Descrição de chapéu Rio de Janeiro Folhajus

Investigação de massacre no Jacarezinho (RJ) chega ao fim com 24 das 28 mortes arquivadas

Operação policial mais letal da história do estado completa um ano nesta sexta (6)

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Rio de Janeiro

As investigações da operação policial mais letal da história do estado do Rio de Janeiro, que completa um ano, chegam ao fim sem elementos suficientes para confirmar o que se passou na maioria das casas e vielas do Jacarezinho naquele 6 de maio de 2021.

A força-tarefa que o Ministério Público estadual criou para apurar as 28 mortes na favela da zona norte carioca será desfeita após finalizar o último dos 13 inquéritos nesta quinta (5). Com isso, o saldo final é de 24 óbitos arquivados e 4 óbitos que motivaram denúncias.

"Tudo leva a crer que as versões apresentadas pelos policiais são coerentes. Mas, mesmo com essas provas, a gente não pôde na maioria dos casos cravar que houve legítima defesa. Nem dizer que o policial executou", diz o promotor André Luís Cardoso, que coordenou o grupo formado ainda por outros três promotores e um assessor jurídico.

Homens colam papel em poste
Moradores fazerm mutirão de lambe na favela do Jacarezinho, no Rio, para marcar um ano da operação que deixou 28 mortos - Eduardo Anizelli - 5.mai.2022/Folhapress

A denúncia mais recente foi feita contra os policiais civis Amaury Sérgio Godoy Mafra e Alexandre Moura de Souza, da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), pelos homicídios de Isaac Pinheiro de Oliveira e Richard Gabriel da Silva Ferreira, ambos de 23 anos.

A Promotoria concluiu que eles foram assassinados quando já estavam encurralados e desarmados no cômodo de uma casa e que os agentes "efetuaram disparos contra as vítimas indistintamente, imbuídos da intenção comum de executá-las".

A versão de troca de tiros alegada pelos policiais, que mudaram seus depoimentos na segunda vez em que foram à delegacia, foi desmentida pelas perícias do local e dos corpos. Não havia sinais de confronto, e fotos mostram que Isaac já havia sido duplamente baleado antes de ser morto.

Ambos também foram acusados por fraude processual, porque teriam atribuído falsamente às vítimas duas pistolas, carregadores e uma granada. Segundo a denúncia a dupla ainda retirou os corpos antes da chegada da polícia e alterou a cena do crime.

Outras duas denúncias já haviam sido aceitas pela Justiça: a primeira contra dois policiais civis que teriam matado e removido o corpo de Omar Pereira, 21, do quarto de uma criança, e a segunda contra dois chefes do tráfico pelo homicídio do inspetor André Frias, 48 —o homem suspeito de ter efetuado o disparo morreu.

Em apenas duas ocorrências, foi possível ter certeza da legítima defesa dos agentes. Foram as que tiveram mais mortos, sete em uma casa e seis em outra. Na primeira, uma família contou ter sido feita refém; na segunda, houve um policial ferido, marcas de intenso confronto e um vídeo de um dos baleados caído ainda vivo.

O promotor afirma que a falta de testemunhas foi a maior dificuldade —das 161 pessoas procuradas, eles conseguiram ouvir apenas 72. Além do temor das trocas de tiro que afastaram os moradores das ruas naquele dia, imperou na comunidade o medo de falar com as autoridades sobre o caso.

Uma das desconfianças da população era com o fato de a própria Polícia Civil, responsável pela operação no Jacarezinho, ter sido incumbida de investigar a ação. A corporação chegou a abrir os inquéritos, mas finalizou apenas o do inspetor e produziu um relatório às pressas dizendo que a morte de Omar era inconclusiva, após a denúncia.

O grosso dos casos, portanto, acabou ficando apenas nas mãos do Ministério Público, seguindo determinações do Supremo Tribunal Federal, de 2020, e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 2017. Ambos decidiram que em ações que envolvam policiais, as investigações devem ser conduzidas de maneira independente.

A Promotoria constatou ainda que duas das vítimas não eram ligadas ao crime e foram atingidas por acaso durante confrontos. Carlos Ivan Avelino, 32, era catador de latinhas, morador de rua e não tinha os movimentos de um dos braços, portanto nem poderia segurar armas longas, por exemplo.

Já Matheus Gomes, 21, que causou indignação ao ser fotografado morto com o dedo na boca numa cadeira de plástico, teve um ataque epilético no meio da confusão e foi colocado naquela posição numa tentativa de salvamento, segundo moradores ouvidos.

Para chegar às conclusões, os promotores usaram principalmente depoimentos de policiais, familiares e testemunhas, além dos laudos dos locais (em sete casas), das armas apreendidas e de mais de 90 roupas dos mortos.

Moradores fazem mutirão de lambe na favela do Jacarezinho, zona norte do Rio, para marcar um ano do massacre que deixou 28 mortos - Eduardo Anizelli/Folhapress

Essas últimas foram analisadas por peritos independentes de São Paulo, para checar que não havia mistura de sangue ou esgarçamento, o que indicaria empilhamento ou arraste dos corpos. Seis presos na operação relataram que foram agredidos e obrigados a carregar cadáveres, denúncias que também não devem ter desfecho.

"Existem essas marcas de lesões, mas eles falam que não conseguem identificar a pessoa que bateu, então a coisa se torna impossível de apurar. Ainda que tenha o policial que apresentou ele no registro de ocorrência, não quer dizer que foi esse", afirma Cardoso, que ainda não finalizou esse inquérito de tortura.

Ele defende que as investigações arquivadas podem ser reabertas se surgirem novos elementos: "O caso não pode ficar em aberto indefinidamente, isso custa dinheiro ao Estado. Se você cumpriu todos os protocolos, angariou todas as provas possíveis e não chegou a um resultado definitivo, você arquiva", diz.

Atos marcam 1 ano das mortes

Sexta (6)
Marcha e construção de memorial pelas vítimas
Horário: 13h
Local: Quadra da escola de samba Unidos do Jacarezinho

Sábado (7)
Mutirão de grafite
Horário: 9h
Local: Quadra da escola de samba Unidos do Jacarezinho

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