Minha prima morreu abraçada com os três filhos, diz sobrevivente das chuvas no Recife

Mais de 20 pessoas morreram no Jardim Monte Verde, bairro na divisa do Recife com Jaboatão dos Guararapes

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Recife e Jaboatão dos Guararapes

Desolador. Triste. Chocante. Palavras que definem o cenário no Jardim Monte Verde, bairro no limite do Recife com Jaboatão dos Guararapes, onde mais de 20 pessoas morreram em deslizamentos de barreira após as fortes chuvas que atingiram Pernambuco.

O local foi o mais afetado pelas chuvas em toda a região metropolitana da capital.

Até a tarde desta segunda, eram 91 mortos, 26 desaparecidos e mais de 5.000 desabrigados em Pernambuco. Além disso, há relatos de mais dois corpos que foram achados na tarde desta segunda, um em Monte Verde e outro em Camaragibe (no Grande Recife), mas ainda não há confirmação oficial desses óbitos.

O desastre em Jardim Monte Verde começou por volta das 6h30 do sábado (28), quando aconteceram os primeiros deslizamentos.

Bombeiros retiram o corpo da vítima de deslizamento de terra Tais Ramos  Ferreira, de 31 anos, no Jardim Monteverde
Bombeiros retiram o corpo da vítima de deslizamento de terra Tais Ramos Ferreira, de 31 anos, no Jardim Monteverde - Leo Caldas/Folhapress

Adriana Lyra de Souza, 44, perdeu 11 familiares na tragédia. Os corpos de alguns deles já foram liberados, mas ela não pode ir aos sepultamentos porque tem que cuidar do filho com necessidades especiais.

"Um desespero grande. Onze pessoas da minha família! Até hoje não consegui dormir, sem ventilador, sem energia. Comer é assim, de doação", disse.

"Só minha prima abraçou os três filhos e morreu abraçada com eles. Minhas tias e minha cunhada morreram e ainda tem uma prima embaixo da terra."

Além da dor da perda dos parentes, Adriana terá que deixar sua casa de aluguel na rua Monte Sião porque há risco de novos desabamentos. "Minha ficha ainda não caiu. Não posso deixar meu filho sozinho e não pude ir. E também para não ficar com aquela lembrança.

Adriana Lyra de Souza, 44, perdeu 11 familiares na tragédia - Leo Caldas/Folhapress

Desde os desabamentos, as buscas seguem sem parar na região, mesmo durante a noite. Forças do Exército e do Corpo de Bombeiros participam do resgate.

Depois de perder a casa e seus documentos na tragédia, agora Lucineide Cavalcante de Almeida, 54, busca alimento nas calçadas da comunidade. "Só não perdi a vida. E minhas crianças não morreram porque não tinha ninguém dentro de casa no momento. Perdi celular, álbum de família, documentos...".

Ela morava com o marido, filhos e neta, além de uma sobrinha recém-nascida. O restante da família dela mora em Brasília. "Morreu muita gente conhecida minha, é de doer o coração. Para dormir, estou tomando remédio controlado, tenho problemas mentais e não tenho conseguido dormir".

Maria Lúcia, 60, mora há quarenta anos em Jardim Monte Verde. Nesse período, ela jamais viu algo igual. "Antes chegou a ter, mas não desse jeito. Todo ano cai barreira, mas desse jeito, não."

Ela diz que quando chegou na comunidade, na década de 1980, ela não era tão ocupada como agora. O avanço do número de casas nas barreiras começou nos últimos vinte anos. "A prefeitura só coloca lona e plástico preto. Fora isso, nunca fizeram nada".

Há dúvidas sobre a qual município cada casa pertence, inclusive. Em alguns locais, o endereço nas contas de energia é Recife, mas em contas de água, Jaboatão dos Guararapes.

Morador do local, Alex Santos, 45, descreve a situação como um cenário de destruição. "Cenário terrível, de guerra. Muitas pessoas perdendo a vida. E no começo a comunidade buscando os corpos. Chegamos a resgatar alguns sobreviventes, mas que depois não resistiram."

Alex Santos, 45, deixou a casa onde morava por risco de desabamento - Leo Caldas/Folhapress

Ele também teve que deixar a casa onde morava devido ao risco de novos desabamentos. Junto com mais quatro familiares, foi para a casa da vizinha.

"Em 25 anos que moro aqui, nada efetivo de prefeitura. Só dizem que está em projeto, em análise e nada feito. Se tivessem feito, não teria tido isso".

Ele é ajudante de pedreiro e está sem trabalhar diante das lembranças do desastre no bairro onde reside há mais de duas décadas. "Esquecer isso não dá. É trágico."

​Mulheres entrevistadas pela reportagem contaram que passaram as últimas noites chorando porque não tinham onde dormir com seus filhos após a tragédia.

Na tarde desta segunda, muitas pessoas retiravam móveis das casas interditadas para levar para outros locais.

Agora, a comunidade está tentando se organizar para ajudar quem perdeu tudo. A capela Santa Luzia é um dos principais pontos de coleta de donativos na rua Pico da Apeu. O feijão lidera a lista das necessidades, mas também há coleta de roupas, outros alimentos e itens de higiene pessoal. Fraldas para crianças também estão em falta.

Diversas entidades e organizações iniciaram campanhas de doação para ajudar as famílias atingidas pelas chuvas. Além do Recife, outras oito cidades decretaram situação de emergência.

Israel Coutinho, 30, é biscate e atua como ajudante de pedreiro quando convocado. A casa dele também está em risco.

"Eu, minha esposa e cinco filhos [deixamos a casa]. Conheço várias pessoas que faleceram. Meus filhos estão precisando principalmente de fralda", afirmou enquanto procurava roupas para os familiares entre os donativos na igreja.

Israel Coutinho, 30, procura roupas entre doações recebidas por igreja - Leo Caldas/Folhapress

As filas se movimentam a todo o tempo com pessoas pegando donativos ou clocando seus nomes na lista de espera.

Na tarde desta segunda, o corpo da engenheira civil Thais Regina Ramos Feitosa, 31, foi encontrado em Jardim Monte Verde por volta das 16h. Um casal segue desaparecido sob a terra na localidade.

O corpo de Thais foi encontrado em área de difícil acesso e com a ajuda de um cão.

Na manhã desta segunda, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e uma comitiva de ministros esteve em Pernambuco para realizar sobrevoo nas áreas afetadas e anunciar liberação de verbas para municípios. Ele fez críticas ao governador Paulo Câmara (PSB) por não ter sido procurado para discutir medidas.

O prefeito do Recife, João Campos (PSB), suspendeu a realização das festas públicas de São João, tradicionais no mês de junho.

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