Descrição de chapéu alimentação

Crianças pobres têm até três vezes mais risco de morrer antes dos 6 anos

Pesquisa brasileira com dados de 95 países aponta que adultos expostos à pobreza extrema na infância têm QI mais baixo

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São Paulo

A pobreza na infância traz efeitos negativos no desenvolvimento das crianças, com mais riscos de mortalidade infantil, desnutrição crônica, baixa escolaridade e gravidez na adolescência, e, no futuro, queda no desenvolvimento intelectual.

É o que mostra uma pesquisa da UFPel (Universidade Federal de Pelotas), publicada em uma série de artigos da revista The Lancet, que analisou a associação entre a pobreza e desfechos de saúde e capital humano a partir de dados de 95 países.

A série será lançada em um webinar nesta quinta-feira (28) em Londres, com participação do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. Entre os pesquisadores, está o epidemiologista brasileiro Cesar Victora, líder da pesquisa da UFPel.

Criança ao lado de córrego na favela da 13, em Osasco, na Grande São Paulo - Lalo de Almeida - 23.dez.2015/Folhapress

O lançamento ocorre no momento em que há uma preocupação global sobre o impacto da pandemia de Covid-19 nas crianças. Os especialistas defendem que é urgente o desenvolvimento de políticas públicas contra a pobreza.

No estudo da UFPel, os autores analisaram dados das seis maiores coortes de nascimentos de países em desenvolvimento (Brasil, com duas delas, Guatemala, Filipinas, África do Sul e Índia). Ao todo foram 15 mil crianças acompanhadas em um período entre 22 e 40 anos.

Segundo Victora, as diferenças mais marcantes foram encontradas nos quocientes de inteligência (QI) dentro de duas das coortes de nascimentos de Pelotas, iniciadas em 1982 e 1993. Adultos expostos à pobreza extrema quando crianças apresentaram cerca de 20 pontos a menos no escore de QI do que as crianças do quintil mais rico.

Essas disparidades também foram observadas em crianças menores de cinco anos, indicando que fatores ligados à pobreza, como desnutrição e doenças infantis, têm impacto determinante sobre desigualdades de saúde e desenvolvimento intelectual dessas pessoas.

"A preocupação é que isso perpetue as desigualdades sociais ao longo da vida. É muito difícil contornar isso, a não ser que a gente já atue na primeira infância", diz Victora.

Os primeiros mil dias de vida, que incluem a gestação e os dois primeiros anos, são fundamentais para determinar a saúde e o capital humano durante toda a vida.

O estudo avaliou dados de inquéritos nacionais dos 95 países por meio de dez categorias de renda (ou decis), cada qual incluindo 10% das crianças.

Os resultados mostram que as crianças do decil mais pobre têm risco de duas a três vezes maior de morrer até os cinco anos de idade, ter baixa estatura e atraso de desenvolvimento cognitivo para a idade e não completar o ensino fundamental —e, entre as meninas, de ter filhos antes dos 20 anos de idade, quando comparadas a seus pares do decil mais rico.

As análises indicam ainda que, quanto maiores as desigualdades socioeconômicas de um país, piores os resultados de saúde, nutrição e desenvolvimento cognitivo das crianças mais pobres.

"Os efeitos persistem até a idade adulta. Isso é muito grave, pois compromete tanto a sobrevivência quanto a qualidade de vida e a capacidade produtiva de futuras gerações de crianças, adolescentes e adultos", afirma Victora.

Para o epidemiologista, é essencial que os gestores de políticas públicas reconheçam a importância dos riscos associados à pobreza e trabalhem para a criação de programas multissetoriais que garantam apoio social, nutricional e assistencial a crianças, adolescentes e jovens, desde o início da gestação.

Segundo Victora, no âmbito global, a pobreza vinha em ritmo de queda na última década, mas a pandemia de Covid-19 piorou muito a situação.

"Os governos, as agências internacionais, os grandes financiadores precisam renovar os esforços para alcançar essas crianças de famílias pobres e compensar, pelo menos em parte, os efeitos daninhos dessa pandemia de Covid sobre os mais vulneráveis."

O impacto a longo prazo da pandemia nas crianças e famílias ainda não é totalmente conhecido. Mas as evidências sugerem que, possivelmente, as interrupções no acesso das crianças a serviços preventivos de saúde e educação resultarão em excesso de mortalidade e morbidade dessas populações, prejudicando os ganhos conquistados nos últimos anos.

Em um comentário vinculado à publicação no The Lancet, Tedros Ghebreyesus, da OMS, e Catherine Russell, do Unicef, dizem: "É tempo de a solidariedade triunfar sobre a política, pelo bem das nossas crianças e das gerações futuras. Não fazer isso pode resultar em cerca de 21 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 24 anos e 43 milhões de crianças menores de cinco anos morrendo antes de 2030".

Segundo Richard Horton, editor-chefe do The Lancet, "a história de sucesso mais extraordinária na história recente da saúde global foi o rápido declínio nas mortes de crianças menores de cinco anos, mas, apesar das vidas salvas, milhões de crianças ainda morrem de causas evitáveis".

"Aqueles que sobrevivem continuam incapazes de atingir todo o seu potencial. [Precisamos] de compromisso político. Precisamos que os líderes das agências multilaterais, governos e sociedade civil enfrentem os desafios que esta série [de artigos] apresenta e as oportunidades que ela descreve", conclui.

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