Descrição de chapéu cracolândia drogas

Prefeitura de SP internou só 2 pessoas em 5 meses de programa para dependentes

Convênio com o estado prevê 59 vagas em comunidades terapêuticas, foco da política antidrogas em São Paulo

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São Paulo

A Prefeitura de São Paulo encaminhou nos últimos cinco meses apenas duas pessoas para as vagas de internação para dependentes químicos disponíveis por meio de convênio com o governo estadual.

Um acordo que teve início neste ano prevê para a gestão municipal 59 vagas em comunidades terapêuticas localizadas nas cidades de Santo André e Arujá, na região metropolitana. As unidades fazem parte do programa Recomeço, do governo paulista, que antes do convênio era responsável por todos os encaminhamentos.

Segundo a Secretaria Municipal da Saúde, até o momento, seis pessoas foram indicadas para as vagas, mas apenas duas aceitaram a internação. As demais desistiram da vaga por questões pessoais, segundo a secretaria. Todas estavam na cracolândia antes de terem sido encaminhadas para o serviço de atendimento a usuários na Armênia, região central.

Morador de rua na alameda Barão de Piracicaba, em Campos Elísios
Morador de rua na alameda Barão de Piracicaba, em Campos Elísios, após operação policial que dispersou a cracolândia - Danilo Verpa - 12.mai.22/Folhapress

As novas vagas fazem parte da estratégia de tratamento dos usuários recebidos pelos Siats (Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica), centros de acolhimento específicos para os usuários de drogas da capital. Após o atendimento temporário nesses locais, parte dos dependentes pode ser direcionada para internação.

Além das vagas conveniadas com o estado, o município possui 149 leitos psiquiátricos destinados "não apenas para crise e dependência química extrema", segundo a secretaria. "A pasta ressalta que os casos de internação hospitalar são indicados apenas quando todos os tratamentos terapêuticos disponíveis nos Caps [Centros de Atenção Psicossocial] são esgotados", informou a Secretaria da Saúde, citando as unidades ambulatoriais de tratamento psiquiátrico do município.

A pasta afirma ainda não ter estimativa da demanda de internação para dependência química no município porque os leitos disponíveis são destinados a pacientes psiquiátricos em geral.

Desde a última quarta-feira (11), quando uma operação policial esvaziou a praça Princesa Isabel, onde estava concentrada a cracolândia, grupos de usuários de drogas circulam pelas ruas da região central em busca de um novo ponto.

Em um desses deslocamentos, na noite de quinta-feira (12), um usuário morreu baleado durante tumulto. Raimundo Nonato Rodrigues Fonseca Júnior, 32, vivia nas ruas de São Paulo por causa do vício em crack ao menos desde 2019, quando foi internado na unidade do Caps em Santana, na zona norte.

O perfil de vagas para dependentes químicos oferecido atualmente pelos governos municipal e estadual evidencia a prioridade às comunidades terapêuticas na política de tratamento antidrogas.

Na cidade de São Paulo, nos últimos 18 meses, 7 em cada 10 internações feitas por meio do Recomeço são em comunidades terapêuticas —esse número inclui os atendimentos do projeto que não fazem parte do recente convênio com a prefeitura. Do total de 594 pessoas internadas, 168 foram para casas de passagem, um tipo de acolhimento transitório de até 30 dias. O restante foi para comunidades terapêuticas, segundo os dados oficiais.

Diferentemente das clínicas de reabilitação, onde há médicos e prescrição de medicamentos, as comunidades terapêuticas baseiam o tratamento em religião e terapia ocupacional. A maioria é administrada por igrejas cristãs ou católicas. "No Brasil, isso é feito há mais de 20 anos, mas não tem a eficácia alegada. Menos de 1% de fato larga as drogas", diz o psiquiatra Dartiu Xavier, coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Em nota, a Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado negou a baixa procura pelas vagas de internação e afirmou que "o encaminhamento do cidadão ao Programa Recomeço é minucioso e passa por etapas de triagem de dados sociais e exames médicos, com análise de caso a caso".

A secretaria também ressaltou que o método de tratamento é eficaz porque as pessoas "são amparadas sob o olhar técnico dos assistentes sociais, psicólogos e pedagogos acerca do convívio com amizades que podem levar a recaídas no uso de substâncias alucinógenas e no comportamento, postura e hábitos após visita à família e retorno à casa".

A tendência do governo estadual é oferecer mais vagas em comunidades terapêuticas. Está em negociação a assinatura de um Acordo de Cooperação Técnica entre a Secretaria de Governo de São Paulo e a Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas do Ministério da Cidadania, que tem como pilar de tratamento os estabelecimentos religiosos. O governo estadual foi questionado sobre o plano, mas não comentou o acordo.

Internações na prática

Dependente química desde os 15 anos, Elvira Junqueira de Azevedo, 44, conta já ter passado por cerca de 60 internações na tentativa de se livrar do vício em crack. Algumas delas foram em comunidades terapêuticas. "Nesses lugares, os pacientes viram funcionários sem remuneração além da comida, que é precária. Não me ajudou nem um pouco, só me deixou mais revoltada", conta.

Elvira em sala da clínica onde está internada em Araçoiaba da Serra
Elvira Junqueira de Azevedo, 44, que passou por cerca de 60 internações por causa do vício em crack - Bruno Santos/Folhapress

Ela conta que em um desses estabelecimentos, em Jundiaí (SP), era obrigada usar a enxada para cavar buracos na terra e tapá-los em seguida. "Se recusasse, ficava sem comida", diz.

Elvira diz que pediu para ir embora, mas foi avisada de sua mãe havia assinado um termo que a impedia de deixar a comunidade terapêutica. "Uma noite eu fugi. Corri pelo mato até chegar na rodovia e pedir carona a um caminhoneiro evangélico, disse para ele que estava sendo torturada", lembra.

Ao chegar a São Paulo, ela passou uns dias na casa de uma amiga em negociação com a mãe para poder voltar para casa sem ser internada à força novamente.

Há cerca de um mês internada em uma clínica particular em Araçoiaba da Serra, no interior de São Paulo, Elvira conta que o desejo pela internação, dessa vez, veio depois de sofrer agressões durante uma ação policial na cracolândia da avenida Paulista, onde estava havia 20 dias devido ao vício em crack.

"Nessa hora, pensei que tinha chegado ao fundo do poço", lembra. "Liguei para a minha mãe e pedi para ela me buscar. Só mães são autorizadas a entrar na cracolândia da Paulista", diz ela, sobre a aglomeração de usuários de drogas estabelecida próximo à praça do Ciclista.

O empresário e ex-vereador de Suzano Felix Romanos, 46, também tem críticas ao método de internação, apesar de, no geral, defendê-lo. Das 12 internações pelas quais passou para tratar do vício em crack, 10 foram em comunidades terapêuticas. "É uma ambiguidade. As comunidades terapêuticas acolhem as pessoas e as tiram das ruas, mas não veem o vício como uma doença a ser tratada. Atribuem a Deus uma cura que não existe", diz.

Felix Romanos passou por uma série de internações em comunidades terapêuticas
Felix Romanos, 46, passou por dez internações em comunidades terapêuticas - Reprodução/Facebook

Durante os seis anos que passou em comunidades terapêuticas, o empresário lembra que a quantidade de pacientes que viu largarem o vício não enche a palma da mão. "O grande problema é não poderem administrar remédios. Mas o que mais você recebe é amor. O usuário, na rua, se torna invisível, e lá você se sente amado", diz ele, que viveu um período na cracolândia.

Ana Trigo, doutora em ciência da religião que estuda esse método de tratamento, explica o trabalho diário busca fazer com que os dependentes químicos desenvolvam disciplina e autocontrole. "A espiritualidade é trabalhada com a leitura de textos bíblicos", diz.

As comunidades terapêuticas foram reconhecidas legalmente como centros de tratamento em junho de 2011, quando foi promulgada a lei federal que regulamentou o setor. Na época, o tema era defendido pela então ministra-chefe da Casa Civil do governo Dilma Rousseff (PT), Gleisi Hoffmann.

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