Projeto de mineração na Serra do Curral (MG) não teve estudo atual de risco hídrico

Teor de ferro, estrutura das rochas e facilidade de transporte atraem interesse da mineração na área

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Belo Horizonte

O projeto de mineração na Serra do Curral, em Minas Gerais, licenciado recentemente pelo governo do estado, utilizou parecer de análise de risco hídrico desatualizado, segundo a Prefeitura de Belo Horizonte.

Os estudos apresentados foram realizados pela Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) em 2018, para um pedido anterior de licenciamento do empreendimento da Taquaril Mineração S.A. (Tamisa) e teria sido reutilizado na nova requisição de licença.

A Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Procuradoria-Geral do Município entrou com o acréscimo de fatos novos sobre a falta de parecer atualizado da Copasa na ação que foi protocolada na Justiça. A administração municipal busca a revogação da licença ambiental concedida à Tamisa pelo governo do estado.

Vista aérea da Serra do Curral, onde poderá ser instalado empreendimento de mineração
Área da Serra do Curral, onde poderá ter início um empreendimento de mineração; a licença para o empreendimento foi concedida pelo Governo de Minas à mineradora Tamisa no dia 30 de abril - Douglas Magno/Folhapress

Entre os envolvidos na mineração na Serra do Curral está o grupo Cowan, que responde por 83% da Tamisa. O grupo também comanda a Construtora Cowan, que executou a obra do viaduto Batalha dos Guararapes, que desabou em Belo Horizonte, durante a Copa do Mundo de 2014, deixando duas pessoas mortas.

Procuradas, Tamisa e Cowan não responderam aos questionamentos da reportagem sobre o assunto até a publicação deste texto.

A Tamisa possui os direitos minerários da área do projeto. De acordo com o Estudo de Impacto Ambiental apresentado pela mineradora, um dos acionistas da empresa é proprietário da Fazenda Ana da Cruz, onde será instalada a maior parte do empreendimento.

A Serra do Curral faz parte do chamado quadrilátero ferrífero, uma área de cerca de 7.000 km² na região central de Minas Gerais, demarcada por um conjunto de serras que, vistas do alto, formariam uma espécie de figura retangular.

Entre esse conjunto de serras estão a Serra do Curral, a Serra da Piedade, a Serra da Moeda, a Serra de Ouro Branco, a Serra do Caraça e o início da Serra do Espinhaço. A região faz fronteira com Belo Horizonte e engloba cidades mineiras como Nova Lima, Raposos, Brumadinho, Itabirito, Congonhas e Ouro Preto.

"É chamado de quadrilátero ferrífero porque essas serras são formadas exatamente por um conjunto litológico que é rico em ferro", explica o geólogo Eclison Tolentino.

De acordo com Tolentino, o interesse minerário na região se deve a um conjunto de fatores. "Uma das particularidades que existe na Serra do Curral é o teor do minério de ferro, o minério de lá tem um teor de bom para ótimo", diz ele.

Segundo o geólogo, o minério extraído na serra tem um teor de ferro próximo do ideal para a venda, reduzindo a necessidade de eliminação de impurezas durante o processamento.

Outro ponto apontado por ele é a fragilidade e porosidade da rocha proporcionada por processos geológicos ao longo do tempo. Isso facilita a extração e os processos de beneficiamento do minério, reduzindo os custos de produção.

Tolentino menciona ainda outros elementos que aumentam o interesse pela mineração na serra. Um deles é a estrutura para transporte do minério na região. Outro fator relevante é a facilidade de contato com especialistas devido à quantidade de universidades e escolas técnicas existentes por perto.

De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte, as análises de risco hídrico da mineração na Serra do Curral foram realizadas antes do rompimento da barragem Córrego do Feijão, em Brumadinho. Por isso, elas desconsideram os impactos da tragédia. De acordo com a Copasa, a companhia não voltou a ser acionada após assinatura do termo de compromisso com a Tamisa, em novembro de 2018.

"Agora se tem a confirmação que o projeto de mineração da Serra do Curral pela TAMISA foi licenciado pelo Estado de Minas Gerais sem análise prévia e anuência da COPASA sob o aspecto da segurança hídrica de Belo Horizonte, mesmo com os conhecidos riscos à integridade da Adutora do Taquaril, responsável pelo transporte de 70% da água tratada consumida pela população da capital", diz o documento apresentado pela administração de Belo Horizonte à Justiça.

De acordo com a Tamisa, não existe exigência legal da anuência da Copasa para o licenciamento ambiental do projeto. Segundo a empresa, mesmo sem a obrigação, a Copasa foi procurada para apresentação do empreendimento e criação de um termo de compromisso com obrigações a serem cumpridas para garantir a segurança da adutora da companhia na região.

"O referido Termo está em vigor, tendo em vista que não houve indeferimento do licenciamento da TAMISA. Desta forma, todas as diretrizes e salvaguardas definidas no termo permanecem válidas e são suficientes para garantir a integridade da adutora do Rio das Velhas e estruturas acessórias", diz a nota da empresa.

Segundo a Copasa, quando o termo foi firmado, em 2018, a companhia estabeleceu orientações técnicas que foram acatadas pela Tamisa. Após o acordo, a Copasa não foi procurada novamente.

"A Copasa reitera que toda a documentação submetida foi detalhadamente analisada pela área técnica da companhia e que, depois da assinatura do termo em 2018, não foi mais acionada, portanto a companhia entende que segue válido", afirmou a Copasa em nota.

Segundo a Prefeitura de Belo Horizonte, o processo de licenciamento deixou de ouvir entidades importantes, que também serão impactadas com a instalação do empreendimento minerário na Serra.

"Minas Gerais tem eventos suficientes em sua história recente para exigir seriedade e cautela nos processos de licenciamento de atividades minerárias em regiões próximas às áreas urbanas, o que só se faz possível se todos os envolvidos participarem da discussão", diz o documento da prefeitura.​

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