Descrição de chapéu Rio de Janeiro Alalaô

Saudade do Carnaval aproximou comunidades de escolas de samba no RJ

Depois de dois anos, desfiles cariocas começam marcados por emoção de voltar à avenida

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Rio de Janeiro

Sandra Floresta reservou a quarta-feira (20) para pintar os cabelos, dar banho nos cachorros e deixar tudo pronto para os quatro dias que vêm por aí. Está ansiosa pela avenida após dois fevereiros sem pisar nela: "Fico até nervosa de falar, dá vontade de chorar", diz com a voz engasgada.

Aos 63 anos, vai terminar o Carnaval tendo desfilado por quatro escolas de samba diferentes, na primeira e na segunda divisões do Carnaval carioca. Em Cima da Hora na quarta, Estácio de Sá na quinta (21), Imperatriz Leopoldinense na sexta (22) e Unidos da Tijuca no sábado (23), a agremiação que lhe "devolveu a vontade de viver".

Ela conta que perdeu o marido dez anos atrás e entrou numa depressão profunda, da qual só saiu quando entrou na quadra da escola. Por isso define a volta dos desfiles como um "reencontro de almas" com os amigos que chama de família.

É esse o clima da Marquês de Sapucaí neste feriado prolongado de Tiradentes, que deve ser marcado pela emoção e pela união após um par de anos com barracões fechados, quadras vazias, restrições de público e calendários adiados.

Escola de samba da Mangueira ensaia desfile na Marquês de Sapucaí em fevereiro, após Carnaval ser adiado - Mauro Pimentel - 24.fev.22/AFP

A saudade da festa estreitou ainda mais os laços das comunidades com suas escolas, avaliam diretores, trabalhadores e desfilantes. Em parte delas, novos membros surgiram e fantasias esgotaram em velocidade recorde, lotando as alas a meses das apresentações.

"As pessoas que vivem em volta da comunidade, em volta da escola, estavam naquela sede de recomeçar. Então abraçaram mais, apertaram o elo", acredita o aderecista Júnior Fernandes, 30, responsável por três carros alegóricos da Beija-Flor de Nilópolis (região metropolitana do Rio).

Na Imperatriz Leopoldinense, que representa 11 bairros cortados pela linha do trem na zona norte do Rio, a aproximação também veio do trabalho social que a escola desenvolveu durante a pandemia. Se antes a quadra era apenas local de encontro, depois virou central de milhares de doações.

"Teve gente que foi pegar ovo de páscoa que nunca tinha entrado na escola e falou: nunca vim aqui, como faço para desfilar? Agora a pessoa, o filho, a família vão entrar com a gente", diz o diretor André Bonatte, ressaltando que a Covid fez a escola perceber que esse também era seu papel.

Os cerca de 2.800 componentes que vão dançar na avenida são da própria comunidade, já que a agremiação não vende fantasias. Neste ano a procura subiu, e as vagas acabaram há mais de um mês. "As pessoas estão doidas para comemorar que estão vivas", palpita Bonatte.

Foi a mesma situação da Unidos da Tijuca, originária do Morro do Borel, que só disponibiliza cerca de 20% das suas 3.400 fantasias para foliões de fora da agremiação. Eles ficarão distribuídos em apenas cinco alas.

Sandra vai puxar a nona ala, sobre os olhos do indiozinho que, reza a lenda, deram origem ao fruto do guaraná, enredo da agremiação. A aposentada ficou mais de um ano sem ver os amigos na quadra, até a disputa de sambas-enredo, em meados de 2021.

"A amizade o tempo afastou, mas não separou do coração. Estou feliz da vida", ela comemora agora, se orgulhando do ensaio de duas semanas atrás em que a Tijuca saiu até debaixo de chuva. "A comunidade está maravilhada", defende.

O sentimento é ainda mais acentuado na terceira divisão do Carnaval, que costuma ser ainda mais ligada aos seus territórios, sem venda de fantasias, e desfila sempre nos dois primeiros dias do feriado na estrada Intendente Magalhães (Campinho, zona norte).

"Depois que as medidas de isolamento foram sendo abrandadas, percebemos que a comunidade se aproximou cada vez mais. Hoje em dia as pessoas estão bem unidas", diz Antônio Gonçalves, presidente da Feitiço Carioca.

A escola é de Vila Isabel, também na zona norte, mas hoje tem seu ateliê e barracão próximos ao Morro do Pinto, no centro, e sua bateria na favela da Rocinha, na zona sul. "O samba aproxima as pessoas, as pessoas querem estar juntas sambando", lembra ele.

Mas nem sempre foi assim. Muita gente continuou afastada das quadras depois que elas começaram a ser reabertas, por medo da Covid ou incerteza quanto à realização dos desfiles. "No início ficou uma coisa meio morna, meio fria", diz Júnior, da Beija-Flor.

Quanto ao público de fora, as agremiações tentaram manter o vínculo principalmente através das redes sociais e das lives. Gonçalves, da Feitiço, conta que quase zeraram neste ano as visitas que recebiam e que, eventualmente, acabavam se incorporando à escola.

Por outro lado, na Imperatriz, o diretor Bonatte afirma que o período tornou a "comunidade virtual" da agremiação mais presente, se referindo ao sócio torcedor que paga uma mensalidade e tem acesso a uma fantasia: "Eles fazem parte de uma comunidade afetiva, normalmente já moraram no bairro. Não é um turista, que compra na agência de viagem".

Na São Clemente, surgida em Botafogo, na zona sul carioca, o vice-presidente Roberto Gomes acredita que a falta de ensaios e eventos a pandemia afastou ainda mais os que nunca participaram ativamente dos desfiles. "Agora mais recente é que estamos tentando reerguer", diz.

Com a emoção e a alegria de desfilar, para ele, veio outro sentimento: "Quem mexe com Carnaval está doido para acabar logo esse desfile, são dois anos e três meses fazendo a mesma coisa. Perdeu a graça. As pessoas querem concluir a missão e pensar num novo projeto", admite.

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