enquanto o funcionário foi prestar depoimento na delegacia. Falou que o último contato visual que teve com os outros dois agressores foi no momento em que fugiram, Fábio numa kombi amarela, e Brendon a pé.

Brendon disse apenas que, "por já ter sido solicitado socorro, decidiu ir embora pois não havia mais o que fazer no local". Ele alegou que achou que Moïse pudesse ter sido salvo pelo socorro e que só ficou sabendo da sua morte no dia seguinte.

As duas últimas cervejas foram vendidas pelo funcionário em frente à câmera à 1h13, enquanto peritos da Polícia Civil ainda tiravam fotos do corpo e recolhiam evidências do local, que nunca chegou a ser isolado. À 1h17, o vendedor busca uma mais uma lata no freezer e deixa o quadro.

O caso relembra outras duas ocasiões recentes. Em dezembro de 2020, uma padaria em Ipanema (zona sul do Rio) continuou funcionando mesmo após um morador de rua morrer ali dentro, sendo coberto com um saco de lixo de preto e segregado por mesas e cadeiras.

Já em agosto do mesmo ano, um Carrefour de Recife escondeu o corpo de um representante de vendas que infartou na própria loja com guarda-sóis, caixas de papelão e engradados de cerveja.

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