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Renato Sérgio de Lima

A força das polícias militares no Brasil

Na prática, as PMs são hoje as grandes fiadoras da ordem no país

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Renato Sérgio de Lima

Diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Desde 2014, quando o general Hamilton Mourão tecia críticas públicas à presidente Dilma Rousseff e se projetava para a política, muito se tem dito sobre o papel do Exército na cena política brasileira e dos riscos à democracia dele derivados.

O ápice desse movimento foi o famoso tuíte do então comandante do Exército, general Villas Bôas, com ameaças ao STF caso ele soltasse o ex-presidente Lula, em 2018. De lá para cá, numa simbiose ideológica, o "projeto de nação" idealizado por eles tem sido posto em prática pelo governo de Jair Bolsonaro.

Porém, se a hegemonia da força terrestre na política é incontestável, a força dos militares como um todo tem sido negligenciada, sobretudo a das polícias militares, a começar pela relação entre militares na ativa e aposentados.

O Brasil tinha em 2019, segundo dados da Receita Federal, 5.840.722 militares federais (Marinha, Exército e Aeronáutica) e estaduais (PM e Bombeiros), mas apenas 13,8% da ativa. Dito de outra forma, 86,2% dos militares brasileiros estão na reserva ou reformados e, portanto, afastados da gestão operacional das forças militares e não detêm o poder imediato de mobilização de tropas, mesmo que em cargos públicos.

Mas o impacto é ainda maior: esse contingente total, considerando o número médio de 3,7 pessoas nas famílias brasileiras, segundo o IBGE, nos remete ao fato de que estamos falando de cerca de 18,34 milhões de pessoas diretamente ligadas ao mundo militar (policiais, cônjuges, filhos). E, pelos dados da Receita Federal, as PMs, sozinhas, respondem por 57,8% de todo o efetivo de militares da ativa do país.

E, se detalharmos o perfil das PMs, veremos que, segundo informações do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil contava, em 2021, com 406.426 PMs na ativa. Desses, cinco estados têm PM com mais de 20 mil integrantes. Juntos, eles concentram 53,1% do efetivo total de policiais militares do país (SP, RJ, MG, BA e CE).

Além disso, a PM do Distrito Federal, responsável pela segurança da capital do país, se destaca por ter um efetivo de mais de 10 mil integrantes. No caso, a PMDF é a única que tem quase todos os seus gastos reembolsados pela União.

Mas é na região Norte do país, que convive com um movimento de sobreposição de crimes ambientais com a expansão do crime organizado na floresta Amazônica e a atuação de mais de 20 facções criminosas, que um dado chama atenção: enquanto as Forças Armadas federais têm cerca de 18 mil soldados na região, as PMs de Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima somam o dobro disso, com cerca de 36 mil policiais.

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Jair Bolsonaro em cavalo da PM durante ato de apoio ao seu governo, em Brasília - Pedro Ladeira - 31.mai.2020/Folhapress

Isto posto, na prática, as PMs são hoje as grandes fiadoras da ordem no Brasil. E, no atual quadro político, se o Exército sinalizar que não interferirá, elas poderão servir como fator de desestabilização institucional caso atuem de forma leniente diante de manifestações violentas que questionem a legitimidade das próximas eleições.

O problema é que, como instituições, as PMs são pouco controladas em seus protocolos operacionais. Elas estão acostumadas com uma excessiva autonomia para decidir sobre o que significa ordem pública e se sentem confortáveis, por exemplo, para fazer como a PMRJ, que acusou o STF como responsável último pela operação que resultou em 23 mortes na Vila Cruzeiro no último dia 24.

Essa excessiva autonomia, aliada a péssimas condições de vida e trabalho, bem como ao fato de que, em uma estimativa por baixo, a família militar e policial equivale ao menos a 8,2% do eleitorado brasileiro, coloca os policiais militares e seus familiares em posição estratégica na cena política e eleitoral do país.

São essas as razões que motivam o interesse de Jair Bolsonaro pela categoria, que tenta fidelizar o grupo como uma de suas principais bases eleitorais. E, para tanto, Bolsonaro passou a congregar simpatias e apoios se colocando como o único que efetivamente se importa com os policiais, ao elogiar operações, ir a formaturas ou velórios. Porém, ele sabe que não conta com todos os votos do grupo e precisa reforçar seu discurso na crítica frequente a governadores e/ou sociedade civil.

Ao contrário do que a mídia e alguns analistas acreditam, os dados sobre o tamanho das polícias militares trazidos na arte acima e o fato de elas gozarem de grande autonomia operacional revelam que o debate sobre o papel e os riscos de radicalização das polícias militares e de rupturas antidemocráticas está desfocado e muito centrado na ação partidária de Bolsonaro.

Isso está posto, mas a questão não é condenar a politização de policiais, já que uma das acepções desse conceito está em linha com o previsto em nossa Constituição e diz respeito ao processo de conscientização de direitos que formam a cidadania no país. O problema é quando a política invade as instituições e faz com que elas desconsiderem o ordenamento constitucional e se radicalizem ao confundir projetos político-ideológicos com a forma de ser e fazer polícia no Brasil.

Não cabe às instituições militares desenharem ou adotarem "projetos de nação" ou criticarem decisões judiciais —policiais individualmente e sem farda podem, como cidadãos, fazer isso, mas nunca como porta-vozes das instituições. Por tudo isso, sem uma forte política de controle e supervisão da atividade policial, estaremos eternamente suscetíveis aos usos partidários de tais forças e reféns da ideia de que elas é que decidem nosso futuro e o significado de ordem e liberdade.

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