Descrição de chapéu Folhajus

'É uma criança que deveria estar brincando de boneca', diz advogada que tenta garantir aborto

Juíza que tentou convencer menina de 11 anos, vítima de estupro, a manter gravidez foi promovida em maio e não atua mais no caso

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rio de Janeiro

Advogada da família da menina de 11 anos que busca na Justiça catarinense o direito ao aborto legal, Daniela Felix afirma que a criança não tem discernimento completo a respeito da situação vivida por ela.

"É óbvio que isso vai gerar sequelas de natureza emocional e psicológica a curto, médio e longo prazo. É uma criança que deveria estar brincando de boneca", diz.

Vítima de um estupro, a menina foi encaminhada ao Hospital Universitário de Florianópolis para realizar um aborto. A equipe médica, porém, se recusou a realizar o procedimento porque a gestação já passava de 22 semanas —norma do Ministério da Saúde recomenda limitar o ingresso para atendimento ao aborto previsto após esse período, mas a orientação não tem força de lei.

Juíza Joana Ribeiro Zimmer, de Santa Catarina.
A juíza Joana Ribeiro Zimmer, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que tentou induzir criança a desistir do aborto legal - Solon Soares/Agência ALESC


O caso foi judicializado e a magistrada Joana Ribeiro Zimmer, do TJ-SC Tribunal de Justiça de Santa Catarina), e a promotora Mirela Dutra Alberton, do MP-SC (Ministério Público de Santa Catarina, tentaram induzir a menina a desistir do aborto legal, conforme revelou o site The Intercept.

Em audiência no dia 9 de maio, a juíza e a promotora propuseram que a menina mantivesse a gravidez por mais "uma ou duas semanas", para aumentar a chance de sobrevida do feto.

"Você suportaria ficar mais um pouquinho?", questiona a juíza, em vídeo publicado pelo site. A promotora Alberton diz: "A gente mantinha mais uma ou duas semanas apenas a tua barriga, porque, para ele ter a chance de sobreviver mais, ele precisa tomar os medicamentos para o pulmão se formar completamente".

O Ministério Público entrou com uma ação pedindo autorização judicial para a interrupção da gravidez e com uma medida protetiva de acolhimento provisório —segundo o órgão, para proteger a criança e evitar possíveis novos abusos.

Há mais de um mês, a menina foi encaminhada para um abrigo. Apenas na tarde desta terça-feira (21), a Justiça autorizou que ela deixe o local e volte a viver com a mãe, segundo informou a advogada da família à Folha.

Felix ingressou com um habeas corpus no TJ nesta tarde para garantir que a menina tenha direito ao aborto legal, sem qualquer óbice devido ao tempo de gestação (ela está para entrar na 29ª semana).

O Código Penal prevê que não pode ser punido o aborto realizado no caso de gravidez resultante de estupro ou quando a vida da gestante está em risco. Ambos os casos se aplicam à criança, afirma a advogada.

A lei não estipula um limite de semanas para que o procedimento seja realizado nessas situações.

A advogada diz que já há uma decisão judicial autorizando a interrupção da gravidez, mas que ela é precária porque tem como intenção explícita salvaguardar a vida não só da menina, mas também do feto —portanto, impede que a gestação seja terminada muito prematuramente.

A reportagem do Intercept, feita em colaboração com o portal Catarinas, diz que ainda que embora o primeiro laudo médico tenha apontado que não havia risco de morte para a menina, outros médicos do mesmo hospital avaliaram o contrário em depoimentos na audiência e em outros laudos anexados ao processo.

Entre os riscos, estariam anemia grave, pré-eclâmpsia, maior chance de hemorragias e histerectomia (retirada do útero).

A juíza Joana Zimmer foi promovida no dia 15 de maio e transferida da Comarca de Tijucas para a de Brusque. Portanto, não atua mais no caso da menina.

No Brasil, o aborto é permitido em casos de estupro, risco para a mãe e anencefalia do feto —este último caso foi garantido por uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) em 2012.

Norma técnica do Ministério da Saúde diz que não há indicação para interrupção da gravidez após 22 semanas de idade gestacional. "A mulher deve ser informada da impossibilidade de atender a solicitação do abortamento e aconselhada ao acompanhamento pré-natal especializado, facilitando-se o acesso aos procedimentos de adoção, se assim o desejar."

O documento, porém, não tem força de lei.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.