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Entenda como TikTok fisga cérebro de usuários com vídeos curtos

Pesquisa aponta que aplicativo ativa áreas relacionadas à sensação de prazer

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São Paulo

Coreografias repetitivas, dublagens engraçadas e desafios em vídeos curtos são sucesso no TikTok, aplicativo desenvolvido pela startup chinesa Bytedance. ​

Assim como outras redes sociais, a plataforma possui algoritmos que entregam conteúdos capazes de impulsionar as interações do usuário com o aplicativo.

Assim, a empresa afirma que chegou à soma de 1 bilhão de usuários ativos atualmente.

Logo do Tik Tok, aplicativo que vídeos curtos que faz sucesso entre jovens
Logo do TikTok, aplicativo de vídeos curtos que faz sucesso entre jovens - Denis Charlet/AFP

Um estudo recente publicado na revista científica NeuroImage e realizado por pesquisadores da Universidade Zhejiang, na China, detectou que o aplicativo ativa áreas do cérebro relacionadas à sensação de prazer e recompensa.

A pesquisa analisou um grupo de 30 alunos da universidade, de 19 a 30 anos. Todos são usuários da plataforma, sendo que 46% afirmaram assistir diariamente a mais de uma hora de vídeos curtos do TikTok. Quase todos (93%) preferem os vídeos personalizados aos genéricos.

Para o estudo, usuários foram expostos tanto a vídeos personalizados, aqueles filtrados pelo algoritmo da plataforma de acordo com os gostos do usuário, quanto aos genéricos, que costumam aparecer logo que o app é baixado.

Os resultados indicam que os dois tipos de vídeos ativam o SN (substância negra), relacionada à região rica em neurônios dopaminérgicos, que tem papel importante em mecanismos de busca e recompensa.

Porém, apenas os vídeos personalizados ativam outras áreas, como ATV (Área Tegmentar Ventral), região que é a origem de algumas vias dopaminérgicas e tem papel no circuito de recompensa, e subregiões do RDM (Rede de Modo Padrão), área envolvida no processamento de diferentes funções cognitivas, como autoconsciência, lembranças de experiências passadas e interpretação das emoções de outros indivíduos.

Por isso, a pesquisa aponta que o algoritmo do TikTok é capaz de ativar essas áreas, o que intensifica a vontade de continuar na plataforma.

A dopamina, neurotransmissor ativado nas regiões do cérebro que são acionadas com os vídeos do aplicativo, está ligada ao sistema de recompensa, que influencia diretamente as emoções. O neurotransmissor costuma estar ligado a situações em que o ser humano tem uma relação de prazer e intensidade emocional, como esporte, sexo, jogos e atividades em tela.

Especialista em redes sociais e professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Raquel Recuero analisa que o foco no vídeo é o diferencial da plataforma. Apesar de outras redes sociais também usarem o recurso, ele não costuma ser o protagonista.

A interação, diz ela, é um dos pontos que atraem o usuário a permanecer nela. "São duetos, opções de contar parte de uma piada ou completar uma história. E a interação por vídeo atrai um público bem mais jovem à plataforma", afirma.

"Na minha geração, por exemplo, começamos a usar a internet com texto. A cultura do vídeo vem dessa garotada que cresceu assistindo a vídeos de Minecraft, no YouTube, e acompanhando influenciador digital na internet", explica ela.

Apesar do excesso de uso do aplicativo não ser recomendado por especialistas, a frequente ativação do sistema de recompensa não necessariamente gera consequências aos usuários.

A pesquisa confirma que existe uma dependência com vídeos, explica Dartiu Xavier, psiquiatra e pesquisador da Unifesp, mas isso também acontece com outras redes sociais.

"Não é, necessariamente, por causa dos vídeos que o usuário perdeu o controle de uso, o mais provável é que este usuário já tenha um sistema de dopamina alterado. Não dá para dizer que se trata de um aplicativo que não devemos usar pois causa dependência", diz ele.

Xavier, especialista em dependências químicas e comportamentais, observa que existe uma parcela da população que entra em atividades intermináveis, como jogo e sexo. "Isso acontece por uma série de motivos e pessoas mais ansiosas, deprimidas, impulsivas ou com transtorno de atenção têm a tendência a desenvolver problemas nesta área", explica o médico.

Mauro Victor de Medeiros Filho, psiquiatra da infância e adolescência do Hospital das Clínicas, afirma que há casos em que o uso excessivo do aplicativo pode ser considerado problemático, como quando o usuário depende desta atividade para obter prazer.

Pessoas que têm dificuldade ou estão deprimidas, explica ele, podem ser mais vulneráveis a desenvolver uma dependência. "Essas mídias podem alimentar o vício em só se obter prazer por meio de vídeos", explica ele. "O problema não é o TikTok em si, mas a relação do ser humano com o app, uma vez que existem pessoas vulneráveis para ter uma relação ruim ou tóxica."

Especificamente sobre o TikTok, o que preocupa é o fato de a plataforma ser um influenciador rápido em que o usuário consegue ver só vídeos que quer.

"Se você está depressivo, vai ver só conteúdo de tristeza. O algoritmo te restringe ao que você tem prazer, que não necessariamente é o que faz bem", alerta o psiquiatra, que analisa que o algoritmo do aplicativo é agressivo ao direcionar rapidamente o usuário aos conteúdos que gosta de uma forma mais assertiva, se comparado com outras redes sociais.

Apesar de outros aplicativos agirem de forma semelhante ao TikTok, especialistas chamam atenção a respeito do formato da plataforma que prende a atenção sem exigir muito trabalho mental.

Psicanalista e professora da PUC-SP, Paula Peron analisa que a plataforma trabalha com a captura de tempo muito curta com diferentes elementos prazerosos.

"Eles prendem esteticamente, tem uma música boa, uma estética bonita e um enredo rápido e fácil", diz ela que classifica que o conteúdo não exige muito do pensamento e trabalha com uma espécie de "anti-pensamento", uma vez que o conteúdo já fornece todos os elementos.

Peron analisa ainda que é comum ver que crianças expostas, principalmente ao TikTok, construam um repertório repetitivo e empobrecido para descrever situações, desenvolvem pavio curto para os processos. "Tudo tem que acontecer muito rápido e magicamente, como está posto ali."

Em relação a essas crianças que são expostas excessivamente a estes conteúdos, não necessariamente é nocivo, mas é necessário a mediação de um responsável. "É preciso de uma mediação para a criança encontrar naquilo ali um sentido de imaginação porque é complicado quando a criança entende que aquilo é uma figuração da realidade."

Em fevereiro, a empresa anunciou uma mudança em suas regras com o objetivo de promover "o bem-estar da nossa comunidade e a integridade da nossa plataforma".

Entre outras medidas, o texto lista uma série de razões que podem levar um vídeo a ser retirado do ar, incluindo caso eles incentivem pessoas a se machucarem ou ao suicídio ou se estimulam distúrbios alimentares. "Acreditamos que as pessoas devem ser capazes de se expressar criativamente e se divertir em um ambiente seguro e acolhedor", afirmou a plataforma na ocasião.

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