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Ciclistas se mobilizam contra violência recorde no trânsito de SP

Em 2021, capital paulista teve 41 mortos em bicicletas, maior número desde 2015

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São Paulo

A violência do trânsito paulistano tem batido recorde em relação aos ciclistas e levado familiares, amigos e grupos que defendem a bicicleta como meio de transporte e lazer a fazerem protestos em série para sensibilizar o poder público. Desde o dia 18, foram ao menos quatro manifestações nas ruas da cidade.

Números do Infosiga, do governo estadual, mostram que 41 ciclistas foram mortos na capital paulista em 2021, recorde desde o início da série histórica, em 2015, mesmo com a diminuição na circulação de pessoas por causa da queda na atividade econômica, provocada pela pandemia.

Já em relação às vítimas do trânsito em geral, o movimento vai na mão contrária. O ano passado registrou o segundo menor número de mortes da série histórica, à frente apenas de 2020 —foram 732 vidas perdidas, praticamente duas por dia, em média.

O que os números são incapazes de mostrar é o tamanho da dor das famílias e dos amigos. Para eles, qualquer demonstração de apoio é fundamental para tentar reconstruir a vida. Nesse contexto surgem os protestos para cobrar políticas públicas que, ao menos, sirvam para preservar vidas no trânsito.

Ciclistas protestam na marginal Pinheiros (zona oeste) contra a violência no trânsito - Eduardo Knapp/Folhapress

Os parentes do entregador Claudemir Kauã dos Santos Queiroz, 17, atropelado e morto no último dia 10, na avenida Corifeu de Azevedo (zona oeste), estavam ao lado de dezenas de ciclistas durante um protesto na noite do dia 18.

"Foi tudo muito lindo e triste. Muita emoção. Tinha muita gente conosco. As crianças choraram e nós, os adultos, também", conta a auxiliar de limpeza Margarete dos Santos Souza, 50, tia de Kauã. "Nunca imaginávamos que teríamos tantas pessoas ao nosso lado. Quando eles precisarem de nós em outras manifestações, vamos junto", diz.

Queiroz tinha acabado de se tornar pai e trabalhava como entregador de aplicativo para pagar o aluguel da casa onde vivia com a mulher.

Durante o protesto, foi instalada uma "ghost bike", como são chamadas as bicicletas pintadas de branco colocadas onde ciclistas foram mortos por atropelamento.

No local, Kauã foi atingido por um empresário de 39 anos que dirigia um Volvo V40 e, segundo a Polícia Militar, recusou-se a fazer o teste do bafômetro. Ainda de acordo com a PM, o atropelador apresentava sinais de embriaguez e tinha carteira de habilitação suspensa desde 15 de junho. Em depoimento, quando foi autuado por homicídio culposo (sem intenção de matar), ele alegou que tinha tomado uma cerveja long neck.

"Perder alguém por causa de um cara bêbado. Creio no Deus que eu sigo que a justiça será feita", diz Margarete. Para motoristas que abusam da velocidade e consomem bebida alcoólica antes de pegar no volante, a tia da vítima deixa um recado. "Não compre carro. Uma pessoa que faz isso não pode nem tirar carta."

Já no dia 20, foi a vez do grupo "Ciclismo é Vida" organizar manifestação em vias da zonas oeste e sul da cidade. Foi lembrado o gerente de banco Marcelo Henrique Maciel, 44, atropelado e morto enquanto treinava de bicicleta no dia 13, na rodovia dos Bandeirantes. O motorista responsável pelo acidente, de 28 anos, estava embriagado, como confirmou teste do bafômetro, mas foi solto e responde em liberdade pelo homicídio.

Responder em liberdade por homicídios cometidos ao volante tem sido uma regra infeliz, segundo familiares de quem morreu atropelado no trânsito da capital paulista. Por causa disso, surgiu o terceiro protesto em quatro dias, com os pais, o viúvo e os amigos da socióloga Marina Harkot, morta aos 28 anos enquanto pedalava pela avenida Paulo 6º, no Sumaré (zona oeste), em novembro de 2020.

O ato foi realizado no dia 21 em frente ao Fórum Ministro Mario Guimarães, na Barra Funda (zona oeste), onde foi finalizada a audiência de instrução sobre o caso. A expectativa de familiares, amigos e cicloativistas é que o empresário José Maria da Costa Júnior seja levado a júri popular pelo atropelamento e morte.

A decisão da juíza sairá nas próximas semanas. A acusação aponta que Costa Júnior havia bebido, dirigia em alta velocidade, sabia que havia atropelado alguém e não prestou socorro. A defesa alega que o empresário não teve intenção e nem assumiu o risco de matar, por isso não deveria ir a júri, onde são julgados crimes contra a vida.

O oceanógrafo Paulo Harkot, 63 anos, durante ato realizado pouco antes da segunda audiência pelo atropelamento e morte da filha, a socióloga Marina Kohler Harkot - Eduardo Knapp/Folhapress

"Isso não é número. São famílias que foram dilaceradas, sonhos interrompidos. Isso é uma hemorragia, uma violência sem tamanho", afirma o oceanógrafo Paulo Harkot, pai de Marina.

O oceanógrafo também critica a atuação do poder público na questão da mobilidade urbana. "Além de abolir políticas públicas visando a segurança, como a visão zero [de mortes], da qual o país é signatário, coloca política de bando. Do bando dos motoristas que andam mais rápido. Não fiscalizam, porque fiscalizar tira voto", diz.

Como costuma acontecer na última sexta-feira de cada mês, o movimento Massa Crítica também se manifestou dia 25 em relação às mortes, em um protesto que teve início na praça do Ciclista, na avenida Paulista (região central).

Integrantes da Ciclocidade, (Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo), Yuri Vasquez ataca justamente a ausência de políticas de mobilidade que contemplem ciclistas e pedestres. Para Vasquez, a prefeitura tem sido negligente há alguns anos.

"Pelo plano de mobilidade urbana, deveríamos ter 1.500 km de ciclovia até 2030, e estamos beirando 600 km, 650 km agora. Doria, depois Covas e agora Ricardo Nunes não implantaram mais que 150 km de ciclovia", afirma.

Vasquez explica que planos para a implementação de ciclovias na capital paulista já vêm de muitos tempo, não sendo uma discussão iniciada apenas na última década. Por esse mesmo motivo, o associado da Ciclocidade diz que há diretrizes e embasamento legal para que sejam tomadas as medidas, mas aponta a falta de interesse do poder público.

A Prefeitura de São Paulo diz que o Plano Cicloviário foi lançado em dezembro de 2019 e, de lá para cá, ampliou em 35% a malha cicloviária da cidade (177 km de novas estruturas). "Mais da metade da rede existente anteriormente foi requalificada. No total, 320 km de ciclovias e ciclofaixas foram reformadas. A cidade de São Paulo tem a maior malha cicloviária do país, com 695,2 km de vias", afirma, em nota.

A prefeitura diz também que ampliação consta do Plano de Metas 2021-2024 e prevê a implantação de mais 300 km de ciclovias e ciclofaixas. A gestão Ricardo Nunes (MDB) diz também que, para 2022, 157 km já estão definidos.

Segundo a administração, a redução do índice de mortes no trânsito para 4,5 por 100 mil habitantes está incluída no Programa de Metas. Redução das velocidades máximas permitidas nas vias, o aumento do tempo de travessia para pedestres nos principais corredores viários são algumas das medidas para chegar a isso, segundo a prefeitura.

A CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) diz que ampliou e reforçou a sinalização de segurança na cidade, citando mais de 2.000 faixas de pedestres em 2021, além da adoção de áreas calmas, com velocidade máxima de 30km/h, entre outros.

Diz que todas as medidas fazem parte do plano "Vida Segura", segundo o qual nenhuma morte no trânsito é aceitável.

A assessoria do governador João Doria (PSDB) disse que a atual gestão estadual sempre priorizou investimentos para garantir a segurança dos ciclistas. Não houve comentários sobre a atuação de Doria em relação às bicicletas como prefeito.

O governo estadual disse que há 46 km de faixas exclusivas para bicicletas e mais de 11 mil vagas em bicicletários do sistema metropolitano de transportes sob sua gestão. A gestão Doria citou investimentos privados e melhorias feitos na ciclovia localizada às margens do rio Pinheiros, parceria para implementação de ciclorrotas, entre outras iniciativas.

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