'Não podemos transformar parques em shoppings', diz gestor de parques paulistas

Porta-voz do consórcio Novos Parques Urbanos, Rogério Dezembro diz que há sobrecarga de publicidade em espaços verdes

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São Paulo

"Não podemos transformar parques em shoppings." A frase de Rogério Dezembro, sócio-gestor do Consórcio Novos Parques Urbanos, grupo que na última quinta (31) venceu concorrência pública para administrar os parques Villa-Lobos, Água Branca e Cândido Portinari, todos na zona oeste de São Paulo, reflete um dos maiores conflitos decorrentes da série de concessões das gestões dos parques paulistas e paulistanos ao setor privado.

Dezembro afirma que o objetivo de lucrar com esse modelo carece de cuidado. "A gente viu alguns movimentos infelizes", diz, sobre o modelo implementado pela gestão de João Doria (PSDB).

O processo de privatização das gestões dos parques estaduais e municipais criado por Doria, tanto no período em que ele esteve na prefeitura (2017-2018) quanto no estado de São Paulo (2019-2022), contém alguns desafios.

Academia patrocinada pela Unimed no parque Villa-Lobos - Zanone Fraissat/Folhapress

"Se a gente está falando que esses espaços são tão valiosos para a cidade por serem ilhas de respiro para a cidade, sobrecarregar essa paisagem com mensagem publicitária é como dar um tiro no próprio pé", afirma.

A aposta, prossegue o publicitário, são as saídas não convencionais de publicidade, muito embora, ele diz, ainda não tenha a definição exata de seu projeto para os três parques em questão.

A experiência de gestão de seu grupo vem de condução do Zoológico, do Jardim Botânico e do Zoo Safari, onde, afirma, procurou testar formas publicitárias que não tirassem o protagonismo da paisagem e dos animais. "Pode ser que a gente erre, porque esse trabalho é um faz e ajusta", pondera.

Dezembro prefere "não citar nomes para não ser deselegante", mas diz que observou alguns erros no processo de privatização. "Primeiro efeito que causam [alguns modelos publicitários] é que eles nos desconectam daquela área verde", avalia. "Estão errados na largada. Se causa desconexão, podia estar num supermercado ou num shopping."

Para ele, isso não é "uma saída inteligente". "Não podemos transformar parques em shoppings", afirma.

O parque da Água Branca conta com uma área de 136 mil m², com 70 edificações. Antes da pandemia, o local recebia 2,9 milhões de visitantes por ano. Tem como uma de suas principais características a criação de animais e uma feira de produtos orgânicos.

Villa-Lobos e Cândido Portinari são vizinhos e possuem, juntos, 850 mil m². Antes da pandemia, mais de 11 milhões de pessoas visitavam os espaços anualmente.

Na sessão pública de 31 de março, o consórcio Novos Parques Urbanos venceu o leilão para a gestão das três áreas. O contrato é de cerca de R$ 124 milhões —soma da outorga fixa mais os investimentos obrigatórios. "Obviamente, esse investimento precisa ser viabilizado", diz Dezembro. A previsão de receita em 30 anos, período do contrato, é de R$ 900 milhões, segundo o próprio edital.

Dezembro diz que as inserções publicitárias são inevitáveis nesse contexto para a geração dessa receita, para criação de recursos a serem repassados para o Estado e também para o atendimento das exigências de investimentos previstas no edital.

Entre as obrigações estão o pagamento de pessoal, a manutenção de espaços e a criação de novas instalações. Soma-se a isso o valor de uma porcentagem de tudo o que a concessionária arrecadar dentro dos parques, a chamada outorga variável.

Para o gestor, o papel do Estado é "extrair o maior valor possível da sociedade e entregar o maior valor possível para sociedade também".

"A gente vai fazer um planejamento para ter uma diversidade de oferta, tanto de produto quanto de preço", promete Dezembro.

No estudo de projeto do consórcio, estão previstos de 20% a 25% de operação de comércio de comidas e bebidas para entes que já trabalham dentro desses espaços públicos. Apenas para o governo haverá recolhimento de 3% da receita gerada pelas atividades comerciais do parque.

A concessionária vai herdar estruturas que trazem embriões de um conflito entre público e privado. No Villa-Lobos, por exemplo, uma academia de ginástica que ostenta banners de patrocínio da Unimed exige que o frequentador do parque esteja portando um celular para fazer um cadastro.

A Folha presenciou duas pessoas que foram impedidas de usar o equipamento porque não estavam com o celular na hora. Questionado, o secretário da Infraestrutura e do Meio Ambiente do estado de São Paulo, Marcos Penido, disse não conhecer a academia e preferiu não falar sobre o tema.

A academia da Unimed foi colocada em funcionamento antes do processo de concessão da gestão do Villa-Lobos. O porta-voz da nova gestão do parque diz: "Fico frustrado quando vejo algo parecido".

Segundo nota enviada pela assessoria de imprensa da Unimed, a unidade é gratuita. "As atividades [oferecidas] demandam acompanhamento por educadores físicos credenciados. Os interessados em participar devem fazer o cadastro pelo aplicativo da consultoria Mude, no qual responderão questões referentes a sua saúde, em formato de anamnese, o que é exigido obrigatoriamente pelos órgãos competentes e conselho de Educação Física, para qualquer tipo de academia", diz.

A nota afirma ainda que "não é obrigatório que o aluno possua um aparelho celular, podendo se utilizar do dispositivo de um parente ou amigo" e que "a entrada de visitantes sem o cadastro no aplicativo é liberada se a academia puder comportar com segurança todo o grupo".

Na experiência da privatização da gestão do parque Ibirapuera, por exemplo, a concessionária Urbia, para auferir receita, se valeu de um programa de patrocínios que colocou em destaque iFood e Ambev —a última comprou o direito de exclusividade na venda de bebidas dentro do parque.

O projeto do iFood, uma praça de alimentação com mesas vermelhas e quiosques padronizados, foi instalado em espaços vizinhos aos pavilhões criados pelo arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012). Uma roda-gigante foi colocada no local antes que o Conpresp, órgão de preservação do patrimônio histórico na esfera municipal, autorizasse.

Procurada à época, a Urbia disse que a ação "foi temporária e comunicada aos órgãos competentes, de acordo com o plano diretor do parque Ibirapuera".

Erramos: o texto foi alterado

Em versão anterior, o mapa que acompanha a reportagem inverteu as cores que indicam as concessionárias em suas legendas. Após a correção, o Consórcio Novos Parques Urbanos corresponde à cor vermelha; a Urbia, à cor azul.

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