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Pesquisa Datafolha confirma que estamos em uma crise humanitária

Chama a atenção que 23% dos entrevistados paulistas e 17% dos fluminenses atribuem a responsabilidade por viver na rua ao próprio morador e não aos governos

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Luciana Marin Ribas

Advogada, mestra em Direito Constitucional pela PUC-SP e doutora em Direitos Humanos pela USP, integra o Fórum da Cidade em Defesa dos Direitos da População de Rua

Uma recente pesquisa realizada pelo Datafolha aponta que 8 a cada 10 pessoas veem aumento da população em situação de rua em São Paulo e Rio de Janeiro. A pesquisa revela algo que já sabemos e que basta andar pelas ruas para perceber que estamos em uma crise humanitária.

Precarização das relações de trabalho, fragilidade nas políticas de acesso à moradia, insuficiência de serviços assistenciais ou de acolhimento, descontinuidade dos programas de redistribuição de renda, execuções judiciais de despejos e reintegração de posse em pleno cenário pandêmico são causas históricas e atuais que contribuem para o aumento do número de pessoas que, sem qualquer alternativa, passam a viver nas ruas de forma precária. Dois desdobramentos desta pesquisa me chamaram a atenção.

Moradores em situação de rua no viaduto do Glicério, na região central de São Paulo
Moradores em situação de rua no viaduto do Glicério, na região central de São Paulo - Zanone Fraissat - 13.abr.22/Folhapress

O primeiro deles diz respeito à percepção sobre a responsabilidade pelos problemas que envolvem a população em situação de rua. Em São Paulo, quase um quarto dos entrevistados (23%) atribui a responsabilidade para a própria pessoa que está na rua —este percentual diminui um pouco na visão dos entrevistados no Rio de Janeiro (17%).

A partir deste cenário, penso que precisamos continuar o diálogo para quebrar estigmas e estereótipos que carregamos em relação à diversidade de realidades que desconhecemos. O episódio em que Galdino Jesus dos Santos, líder indígena da etnia pataxó-hã-hã-hãe foi queimado vivo enquanto dormia em um ponto de ônibus em Brasília no ano de 1997, trouxe ao debate público duas tristes realidades: o genocídio cometido continuamente contra os povos indígenas e o descaso em relação à humanidade das pessoas em situação de rua.

Galdino não vivia nas ruas, mas foi confundido como tal, e, por estar dormindo numa via pública, algumas pessoas se sentiram autorizadas a exterminá-lo. Um dos responsáveis pelo assassinato se justificou publicamente: "Desculpa, pensei que era um mendigo", como se tal confusão justificasse o ato.

É difícil dizer o que é pior: atear fogo em uma pessoa ou atear fogo em uma pessoa por pensar que ela está em situação de rua.

Fato é que persiste no imaginário de uma parte considerável das pessoas que quem está nas ruas não tem direitos, que é a única responsável por estar nesta situação e que pode ser exterminada porque não deveria existir. Essa é uma dura realidade, mas que precisa ser dita para que possamos avançar no diálogo e tentar provocar o mínimo de sensibilidade em relação à vida alheia.

O segundo ponto que me chama atenção, mas que não me surpreende, é, ainda no que tange à responsabilidade pelos problemas que envolvem as pessoas em situação de rua, apenas 5% dos entrevistados no Rio de Janeiro e 2% em São Paulo atribuírem às três esferas do governo.

Trata-se de um porcentual baixo e que reflete nossa falência educacional cidadã. A maior parte das pessoas desconhece as competências e atribuições de cada governante, sem mencionar as confusões existentes entre as atribuições e deveres de Legislativo e Executivo. Por isso, cada um atribui a responsabilidade pelos problemas sociais de forma aleatória.

Ora se culpa o governo estadual, ora o federal, ora o municipal, sem qualquer critério avaliativo sobre as reais responsabilidades de cada um.

O caso envolvendo o aumento da população em situação de rua é uma responsabilidade conjunta, uma vez que nas três esferas percebemos a descontinuidade dos programas sociais de renda, a precarização dos poucos programas de acesso à moradia, a limitação de orçamento para projetos sociais, cortes em serviços essenciais de distribuição de alimento.

Sem contar o fato de termos um Judiciário elitista e alheio à realidade brasileira, executando despejos e reintegrações em pleno período pandêmico.

O mais alarmante nesta confusão é o fato de que estas pessoas votam e, ao exercerem seus direitos políticos, precisam compreender melhor as consequências de suas escolhas eleitorais. Saber o que cobrar de cada governante é essencial para nos fortalecermos como nação e, de fato, compreendermos nosso papel como cidadãos e cidadãs.

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