Descrição de chapéu Livros LGBTQIA+

Passado do movimento LGBT+ e seus desafios do presente são abordados em novo livro

Para autor, obra pode ser um convite à ação política em cenário que a comunidade ainda tem obstáculos

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São Paulo

A Alemanha do final do século 19, os Estados Unidos no pós-guerra e o Brasil da década de 1970 até os dias de hoje. Esses são os três cenários de que o livro "Movimento LGBTI+: Uma Breve História do Século XIX aos Nossos Dias" se vale para contar a história desta comunidade.

Lançado neste mês pela Autêntica Editora, a obra é assinada por Renan Quinalha, professor e coordenador do curso de direito da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), onde também é coordenador adjunto do Núcleo Trans.

Quinalha já é um conhecido no ativismo LGBTQIA+ e publicou outros livros que abordam o tema.

Foto em preto e branco com homem em fundo preto
Renan Quinalha, autor de 'Movimento LGBTI+: Uma Breve História do Século XIX aos Nossos Dias' - Divulgação/Autêntica Editora

Segundo ele, a ideia do novo título é suprir uma lacuna do mercado editorial, que não contava com um livro "que trouxesse uma visão panorâmica sobre a constituição do movimento LGBT+ numa linguagem que fosse acessível".

"A ideia é fazer um panorama desde o fim do século 19, pegando a Alemanha e o epicentro em Berlim, com o começo de um protoativismo. Depois passando pelos Estados Unidos, que têm uma influência enorme no debate do Brasil sobre o movimento LGBT+, mas que é pouco conhecido. Por fim, venho para o Brasil em um capítulo específico propondo uma nova leitura sobre a história do movimento", resume o professor.

Como o próprio título mostra, a proposta é trazer uma história sintética do movimento. Por isso mesmo, foi necessário fazer recortes e se concentrar nesses três momentos específicos. Além disso, o autor priorizou episódios históricos que desembocam na organização de movimentos políticos –associativismos comunitários e existências individuais de pessoas LGBT+ não são o foco da obra.

Mesmo assim, Quinalha aponta elementos da subcultura da comunidade LGBT+. "É um padrão de construção desses capítulos sobre essas narrativas históricas: entender como uma subcultura –um universo de valores, de sentidos, de partilha do mundo– se constitui sempre em um ambiente muito hostil."

É com essas exposições sobre a sociabilidade LGBT+ que o autor passa para o ativismo político da comunidade. No capítulo sobre os Estados Unidos, por exemplo, Quinalha explora o associativismo LGBT+ ao contar de bares que eram o epicentro da comunidade até ocorrer, em 1969, a revolta de Stonewall, um desses estabelecimentos.

Então, o autor parte para explicar como essa revolta, que surgiu da ebulição comunitária de pessoas LGBT+ em ambiente de diversão, colaborou com a criação de grupos politicamente organizados.

Os três períodos históricos analisados também guardam diferenças entre si. O início do movimento LGBT+ no Brasil, por exemplo, tem um forte vínculo com o período da ditadura militar.

"O caso de singularidade do Brasil é que estávamos saindo de uma ditadura quando o movimento se organiza. O autoritarismo político e o conservadorismo moral são muito marcados. Isso imprime uma característica antiautoritária importante para o movimento."

Teoria e história se encontram

Além de contar importantes episódios do movimento LGBT+, o livro tem uma parte sobre os principais conceitos teóricos dos estudos de gênero e sexualidade. Neste momento, nomes como Judith Butler e Michel Foucault pipocam em referências bibliográficas. No entanto, Quinalha não desejava separar teoria e história em blocos distintos.

"É passando [pela história] que eu apresento os debates conceituais que o movimento se apropria. Eu acho que isso ajuda a ilustrar [...] que a teoria não está desconectada da realidade. Ela é um dos fatores importantes para compreender como essa história foi construída, sendo feita da luta LGBT+ desde o século 19 até os nossos dias", diz.

Essa confluência entre teoria e história é sentida em determinadas passagens da obra. Em uma delas, por exemplo, Quinalha explica que, na Alemanha do século 19, a homossexualidade masculina era criminalizada. A feminina, no entanto, não era citada na legislação.

É a partir desse fato histórico que o autor introduz um debate sobre como a sexualidade feminina, em razão do machismo, era circunscrita ao espaço do casamento, estando a serviço do marido e da reprodução –realidade esta que se mantém.

Dilemas atuais

A última seção do livro esboça os principais obstáculos do movimento LGBT+ contemporâneo. "Faço uma análise dos desafios que estão colocados. Indico 11 deles para o movimento LGBT+ hoje no Brasil, dialogando com várias das questões da atualidade."

Um desses temas é identidade. Quinalha explora como, desde a década de 1960, este debate está posto em como conciliar as reivindicações de sujeitos marginalizados com os projetos emancipatórias próprios da classe trabalhadora e de partidos de esquerda.

"Faço uma defesa dessa política de identidades que acho ser muito atacada [...] pela esquerda política que vai dizer que as identidades diluem os conflitos principais de classe na nossa sociedade, um debate que em vários momentos do livro eu passo por ele e refuto como datado, mas que ainda aparece muito", afirma.

Capa de livro colorido
Capa do livro 'Movimento LGBTI+: Uma Breve História do Século XIX aos Nossos Dias' escrito por Renan Quinalha e lançado pela Autêntica - Divulgação/Autêntica Editora

Quinalha defende o conceito de identidade por ser essencial na constituição de comunidades como a LGBT+ –algo que parte do individual, neste caso a sexualidade e o gênero, é direcionado para o polo coletivo por meio do reconhecimento identitário.

"Algo que parece tão íntimo como a sexualidade, o gênero e o modo de lidar com a nossa própria identidade toma uma dimensão que se torna cada vez mais pública e coletiva. Acho que a história da luta do movimento LGBT+ é um pouco dessa migração", afirma.

Os 11 temas propostos trazem para o presente como problemas da comunidade ainda se mantêm e como novos surgiram. Essa relação mostra que desafios ainda continuam, embora tenha ocorrido progresso.

"O Brasil é um país que teve avanços significativos'', diz. Exemplos desses avanços são os ganhos no campo jurídico que a comunidade LGBT+ conseguiu, mas que não se transmutam em mudanças culturais imediatas já que "ainda tem uma violência muito expressiva e que persiste".

Os debates atuais, a história do movimento LGBT+ e os conceitos teóricos costuram a obra que deseja, antes de tudo, conscientizar que ainda tem muito a ser feito. "O livro tem essa ideia de ser um convite para a ação política", conclui Quinalha.

Movimento LGBTI+: Uma breve história do século 19 aos nossos dias

  • Preço R$ 54,80 (físico) e R$ 38,90 (e-book)
  • Autor Renan Quinalha
  • Editora Autêntica Editora
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