Descrição de chapéu machismo maternidade

Mães solo pagam pelo próprio presente no Dia das Mães em escolas

Para evitar que filhos sejam excluídos da atividade, mulheres cedem e pagam pelo mimo

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São Paulo

Para o Dia das Mães, escolas particulares pedem que os responsáveis mandem uma contribuição para a confecção de um presente. A bolsa térmica custa R$ 60. Já a garrafa térmica sai por R$ 50. Há, ainda, aqueles que mantêm o suspense e não revelam o que é a lembrancinha, mas cobram R$ 20 a R$ 50 pelo mimo.

Apesar da iniciativa dos colégios ter como objetivo agradar as matriarcas, mães solo notam que a ideia acaba sendo um custo extra em que elas acabam tendo que desembolsar uma quantia pelo próprio presente.

Angie Cunha, 38, tem uma filha de nove anos e responsável pela página no Instagram Maternidade Solo Real, que conta com cerca de 57 mil seguidores
Angie Cunha, 38, tem uma filha de nove anos e responsável pela página no Instagram Maternidade Solo Real, que conta com cerca de 57 mil seguidores - Eduardo Anizelli/Folhapress

Mãe de uma menina de nove anos, Angie da Cunha e Silva, 38, interpreta o ato como um resumo da vida de mãe solo: "trabalhar para pagar seu próprio presente de Dia das Mães".

Angie, que mantém uma página no Instagram chamada Maternidade Solo Real, diz que esta não é a primeira vez que a escola em que a filha estuda pede uma contribuição para o presente.

"Eu nem vou usar a bolsa térmica, mas eu fiz para que a minha não fosse excluída da atividade. É bem chato, a gente não tem nem essa surpresinha", diz.

"A gente paga o nosso próprio presente já sabendo o que é e ainda finge surpresa para a filha quando recebe", continua. "Isso demonstra que ninguém está preocupado com as mães. Está mais que comprovado que ninguém cuida de quem cuida. Então, a gente tem que se virar para pagar até o nosso próprio presente."

Ela ainda ressalta que, apesar de triste, passar pelo Dia das Mães não é tão desafiador quanto passar pelo Dia dos Pais, comemorado em agosto, quando o pai é ausente. É o que acontece com a filha de Angie, que não tem notícias do pai há quatro anos.

Angie já sugeriu que o colégio abolisse as comemorações e optasse pelo Dia da Família a fim de incluir as diferentes configurações de famílias. "Mas as escolas não estão muito preocupadas com isso. Já tive uma reunião sobre isso, disseram que iam ver, mas nunca foi para frente."

A psicóloga Greyce Souza, 32, passa por uma situação semelhante. Ela pediu uma ajuda ao ex-marido e pai do filho de quatro anos para dividir os custos da apresentação e presente do Dia das Mães, mas não recebeu resposta. "E, provavelmente, nem vou", diz.

Para comemorar a data, a escola do primogênito pede R$ 50 pela chamada "camisa da mãe" e que o responsável compre uma peça de roupa específica para a apresentação dos pequenos.

O figurino consiste em um suspensório vermelho, uma bermuda jeans e um sapato. "Barato não vai ser", afirma ela que deve arcar com até R$ 200 para o evento.

"Vai dar para eu arcar, mas fiquei pensando que esse custos não programados acabam excluindo algumas mães das escolas dos filhos", diz.

"Pensei que vou ter que pagar só porque quero que meu filho participe desses momentos iniciais que acho que são importantes para ele e para o desenvolvimento dele."

Além de desembolsar dinheiro para o presente e para o modelito do filho, Souza tem de ajudar a criança a ensaiar a música que será cantada na escola comemoração da data.

"É tudo terceirizado para a mãe. É como se dissessem: ‘Quer sua homenagem? Ensaie com seu filho, traga a sua camisa e compre a roupa dele'."

Com o filho de oito anos, a advogada Anne Ribeiro, 33, comenta que este é o primeiro Dia das Mães com as comemorações presenciais da escola após dois anos de pandemia de Covid-19.

"Eu terei que pagar o presente da escola, R$ 50 para me darem uma colher de pau", ironizou ela em um post no Twitter.

Em conversa com a reportagem, ela diz que ainda não sabe qual será o presente. "Entretanto, os presentes de mãe são sempre algo de casa, como avental, porta-retratos, nada muito funcional", afirma Ribeiro

A advogada lembra que o pai do filho paga a pensão, e só. "Cuido, faço dever de casa, levo para o futebol, para os treinos, médico e escola."

A escola disse que também realizará uma homenagem para as mães junto com um minishopping "para a diversão de todos". Para Anne, a ideia é ok, mas ela diz que não tem dinheiro para gastar lá.

Especializada na defesa dos direitos das mães, Ana Lucia Dias afirma que a ação das escolas é mais uma opressão. "Os presentes não costumam ser para a mulher, são sempre para a função cuidadora."

Para ela, situações como essa mostram como a sociedade considera que, ao virar mãe, a pessoa deixa de existir como indivíduo. "É como se ser mãe fosse só o cuidado e não é. A gente vê nessa relação da maternidade o apagamento total da mulher."

Designer de políticas públicas e ilustradora, Thaiz Leão concorda com Dias. Mãe de um filho de nove anos, ela e autora da página no Instagram Mãe Solo. "O problema é a escola não ter consciência de que as famílias são diversas, e a família que todo mundo espera que seja o modelo, na verdade, é a minoria."

Hoje, seu filho está matriculado em uma escola que não tem a cultura de Dia das Mães e tenta entender qual a rede de apoio que cada criança tem. "Eu pago caro para o meu filho não ser violentado e não aprender a violentar", diz.

Dia da Família

Com as aulas presenciais a todo vapor, colégios particulares de São Paulo também têm ensaiado o retorno as festividades. A reportagem entrou em contato com oito escolas paulistas e apenas uma relatou que terá alguma celebração apenas para mães.

É o caso do colégio Mary Ward, na zona leste da capital, que divide as celebrações em duas turmas. Para uma parte dos pequenos, organiza-se uma celebração no teatro. E, para os do segundo ao quinto ano do ensino fundamental, é realizada uma missa.

O restante disse que fará homenagens nas redes sociais ou o chamado Dia da Família.

O Santa Cruz, no Alto de Pinheiros, na zona oeste, realiza neste sábado (7) uma missa para a família no pátio do colégio —o evento substitui desde 2017 o Dia das Mães.

Alguns já tiveram as festividades familiares, caso do Maple Bear, que celebrou a família com atividades e brincadeiras no último fim de semana de abril.

O colégio Humboldt postará nas redes sociais um vídeo em que as crianças que cursam até o quinto ano cantam a música "Quem Cuida de Mim."

O colégio Pio XII, no Morumbi, e a Luminova, rede de cinco escolas no estado de São Paulo, realizam o Dia da Família em agosto.

O Porto Seguro, no Morumbi, também organiza um dia para as famílias, porém em diferentes datas conforme as séries dos alunos. Parte delas ocorre em maio.

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