Blocos de Carnaval exigirão ingresso para festas em locais públicos

Eventos na capital paulista no feriado de Tiradentes estão marcados para vale do Anhangabaú e Monumento às Bandeiras

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São Paulo

Blocos de Carnaval vão exigir ingressos para a entrada de foliões em eventos gratuitos em locais públicos da capital paulista marcados para o feriadão de Tiradentes. No período também ocorrerão os desfiles das escolas de samba no sambódromo do Anhembi, adiados devido à pandemia de Covid.

A nova modalidade de Carnaval de rua foi divulgada, por enquanto, pelo bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, no vale do Anhangabaú, e pelo coletivo Pipoca, no Monumento às Bandeiras, na região do parque Ibirapuera, entre os dias 23 e 24 de abril.

Para participar, é preciso se cadastrar de forma gratuita em um site de venda de ingressos e baixar uma entrada virtual. Os organizadores pedem que o passaporte da vacina seja anexado ao cadastro.

Foliões na praça Olavo Bilac
Na praça Olavo Bilac, na região da Santa Cecília, teve bloco improvisado durante o feriado de Carnaval em fevereiro - Zanone Fraissat 26.fev.22/Folhapress

A exigência de ingresso para participar de eventos gratuitos em locais públicos tem sido criticada por integrantes de outros blocos e estudiosos do Carnaval de rua.

Para Guilherme Varella, advogado e especialista no tema, o uso de ingresso para entrar em espaços públicos fere o decreto municipal do Carnaval de rua, atualizado pelo então prefeito Bruno Covas (PSDB).

O trecho proíbe qualquer tipo de segregação em vias públicas durante o período de Carnaval, como cobrança de abadás e instalação de cordas nos desfiles realizados nas ruas, como é tradição nas festas em Salvador, na Bahia, por exemplo.

Para Varella, o Carnaval de rua é uma manifestação cultural garantida pela Constituição Federal não necessariamente atrelada a um calendário.

"Quem diz se vai ter ou não são os blocos que vão para as ruas. Se terá sambódromo e Carnaval no feriado de Tiradentes, por analogia, o decreto deve passar a valer", avalia.

Questionada pela reportagem sobre a validade do decreto na programação carnavalesca fora de época, a Prefeitura de São Paulo não se pronunciou diretamente sobre o tema.

A gestão afirmou apenas que o Carnaval de rua em 2022 foi cancelado em novembro do ano passado com base em "dados técnicos apresentados pela Vigilância Sanitária" e que não houve tempo hábil para a organização dos desfiles de blocos de rua.

"A prefeitura espera que as entidades que representam os blocos de Carnaval de rua respeitem as decisões anteriores e, assim, evitem eventos sem o aval e a organização por parte do poder público."

Mais tarde nesta terça (5), porém, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), disse que o Carnaval de rua pode ocorrer na capital paulista durante o feriado de Tiradentes desde que os blocos tenham condições de bancar a infraestrutura.

Para Nunes, os grupos precisam arcar com pontos como segurança, gradil, médicos, plano de emergência e rota de fuga. "Não é possível que tenhamos blocos de carnavais que incentivem as pessoas à rua sem gerar o mínimo de estrutura que possa garantir a segurança para as pessoas", afirmou.

"Todo direito de expressão cultural vai ser garantido, mas é preciso uma conscientização sobre o risco da vida das pessoas"

Em nota enviada à Folha, a administração municipal negou ter recebido pedido de autorização para os eventos anunciados pelo bloco Acadêmicos do Baixo Augusta e pelo coletivo Pipoca.

Em resposta enviada à reportagem, os Acadêmicos do Baixo Augusta disseram que a autorização não foi comunicada pelo bloco à prefeitura porque o evento será realizado no vale do Anhangabaú, "atualmente uma concessão à iniciativa privada". Assim, a concessionária é a responsável pelo contato com a administração municipal.

"Todas as autorizações para o evento estão em trâmite normal", segundo o grupo.

Além disso, o bloco argumentou que o decreto que proíbe a segregação em locais públicos não está vigente porque "não estamos em período de Carnaval". "Se houvesse decreto, teríamos o Carnaval de rua nas ruas", completou.

Já o diretor do coletivo Pipoca, Rogério Oliveira, disse que, por estar fora do período de Carnaval, o pedido de autorização seguiu os trâmites burocráticos para eventos temporários, "que qualquer empresa pode apresentar à prefeitura".

Oliveira contou que foi comunicado de um pedido informal da prefeitura para que o evento não fosse realizado em local público e fosse transferido para um endereço privado. A mudança, de acordo com ele, está sendo estudada pela organização, que reúne nomes como Elba Ramalho, Monobloco, Orquestra Voadora, Geraldo Azevedo e Luedji Luna.

Oliveira afirma que a necessidade de controle sanitário é a razão para a apresentação do ingresso virtual gratuito para o evento no Monumento às Bandeiras. "De forma alguma é para excluir", afirmou.

"Nós gostaríamos de ter uma noção do tamanho do público para evitar uma superlotação do local e saber quantas pessoas seriam necessárias para fazer o controle do passaporte sanitário", disse também.

Ainda segundo o diretor, caso a prefeitura não se oponha aos eventos independentes no feriado de Tiradentes, as apresentações do coletivo Pipoca serão realizadas na rua, sem ingresso.

"Depois de dois anos sem Carnaval, a cidade e os foliões merecem um carnaval gratuito e massivo", diz Oliveira.

Patrocínio

Na divulgação do evento dos Acadêmicos do Baixo Augusta nas redes sociais, o bloco marcou a hashtag da marca de cerveja patrocinadora e publicou aviso de que a entrada será restrita e limitada a vacinados contra Covid-19.

O evento do coletivo Pipoca também é patrocinado por duas marcas de cerveja.

Na visão de Varella, o ato de fechar o espaço público a partir da exigência do ingresso virtual é uma forma de monetizar os dados pessoais dos foliões, preenchidos para conseguir a entrada, e de dar exclusividade indevida aos patrocinadores.

"Isso é resultado do vácuo deixado pela prefeitura, que está ignorando o Carnaval de rua. O diálogo com os blocos foi fragilizado após dois anos sem os desfiles, o que abriu brecha para a iniciativa privada tentar dominar o espaço público", diz.

Nesta segunda-feira (4), seis coletivos que reúnem mais de 420 blocos na cidade divulgaram manifesto em que anunciam a intenção de ir para rua durante o feriado prolongado. "Nossa festa vai tomar forma e acontecer nas ruas, esquinas, vielas e praças de nossa cidade como sempre aconteceu."

O manifesto diz ainda que "o sambódromo já está com a festa marcada e não há justificativa para proibir o Carnaval de rua livre, diverso e democrático, neste abril de 2022". Os coletivos escrevem também que contam com a lei a seu favor, uma vez que "a garantia da manifestação livre é um direito constitucional".

Nesta terça, o prefeito afirmou que o secretário de subprefeituras, Alexandre Modonezi, vai se reunir com a direção dos blocos "para entender o que podemos fazer".

"O problema é que são menos de 30 dias e é uma estrutura muito grande. Estamos abertos a dialogar e contribuir, podemos tentar fazer algo razoável com o tamanho de estrutura que a gente possa oferecer. Precisamos fazer isso junto e não separado", disse ainda Nunes.

Diante do cancelamento dos desfiles de blocos de Carnaval, uma profusão de festas pagas se espalhou pela cidade durante o feriado em fevereiro. Baladas que reuniram blocos habituados a atrair milhares de foliões nas ruas chegaram a cobrar R$ 1.500 a entrada.

O fenômeno foi criticado por parte dos organizadores de blocos e estudiosos de cultura popular que o classificaram como uma espécie de segregação social. Eles se opuseram ao que chamam de "cancelamento seletivo", que, na prática, define quem tem e quem não tem direito à folia.

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