Estudo mostra que 30% das armas de crimes no Espírito Santo vieram do mercado legal

Os dados fazem parte de uma das etapas de projeto-piloto que implementou um Modelo Integrado de Controle de Armas

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Brasília

Um estudo feito no Espírito Santo mostra que 30% das armas usadas em crimes que tinham número de série vieram do mercado legal. Os armamentos tinham proprietários registrados no sistema da Polícia Federal, mas de alguma forma foram parar na criminalidade.

A análise completa foi feita com 8.862 armas apreendidas no estado. Da amostra de 1.404 com número de série, cerca de 420 estavam registradas no Sinarm (Sistema Nacional de Armas) da Polícia Federal.

O sistema da PF armazena informações sobre as armas compradas no mercado legal e utilizadas para defesa pessoal e por empresas de segurança privada.

Das armas encontradas, 40% eram registradas no próprio Espírito Santo, 57% eram usadas para defesa pessoal e 39% indicavam que o status do registro era "válido", ou seja, era recente ou havia sido renovado.

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Armas são destruídas após serem apreendidas no Rio de Janeiro - Tânia Rêgo - 22.ago.18/Agência Brasil

Os dados são relativos a apreensões feitas entre os anos de 2018 e 2019 e são parte de um projeto-piloto que implementou o Modelo Integrado de Controle de Armas no estado para melhorar o combate ao tráfico de armas e munições.

Ele foi desenvolvido pelo Instituto Sou da Paz em parceria com a Sesp (Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social) do Espírito Santo.

Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, aponta para o mercado legal como fonte das armas do crime e disse que em alguns casos elas migram de forma proposital para as mãos dos criminosos.

"O mercado legal é uma das fontes significativas para o crime. Não estamos dizendo que todas as pessoas que estão comprando vão abastecer o crime, mas elas podem ser roubadas, furtadas. As armas também podem propositalmente migrar para a criminalidade", disse.

Em fevereiro deste ano, a polícia do Espírito Santo realizou uma operação de combate ao comércio ilegal de armas de fogo em Linhares, região norte do estado.

Criminosos estavam realizando a compra de armas no nome de pessoas que não tinham passagens pela polícia e, posteriormente, este armamento era repassado aos grupos criminosos.

Durante as investigações, a polícia descobriu que mais de 40 armas de fogo haviam sido adquiridas de forma legal e foram repassadas para criminosos –15 pessoas foram presas em flagrante.

O número de armas pessoais registradas no Exército e na Polícia Federal cresceu 77,5% em 2021 comparado a 2018, antes do governo Bolsonaro. Há 2,3 milhões de armas nas mãos de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores), servidores civis, pessoas comuns e no acervo particular de militares.

​Todo esse crescimento ocorre em paralelo a atos e discursos de Bolsonaro desde a campanha de 2018. O presidente, sua família e vários de seus apoiadores são ferrenhos defensores da liberação de armamento para a população.

Na sua gestão, Bolsonaro estimulou o cidadão comum a se armar e aumentou a possibilidade de acesso a armas com calibres maiores.

Em agosto do ano passado, no momento em que enfrentava uma crise institucional, Bolsonaro disse a apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada que defendia que todos pudessem ter um fuzil. "Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado."

O governo já publicou 15 decretos presidenciais, 19 portarias, dois projetos de lei e duas resoluções que flexibilizam regras.

As medidas adotadas por seu governo ampliam o acesso da população a armas e munições e, por outro lado, enfraquece os mecanismos de controle e fiscalização de artigos bélicos.

O estudo no Espírito Santos analisou marcas e tipos de armas mais frequentes por cidade, por bairro.

O estudo identificou, por exemplo, que a origem de empresas brasileiras predominou (73%) tanto entre o total de armas apreendidas quanto entre as armas mais potentes (57%), como fuzis e submetralhadoras. Chama atenção também a presença de armas artesanais, que somaram 15% do total.

O Modelo Integrado de Controle de Armas mira quatro eixos. Um deles é o trabalho integrado dos órgãos estaduais de segurança, junto com a Polícia Federal e Rodoviária Federal, o Exército Brasileiro e o Judiciário.

Para Carolina Ricardo, é possível implementar esse programa em outros estados. Ela disse que o controle do mercado legal e o combate ao mercado ilegal dependem de uma intervenção articulada entre diversos órgãos e esferas governamentais.

Em 2020 foram apreendidas 111 mil armas de fogo no Brasil, sendo 98% delas pelas secretarias estaduais de Segurança Pública. As secretarias são as maiores detentoras de informação estratégica sobre o fluxo de armas usadas em crimes, mas uma minoria delas compartilha dados de forma sistemática com a Polícia Federal.

O major Leonir Evaristo Vulpi Júnior, gerente de projetos especiais da Sesp, disse que o Espírito Santo já tinha o foco na apreensão de armas para reduzir o número de homicídios, mas houve o aperfeiçoamento.

"Estamos conseguindo juntar informações fragmentadas. Antes tinha a apreensão, o boletim de ocorrência, laudo da perícia e alguns dados nem chegavam na Desarme (delegacia especializada no tema). Já foram implementadas melhorias que ajudaram nas operações", disse.

Veja flexibilizações patrocinada pelo governo Bolsonaro

  • Publicação de 15 decretos, 19 portarias e duas resoluções

  • Revogação, pelo Exército, de três portarias que impediam o Brasil de aprimorar as regras de rastreamento e identificação de armas e munições

  • Ampliação do número de armas e munições que podem ser compradas

  • Liberação para a população de calibres antes restritos, como o 9 milímetros, 45 e o ponto 40

  • Crescimento de 77,5% do número de armas nas mãos de cidadãos, servidores civis, e no acervo particular de militares em 2021 em relação a 2018.

Projeto-piloto implantado no ES para combater o tráfico de armas

  • Produz dados estratégicos para apoiar equipes em investigações, operações e o policiamento.

  • Viabiliza investigações e apreensões que desorganizem o tráfico de armas e munições

  • Amplia redes de cooperação com outras secretarias estaduais de segurança pública, Polícia Federal e Exército, e com o Judiciário.

  • Promove uma custódia célere e segura de armas apreendidas e dos arsenais ou acervos de propriedade do estado

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