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Desigualdade no acesso a transporte público emperra mobilidade em São Paulo

Prefeito promete 40 km de corredores e transporte pela Billings; governo estadual diz que obras de metrô e monotrilho estão em andamento

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Obra da linha 15-prata, do monotrilho, na avenida Ragueb Chohfi, na região de São Mateus, na zona leste de São Paulo Rubens Cavallari/Folhapress

São Paulo

A cidade mais populosa do Brasil apresenta contrastes que vão muito além do seu centro expandido. Em São Paulo, tanta riqueza concentrada entre as grandes marginais não chega ao extremo da periferia, onde metrô é desejo distante e quem quer andar até um ponto de ônibus não tem, muitas vezes, nem mesmo calçada para caminhar.

Entre especialistas, a desigualdade é apontada como uma grande barreira para tornar mais sustentáveis os deslocamentos na cidade. No Índice Folha de Mobilidade Urbana, com todas as limitações para obtenção de dados no país, São Paulo aparece entre as capitais brasileiras com alguma perspectiva de melhora, muito pela capacidade de investimento.

Para que o morador do centro expandido entenda as dimensões do problema, é preciso dar proporção às coisas.

Embora ambas fiquem na zona leste, a estação Corinthians-Itaquera, do metrô, e a Cidade Tiradentes, por exemplo, estão separadas por cerca de 13 km. Praticamente a distância entre o largo da Batata, em Pinheiros, na zona oeste, e o Tatuapé, na leste.

Se quiser chegar à linha 15-prata, de monotrilho, o morador da mesma Cidade Tiradentes precisaria vencer 8 km de distância, algo como da Vila Madalena, na zona oeste, à praça da Sé, no centro. Caso as promessas de conclusão tivessem sido cumpridas, o monotrilho já estaria há quase uma década mais próximo de uma parcela maior da população da zona leste.

Por essa franja da capital passa a estrada do Iguatemi. Há planos de duplicação e melhorias que remontam ao fim dos anos 1980. O último deles, anunciado pela prefeitura em 2021, prevê um corredor de ônibus na via.

Enquanto a obra não vem, a assistente administrativo Cíntia Gonçalves Menezes, 30, chega a ter dúvida durante as manhãs sobre esperar ou não o ônibus que passa pela estrada até a estação Guaianases, da CPTM, de onde segue para o trabalho em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. O congestionamento trava o transporte coletivo. "É parada. Muitas vezes, é melhor ir andando [até a estação de trem]. A pé, você acompanha o ônibus", diz, sobre um trajeto de cerca de 3 km, em alguns trechos sem calçada.

A vida de quem depende do transporte público do outro lado da capital paulista também se mostra complexa. Mesmo para se deslocar dentro de uma única região, a auxiliar de limpeza Adriana Lima Gonçalves, 41, precisa pegar três conduções. Ela sai entre 4h30 e 5h, do Jardim Ângela, para entrar no trabalho às 7h, na Vila Mariana, ambos na zona sul.

O trajeto que envolve dois ônibus e mais o embarque na linha 5-lilás do metrô é cansativo, desgastante, mas não o suficiente para fazer Adriana trocá-lo por carro ou moto. O motivo é o tráfego intenso e congestionado da estrada do M'Boi Mirim mesmo no fim da madrugada. "Já passou pela cabeça, mas parece que é até pior, porque você fica parado no trânsito."

O que poderia diminuir o tempo gasto por Adriana com a condução seria a extensão da linha 5-lilás até a avenida M'Boi Mirim. Em meados de 2021, foi prometido o prolongamento de 4 km de metrô, com a construção da estação terminal Jardim Ângela. "Seria ótimo se chegasse até lá, porque daí pegaria um ônibus só [mais o metrô]", conta.

A obra da linha 5 ainda não tem prazo para a conclusão e, como tantas outras envolvendo transporte de alta capacidade em São Paulo, está sempre sujeita a atrasos. Desde que foi lançado, o sistema metroviário da capital paulista cresce a um ritmo lento, de pouco mais de 2 km por ano. São 104 km no total, contando o monotrilho, praticamente o mesmo que Santiago, no Chile, que tem a metade da população.

Levantamento realizado pelo ITDP (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento) mostra que, em São Paulo, só 12% de quem tem renda de até meio salário mínimo vive a até 1 km de estações de média e alta capacidade (metrôs e trens, por exemplo). Entre aqueles que ganham mais de três salários mínimos, sobe para 36%, evidência de que quem tem mais dinheiro conta com melhor estrutura de transporte público.

Essas diferenças são bem conhecidas pela professora de geoprocessamento da Escola Politécnica da USP e coordenadora do CEM (Centro de Estudos da Metrópole) Mariana Giannotti. "A desigualdade, que se manifesta em várias dimensões, é o maior problema da mobilidade em São Paulo. A começar pela distribuição do espaço viário."

A professora cita estudo do aluno da Poli Marco Borges que aponta que só 10% do espaço do viário é usado pelo transporte público. "Quem pode ter carro é apenas uma parcela da população, que, aliás, geralmente mora em lugares muito bem servidos de transporte público, mas usa o carro. Enquanto isso, a população pobre da periferia, que depende do transporte público para trabalhar, enfrenta ônibus lotado."

Outra questão levantada por ela diz respeito ao custo do transporte público para se acessar o emprego, que em São Paulo chega a até 40% da renda, segundo trabalho de doutorado publicado por Tainá Bittencourt na revista Cities. "É um absurdo quando comparamos com Nova York, por exemplo, em que esse custo fica em torno de 5 a 10% da renda."

A professora da Poli também afirma que onde a grande maioria dos deslocamentos é feita a (60% a 70%), as calçadas têm largura mediana inferior a dois metros.

Moradora da Brasilândia, na zona norte, Rosangela Aparecida dos Santos Oliveira, 54, vive essa realidade. A casa dela fica na avenida Deputado Cantídio Sampaio, exemplo de como as calçadas podem ser inseguras. "Quando a gente vai ao mercado, tem que mudar de lado, porque passa ônibus, moto", diz.

A necessidade fez Rosangela, que também é representante de produtos de beleza, montar uma banquinha de roupas usadas no fiapo de calçada na frente de casa. "Coloco ainda dois cones para as pessoas poderem passar."

Rosângela Oliveira, 54, com banquinha montada em calçada na frente de sua casa, na avenida Deputado Cantídio Sampaio, na Brasilândia, zona norte de São Paulo - Rubens Cavallari/Folhapress

O professor Antônio Nélson Rodrigues da Silva, da USP de São Carlos, diz que grande parte dos problemas é decorrente de desequilíbrios, como aqueles envolvendo os interesses público e privado.

"À medida que as cidades crescem, estes desequilíbrios se tornam mais frequentes e mais visíveis, a ponto de comprometerem o funcionamento como um todo e de várias de suas funções", diz ele, que participou das discussões que resultaram no Índice Folha de Mobilidade Urbana.

Segundo Silva, os problemas se multiplicam em áreas metropolitanas, porque as questões relativas a uma cidade interferem nas outras. "É em um cenário como esse, agravado por seu tamanho ímpar, que se encontra a cidade de São Paulo. Neste sentido, os desafios para atingir a mobilidade urbana, que são inúmeros, devem envolver um esforço no sentido de reduzir os desequilíbrios, em busca de equidade. Ou seja, melhorar as condições de mobilidade sobretudo para quem mais precisa."

Recursos

O prefeito Ricardo Nunes (MDB) afirmou que a prefeitura conta hoje com dinheiro em caixa e projetos para melhorar a mobilidade urbana, diferentemente do que ocorria no passado. "A previsão pode ser um pouco mais realista", explicou. "Tem um plano de mobilidade bastante solidificado, com investimento de R$ 5 bilhões com relação a vários corredores, inclusive na região da zona leste, na estrada do Iguatemi."

Segundo ele, até o fim da atual gestão, a previsão é que sejam entregues 40 km de corredores de ônibus. "Não tenho dúvida de que a gente já tem todo o desenho logístico, de engenharia, prontos, recursos para poder fazer. Se não for a burocracia, entrego os 40 km até o fim de 2024."

O prefeito diz que 40 km de corredores é uma "meta ousada". Questionado pela reportagem se não seria algo tímido, diante da necessidade da população, afirmou que é mais do que foi feito nos últimos anos. Entre os novos corredores, cita os BRT das avenidas Aricanduva e Radial Leste.

Nunes disse que a paralisação de obras decorrente de medidas dos órgãos de controle é um problema grave no município. "Tenho falado bastante que é necessário que haja fiscalizações, indiscutivelmente, mas os órgãos de controle precisam ter uma ação que vá ao encontro da velocidade necessária para a nossa cidade."

Segundo o prefeito, foi lançada, por exemplo, licitação para fazer calçadas no valor de R$ 350 milhões, porém acabou paralisada pelo Tribunal de Contas do Município.

Com relação à tarifa de transporte e ao valor repassado pela prefeitura ao sistema, Nunes afirmou que o subsídio de R$ 3,3 bilhões concedido no ano passado deverá aumentar em 2022, diante do reajuste no preço do diesel, que tem um impacto de 20% no total da tarifa. "De junho de 2021 a junho de 2022, o diesel aumentou 107%", disse.

Ônibus na estrada do M'Boi Mirim, na região do Parque do Lago, na zona sul de São Paulo - Rubens Cavallari/Folhapress

Segundo o prefeito, pagar subsídio é uma forma de cumprir contrato e desincentivar o uso de transporte individual. "Sem o subsídio, a tarifa seria de R$ 7,40", afirmou. "Não tem como olhar o sistema de transporte sem ter o poder público atuando fortemente."

Com relação ao futuro, Nunes disse que, no próximo ano, deverá entrar em operação o transporte hidroviário, pela represa Billings, além da introdução de mais de 2.000 ônibus elétricos no sistema.

Já o governo estadual disse que atual gestão assumiu o compromisso de retomar obras paradas. "Foram realizadas novas licitações e hoje todas as obras de construção e expansão das linhas do Metrô, da CPTM e da EMTU estão em andamento", disse, em nota.

Entre as obras, citou a retomada das linhas 15-prata (o monotrilho da zona leste), com a futura integração à CPTM, além de mais duas estações e um pátio na região da avenida Jacu-Pêssego. Sobre a linha 17-ouro, disse que os trens estão em fabricação para que possam entrar em operação em 2023.

Com relação à linha 5-lilás, afirmou que os projetos necessários para o início das obras, que vão beneficiar 130 mil pessoas, estão em andamento. Citou ainda a construção da linha 6-laranja.

Sobre as críticas feitas por Nunes a órgãos de controle, o TCM disse que cumpre a "missão constitucional de exercer o controle externo e fiscalizar as contas públicas, zelando pelo erário, ao mesmo tempo em que atua para evitar o desperdício do dinheiro público".

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