Banco de perfis genéticos para solucionar crimes se amplia, mas faltam peritos para análises

Rede conta com 148 mil perfis e diz que 3.400 crimes foram solucionados e 50 pessoas desaparecidas foram identificadas no país

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São Paulo

As séries de investigação viraram febre no início dos anos 2000. Os famosos "C.S.I." apostavam nas mirabolantes tecnologias e nos exames de DNA para desvendar os crimes mais complexos. O que parecia ser uma fantasia, hoje se torna realidade. Testes genéticos já fazem parte da rotina da polícia, que ainda vê na falta de pessoal capacitado o entrave para poder expandir o processo.

O Brasil conta atualmente com 148 mil perfis armazenados na Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG). Até 2017 eram apenas 7.000 — um salto de mais de 2.000%. Segundo a rede, esses perfis ajudaram a solucionar 3.400 crimes e identificar 50 pessoas desaparecidas no país. Dos 148 mil perfis, 110 mil são de pessoas que estão no sistema prisional.

"Nos últimos anos, grandes investimentos foram feitos visando o desenvolvimento dos bancos de perfis genéticos no Brasil. O primeiro grande projeto foi o de coleta de condenados no sistema prisional para atendimento da Lei de Execução Penal. Esse projeto foi iniciado em 2018 e ganhou ainda mais força em 2019", diz Ronaldo Carneiro da Silva Junior, perito criminal federal e coordenador do comitê gestor da RIBPG.

Carneiro também ressalta outros dois pontos que fizeram com que o banco de perfis tivesse esse crescimento. Um deles foi o investimento no projeto de processamento de crimes sexuais, ou seja, do passivo de amostras que aguardavam processamento nos laboratórios e IMLs do país.

"Com este projeto foram adquiridas plataformas para processamento automatizado de amostras de crimes sexuais e, inclusive, criado o Centro Multiusuário de Processamento Automatizado de Crimes Sexuais, cujo objetivo é aumentar a capacidade de processamento deste tipo de amostra no Brasil."

Imagem colorida mostra mulher em um laboratório. Ela veste um avental azul, luvas e toca transparente. Esta voltada para o lado esquerdo, mexendo em uma equipamento que trabalha material genético.
Profissional trabalha com dados do banco de perfil genético da Pefoce (Perícia Forense do Ceará) - Sara Sousa - 21.mar.19/Ascom Pefoce

A Campanha Nacional de Coleta de Familiares de Pessoas Desaparecidas, ocorrida entre maio e junho do ano passado, também fez o número de perfis genéticos relacionados à busca de pessoas desaparecidas mais que dobrar no último ano, chegando a mais de 11 mil perfis, segundo Carneiro.

No Ceará, a Perícia Forense do estado (Pefoce) começou, no último dia 23, a coletar material genético de idosos que moram em abrigos e de pacientes hospitalizados sem vínculo familiar, que possam estar sendo procurados.

Além disso, o estado retomou a coleta no sistema prisional, que havia sido interrompida durante a pandemia. O banco do estado conta com 3.774 amostras de condenados coletadas.

"Estamos fazendo a coleta duas vezes por semana para recuperar o tempo perdido", diz a perita criminal Teresa Cristina Lima da Rocha, coordenadora do Núcleo de Perícias em DNA Forense, desde 1993 no serviço público.

São Paulo é o estado que mais envia amostras de DNA para o banco nacional, com 14,4%. Em seguida vêm Minas Gerais (13,8%), Pernambuco (12,36%), Rio Grande do Sul (9,23%) e Goiás (7,93%).

"Quando o perito faz a análise e cadastra [a amostra], já busca se existe um perfil coincidente no estado de SP. Semanalmente, nossos dados são mandados para o banco nacional e lá é feita a comparação se existe um perfil compatível em outros estados", conta a perita criminal Ana Claudia Pacheco, do Núcleo de Biologia e Bioquímica do Instituto de Criminalística da Superintendência da Polícia Técnico-Científica de São Paulo.

Segundo a perita, o banco de perfis genéticos possibilita vincular vestígios, o que ajuda na indicação do responsável pelo crime.

"O criminoso deixou vestígio no roubo número um, no roubo número dois e no roubo número três, que aconteceram em lugares diferentes e em datas diferentes, por exemplo. Mas, quando colocamos esses perfis no banco, ele aponta que são iguais. Significa que o mesmo criminoso agiu nesses três roubos."

São inúmeros os tipos de vestígios que podem ser usados na comparação do DNA. Em tese, qualquer amostra que tenha material biológico. "Nos vestígios de local de crime trabalhamos com sangue, sêmen, saliva. Pode ser em uma bituca de cigarro, fios de cabelo", explica Ana Claudia.

Esses vestígios são processados em um laboratório, que identifica o DNA. Com essa identificação, é feita a comparação com o que está arquivado no banco de dados para encontrar a compatibilidade.

Um caso notório resolvido por meio de amostra de DNA ocorreu no ano passado. Carlos Eduardo dos Santos, 55, foi condenado a 50 anos de prisão pela morte da menina Rachel Genofre, 9. O corpo dela foi encontrado dentro de uma mala abandonada na rodoviária de Curitiba (PR), em novembro de 2008.

O material genético de Santos foi colhido na prisão, durante um mutirão em 2019, e inserido num software que fez o cruzamento de dados entre os bancos de DNA de São Paulo e do Paraná. Seu DNA se mostrou compatível com o material encontrado no corpo de Rachel. Segundo a polícia, Santos confessou o crime.

Para o coordenador do comitê gestor da RIBPG, o país ainda carece de profissionais especializados para este tipo de trabalho.

"Na área de genética, que é muito especializada, essa questão é ainda mais crítica. Apesar dos grandes avanços no aspecto qualitativo da RIBPG, o aspecto quantitativo ainda é um desafio para o país."

A perita Teresa Cristina, do Ceará, segue a mesma linha. Ela ainda cita as demandas cotidianas, que também estão crescendo e exigem mais pessoal.

"Além desses projetos com desparecidos e condenados, temos a demanda do dia a dia. Crime sexual, criminalística biológica [coleta de local de crime]. E temos também pessoas que morrem e não foram identificadas. Ainda existe uma carência, pois é uma demanda que só cresce", comentou a perita.

De acordo com Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais, o país conta com 1.200 peritos criminais na ativa. "É um número bastante reduzido, pois há uma distribuição em 19 áreas de atuação. Então, esse número acaba se pulverizando ainda mais", diz Marcos Camargo, presidente da entidade.

"Esse cálculo não acompanhou o desenvolvimento tecnológico, o surgimento de novas áreas, o aprimoramento de novas tecnologias que demandam novos profissionais. Precisamos que os ministérios da Justiça e da Economia se empenhem efetivamente na criação de novas vagas."

Obrigatoriedade da coleta de condenados gera debate

Especialistas entendem que o uso da tecnologia para a solução de crimes é sempre proveitosa. Porém, alguns pontos ainda são discutidos, como por exemplo o fato de o condenado estar produzindo prova contra si mesmo.

"O Pacote Anticrime tornou obrigatória a coleta do perfil genético, dispondo que o preso que se recusar ao procedimento cometerá falta grave, o que pode dificultar sua progressão de regime, por exemplo. É inconstitucional por violar o direito a não autoincriminação e a própria ideia de presunção de inocência", diz o advogado Matheus Falivene, professor na pós-graduação da PUC-Campinas.

Segundo Leonardo Pantaleão, mestre em direito das relações sociais, o grau de confiabilidade da prova é muito alto, porque, na realidade, o que vai se ter armazenado é o DNA do indivíduo. Mas, eventualmente, a constitucionalidade disso pode ser questionada pela defesa.

"Fica uma situação contraditória às regras constitucionais, porque é um exame que acaba dando uma certeza e o indivíduo é obrigado a se submeter. Então, escapa realmente daquela proteção do direito de não autoincriminação."

Para Rafael Alcadipani, professor da FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é importante a possibilidade de a polícia ter acesso a esses perfis genéticos, com todas as salvaguardas éticas na coleta do perfil e da proteção dos dados da pessoa para que não caia em mãos erradas.

"Temos que ter uma base de DNA muito grande, pessoas condenadas precisam ter sim seu perfil coletado pela Justiça", diz Alcadipani.

"A gente tem que pensar o que é mais importante: assegurar o direito individual ou ter um homicida fora das ruas. Esse é um balanço que deve ser colocado. Claro que não pode ser nem tanto ao mar nem tanto a terra. Não pode ser abusado pelos tribunais."

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