Descrição de chapéu Folhajus

Cozinheira negra denuncia agressão e injúria racial em prédio em São Paulo

Polícia afirma investigar imagens de câmera, nas quais vítima aparece sendo agredida com joelhadas

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São Paulo

Desde 22 de outubro do ano passado, Eliane Aparecida de Paula, 42, não é mais a mesma. Naquele dia, a cozinheira foi agredida fisicamente após questionar uma mulher que, segundo o relato da vítima, se referiu a ela como "negra estranha". O episódio ocorreu enquanto ela esperava o motorista de um aplicativo de transporte na área social de um prédio onde trabalhava, na capital paulista, para voltar para casa.

O caso foi revelado pela Jornal Nacional, na última sexta (1º).

Havia cerca de sete anos que Eliane cuidava do cardápio, com refeições saudáveis, de uma família moradora do condomínio. O edifício fica na Oscar Freire, rua conhecida por reunir lojas de luxo. Até então, ela afirma que nunca havia sido vítima de qualquer tipo de violência, física ou verbal, ainda mais motivada por causa da cor de sua pele.

O registro de uma câmera de monitoramento, cujas imagens foram liberadas à polícia por determinação judicial cerca de cinco meses após o episódio, mostra a abordagem feita pela moradora ao perceber que a mulher negra estava sentada em um banco da área social do condomínio.

No processo relacionado ao caso, a moradora é identificada como Patrícia Brito Debatin. A reportagem não conseguiu localizá-la nem a sua defesa até a publicação deste texto. Também não localizou um porta-voz da administração do condomínio.

Câmera de monitoramento de prédio de alto padrão, no centro da capital paulista, registra violência física supostamente motivada por questões raciais
Câmera de monitoramento de prédio de alto padrão, no centro da capital paulista, registra violência física supostamente motivada por questões raciais - Reprodução/Câmera de Monitoramento

"Ela [investigada] chegou e me perguntou se eu sabia quem ela era. Aí ela falou para mim: 'Que mulher esquisita, negra estranha'. Pensei: não estou ouvindo isso, não é comigo. Tentei não acreditar no que eu ouvia. Essa foi minha primeira reação", afirmou a cozinheira à Folha, na tarde deste sábado (2), referindo-se ao que ouviu da moradora do condomínio, que aparece nas imagens

Os registros feitos pela câmera de monitoramento mostram a vítima argumentando com a moradora, que, a todo momento, gesticula e, mesmo com as imagens sem som, aparentemente grita com a cozinheira.

"Tentei explicar que as palavras dela estavam me fazendo mal, que aquilo era racismo, que é crime. Mas ela gritava que eu estava tentando causar, que eu queria o dinheiro dela. Tentei explicar que não era nada disso, pelo contrário, queria deixar claro que o que ela estava fazendo ali não era legal", explicou Eliane.

Neste momento, as imagens mostram a moradora do prédio empurrando a cozinheira.

"Fiquei indignada, não dava mais para conversar. Aí informei que estava chamando a polícia, pois estava ocorrendo um flagrante de agressão e injúria racial", contou cozinheira.

Após isso, a moradora teria tentando entrar no condomínio, como as imagens da câmera de monitoramento mostram, mas ela é impedida por Eliane.

Logo depois, o zelador percebe o embate. Até que ele chegue às mulheres, a moradora agride a cozinheira com joelhadas e bate a cabeça dela contra uma das paredes da portaria.

O zelador, então, fica entre as duas. A moradora, ainda de acordo com as imagens, também agride o funcionário, que tenta ainda apaziguar a situação.

O clima de tensão se mantém até a chegada de três moradores, que intervieram contra a violência.

"Quando chegou gente do nível dela [agressora], ela mudou o tom e tentou se desculpar. Mas, naquele momento, não dava para fazer isso. Cada palavra dela parecia uma faca em mim", disse Eliane, acrescentando que registrou o caso, no 78º DP (Jardins), no mesmo dia.

A reportagem teve acesso ao boletim de ocorrência, de agressão e injúria racial, registrado no ano passado. Após os crimes, a cozinheira deixou de trabalhar no condomínio. Ela afirmou preferir não comentar sobre isso.

As imagens foram disponibilizadas à Eliane, por determinação judicial, disse o advogado Theodoro Balducci, que representa a vítima. Os registros serão apurados pela Polícia Civil.

Eliane afirmou trabalhar como cozinheira em locais de alto padrão e que, antes da violência sofrida, nunca havia se sentido mal por estar em ambientes deste tipo, o que passou a acontecer.

"Mas agora, depois de tudo isso, me sinto mal em me perceber como uma mulher negra em meio a um monte de gente rica e branca. Nunca tinha passado mal assim e, desde que fui agredida, fico nessa expectativa ruim de sofrer isso de novo", desabafou.

O 78º DP, por meio da SSP (Secretaria de Estado da Segurança Pública), confirmou que o caso foi registrado, em outubro de 2021, como lesão corporal e injúria racial.

A delegacia acrescentou que, na última quinta (31), a vítima realizou a representação contra a moradora e o inquérito policial foi instaurado, para investigar o caso.

Policiais civis realizam desde então diligências e analisam as imagens "para esclarecer todas as circunstâncias do fato", disse trecho de nota da secretaria.

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