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Músicos enxergam Carnaval fora de época como momento de 'virada'

Com a pandemia, a maioria teve que garantir sustento com eventos online e leis de incentivo

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Bloco Feminista desfila pela Barra Funda, em São Paulo Danilo Verpa/Folhapress

São Paulo

Shows, turnês, festas e discos gravados coletivamente foram adiados nos últimos dois anos por músicos em meio à pandemia da Covid-19. Integrantes de um dos primeiros setores a parar em meio à tentativa de conter o avanço do vírus e o último a retomar as atividades, os músicos têm voltado às ruas no Carnaval fora de época.

No feriado de Tiradentes, artistas se apresentam tanto em blocos improvisados quanto em desfiles de escolas de samba. Tradicionalmente, a folia é marcada como uma época rentável para músicos, que tiveram que se virar com atividades online e outros empregos para manter as contas em dia em meio ao período de isolamento social.

Bloco Saia de Chita, que tomou as ruas da zona oeste da capital na quinta-feira (21)
Bloco Saia de Chita, que tomou as ruas da zona oeste da capital na quinta-feira (21) - Danilo Verpa/Folhapress

Os desfiles dos blocos neste feriado, menores, sem patrocínio e sem apoio da prefeitura, ainda não representaram a volta da renda que o Carnaval traz. Muitos tocaram sem receber nada ou apenas com uma ajuda de custo. Porém, é uma virada. O retorno às ruas permitiu sentir que a retomada está próxima.

"Até sonhei com isso", diz a artista Camila Midori, horas antes do cortejo do Bloco Feminista, do qual ela é regente, tomar as ruas da Barra Funda, nesta sexta-feira (22).

Ela calcula ter perdido, em meio à crise sanitária, a maioria dos grupos de artistas de que participava. "Apenas 10% sobreviveram." Midori conseguiu segurar as pontas porque também dá aula de história. "Antes da pandemia, meu trabalho como artista estava maravilhoso. Agora, é como se estivéssemos começando tudo de novo."

Ela lembra que o Carnaval, assim como o mês de março, quando é celebrado o Dia da Mulher, eram os períodos mais rentáveis, porque conseguia uma renda para se garantir por cerca de dois a três meses.

"Como os trabalhos vão e vêm, o artista comum sempre dá aula em algum lugar porque isso dá uma sustentada. É muito ruim ficar sem dois carnavais para um percussionista, pois é a época em que alguns garantem renda por até seis meses."

O Bloco Feminista, que nasceu no segundo semestre de 2021, estreou durante Tiradentes na rua. "É um momento que encerra e abre um ciclo", diz ela. "Encerra esse processo de encontros com mais cuidados e concretiza tudo isso que a gente vem pensando do ‘sai ou não sai’."

Enquanto o Bloco Feminista estreou após seis meses de existência, o Bloco do Amor surgiu em uma semana e saiu pelas ruas da Barra Funda, na quinta-feira (21). Músico e também historiador, Luiz Lobo foi um dos percussionistas durante o cortejo inaugural e afirmou que, apesar de crítico de Carnaval fora de época, a sensação de estar novamente no meio do povo é emocionante.

"A nossa ancestralidade é assim. Somos musicais, afro indígenas. Nossos ancestrais trouxeram essa bagagem. Essa comunicação pela música é o nosso pé no chão", diz.

O início da pandemia tirou o sustento de músicos como Lobo, que ficaram sem renda alguma nos primeiros meses e, aos poucos, foram se reinventando. "Sou músico e dou aula. A parte das aulas ajudou. Mas quem vive só de tocar, perdeu", explicou.

O músico e fundador do Bloco A Espetacular Charanga do França, Thiago França, se emociona ao pensar neste domingo (24), quando será realizado seu cortejo, nas ruas da Vila Buarque.

Com a voz embargada, ele analisa o significado deste período parado. "Não é só a pandemia, foi uma pandemia em meio ao governo de Jair Bolsonaro. Quem trabalha com a cultura sabe o que passou nesses tempos, com o desmonte, dificuldades e guerras de narrativas", diz ele.

"É um momento de acreditar no fim da pandemia, que as coisas vão mudar, as narrativas também, vamos deixar para trás o medo de arma, violência e violência psicológica"

Thiago França

músico e fundador do Bloco A Espetacular Charanga do França

França classifica o feriado como um momento de "virada". "É um momento de acreditar no fim da pandemia, que as coisas vão mudar, as narrativas também, vamos deixar para trás o medo de arma, violência e violência psicológica."

Ele diz que não gosta de pensar no que perdeu nos últimos dois anos. Mas, por mais que tenha colhido frutos do trabalho neste período, indaga: "quantos shows, viagens, turnês, discos gravados coletivamente, quanta coisa teria acontecido?". O músico analisa ainda sentir uma relação estranha com o tempo. "Parece que deu uma pausa em 2020 e depois que voltamos, não está igual."

Durante os piores períodos da pandemia, ele afirma que conseguiu garantir a renda com as diferentes frentes de trabalho e também começou a dar aulas online, como de saxofone, e fazer lives. "Foi desconfortável, apertado e também foi um momento de ficar constantemente pensando em atividades e tentando se renovar", relembra ele.

"Sobrevivi fazendo música num escopo gigantesco, desde a produção do bloco até podcasts. Mas, foi dolorido ver amigos mais próximos que têm funções mais específicas e atravessaram a pandemia com mais dificuldade", diz.

Para quem não gosta de Carnaval, o músico costuma falar que, além da questão cultural, o evento é trabalho que movimenta a economia, desde os catadores contratados até a loja que vende o cropped para foliões usarem nos blocos. "Espero que seja um bom termômetro para o poder público olhar para a coisa com mais carinho", diz.

O guitarrista e vocalista Pedro Lua, do bloco Baco do Parangolé, que saiu na Água Branca, na quinta, analisa que o trabalho do músico é precarizado e que a retomada às atividades têm ajudado a categoria.

"As festas de ruas são sempre uma emoção para os blocos que não são comerciais", diz. Ele explica que uma das saídas para gerar renda é em eventos privados. "Vamos fazer quatro festas, que ajuda e gera uma renda para uma classe em frangalhos", diz ele.

Escolas de samba

Músicos que vão para avenida, mas em desfiles de escola de samba, também festejam a retomada. "Sensação é de estar voltando para casa. O Anhembi é a casa do sambista e é lá que o sambista tem o seu espaço", diz o cantor Charlie Dief, um dos intérpretes da Mancha Verde, escola que desfilou nesta sexta.

Durante a pandemia, ele afirma que o emprego da esposa segurou as pontas em casa. "Tivemos que refazer contas", diz Dief, que aproveitou o momento de shows parados para refletir sobre a carreira e dar uma melhor direção a ela.

Ele também compôs algumas músicas sobre o período, como "Quando Tudo Isso Passar", que reflete sobre não poder abraçar e beijar as pessoas em meio ao isolamento social. A repercussão da música foi tamanha que possibilitou que ele fizesse uma live com Ivete Sangalo.

Pianista Daniel Grajew era um dos músicos no bloco Saia de Chita, que se apresentou na quinta, na Pompeia. "Tô vibrando, parece que eu saí da caverna", brincou ele na ocasião. Em meio à pandemia, ele sentiu as pessoas mais sensibilizadas pelas iniciativas e, além de aulas, também fez cartões virtuais em datas comemorativas, como Dia das Mães e Dia dos Namorados.

Também lembra que as leis de incentivo foram muito importantes, como a Lei Aldir Blanc. "Mas, agora tá sendo muito mais forte."

Mesmo assim, ele afirma que música ao vivo não tem igual. "Ela é feita de vibração que chega no meio físico e é emocionante ver isso. As pessoas estão sentindo como a música faz parte desse encontro físico e está sendo importante na retomada", diz.

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