Professores da rede pública aprendem técnicas de cinema para deixar aulas mais atraentes

Curso de edição audiovisual do Minuto Escola, originário do Festival do Minuto, já formou 2.600 docentes, alguns deles com vídeos premiados

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São Paulo

Em um vídeo de 60 segundos, com música dramática ao fundo, a professora de ensino fundamental Mônica Zonta, 34, mostra diversas pessoas trancadas em seus apartamentos durante o isolamento social tendo que lidar com as emoções e angústias que a pandemia trouxe. Enquanto isso, o tempo passa freneticamente. Esses lares foram construídos com caixas de papelão, o cenário com massinha de modelar e os bonecos criados a partir de animação digital.

Esse filme curto, "A Caixa", é resultado do trabalho de conclusão de Mônica do curso de edição audiovisual do Minuto Escola, projeto oriundo do Festival do Minuto e promovido gratuitamente a professores de escolas públicas para que eles ganhem instrumentos para tornar suas aulas mais criativas e atraentes.

O objetivo da iniciativa ainda é transformar o celular, aparelho com o qual os professores disputam a atenção dos jovens, em um aliado para o aprendizado em sala de aula.

"Foi uma grande novidade para mim. Eu fui fazendo meu vídeo depois que colocava meus dois filhos para dormir. Tirei 1.301 fotos para obter o efeito com o stop motion [quadro a quadro] e depois usei outros programas para a finalização", afirma Mônica.

Um aluno de óculos usa uniforme preto, enquanto está agachado entre carteiras escolares; elesegura um celular na horizontal com as duas mãos para filmar a professora, de frente para ele e segurando um vaso de plantas, e uma aluna, também uniformizada, que recebe instruções da maestra
A professora Mônica Zonta durante gravação de vídeo sobre o mosquito Aedes aegypti com os alunos do 6º ano Victoria Santos da Silva, 11, e Nicolas Rosa Lima Santos, 13, em sala de aula da Emef Luiz Eduardo Matarazzo; a educadora foi premiada com seu vídeo do Minuto Escola - Karime Xavier/Folhapress

Ela teve o trabalho premiado no próprio Festival do Minuto, em 2019, e obteve reconhecimento em outras competições no Brasil, na América Latina e até mesmo na Croácia, lugares onde sua obra ficou entre as melhores.

Mônica contou com a ajuda do seu marido para desenvolver os personagens do vídeo digitalmente e teve que refazer o trabalho diversas vezes até obter o resultado que buscava.

"Isso me ajudou a trabalhar minhas próprias frustrações e o meu emocional", diz a professora da rede municipal de São Paulo.

As aulas de audiovisual passaram a ser virtuais em 2020, na pandemia, o que permitiu oferecer dez mil vagas por ano a professores de qualquer estado, com atendimento individualizado para dúvidas.

O curso nasceu presencial em São Paulo, em 2010 e, nos anos seguintes, teve outras edições na região e também em Tocantins. Desde então, 2.600 professores já ganharam o diploma Minuto Escola.

Hoje em dia, as aulas virtuais chegam a dez estados, incluindo São Paulo e Tocantins, por meio das secretarias de educação. Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio Grande no Norte, Ceará, Santa Catarina e Espírito Santo completam a lista.

As aulas são bem exigentes, de acordo com o cineasta e criador do Festival do Minuto, Marcelo Masagão, um dos três docentes do programa. Para obter o diploma, os alunos precisam fazer prova, ter 75% de frequência e fazer um vídeo de um minuto. Ele afirma que o professor vira aluno e passa a se compreender no contexto do tempo e do espaço.

"Não estamos formando cineastas, mas educadores. Damos o recurso do audiovisual para se expressarem em sala de aula. É para usar o celular, geralmente motivo de distração, de forma legal", diz o cineasta.

Para Masagão, essas vozes, em especial as da periferia, muitas vezes são desprezadas. "Mas com o curso, eles se empoderam, saem da escola e vão para toda a cidade. É um trabalho coletivo em que cabem todas as inteligências."

Mônica, a professora do município, começou a aplicar os conceitos sobre o mosquito Aedes aegypti em sala de aula. A turma vai se utilizar de um dos recursos mais conhecidos do cinema, o chroma key (fundo verde), para realizar o trabalho.

"Em vez de fazer leitura de texto, que poderia ser mais monótono, vamos a campo para aprender com mais dinamismo. Faremos um vídeo-notícia", afirma Mônica.

Construção de narrativas

Professora de artes do ensino fundamental da rede estadual de São Paulo, Michele Gesteira, 37, fez o curso e afirma que as aulas a estimularam a pegar a câmera e fazer "Um Verso, Universo", vídeo em que mostra a passagem do tempo da janela de um apartamento com tela de proteção. A ferramenta passou a ser usada em sala de aula.

​"Muitas vezes a [disciplina de] arte acaba indo para o lado técnico, mas o que esse curso ajudou nas minhas aulas foi na construção de narrativas. É um recurso que estimula a criatividade e traz repertório. Os alunos do 5º ano são os mais empolgados."

Educador, professor e um dos coordenadores do Minuto Escola, Moira Toledo afirma que uma das intenções é fazer com que o professor domine a linguagem do minuto.

"Eles aprendem que dá para misturar palavras com metáforas visuais. Daí vamos para exercícios práticos. O professor faz vídeo de um minuto e terá feedback individualizado. Nossa ideia é fazer com que eles repliquem esse conhecimento. As crianças se envolvem e toda essa rede de conhecimento se torna um curto-circuito do bem."

Toledo afirma que alunos que pareciam ter desistido da escola são os que se transformam. "Eles aprendem a lidar com idiossincrasias, a ouvir e a fazer críticas de forma respeitosa. Há um aprendizado mais no âmbito emocional do que técnico. É o poder do audiovisual."

De acordo com dados da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, em 2020, na primeira versão do curso 100% online, houve 2.080 inscritos mas, desses, 1.278 não fizeram as aulas. No total, apenas 164 foram aprovados.

O que explica essa baixa adesão é o aumento de oferta de cursos virtuais na pandemia, inclusive oferecidos pelo estado, explica Rodrigo Guergolet, diretor do Centro de Formação da Efape (Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do Estado de SP).

Em 2012, quando era professor de artes em Mauá (ABC paulista), Guergolet fez o curso do Minuto Escola e afirma que usou essas ferramentas por dois anos em sala de aula. Ele lembra que hoje em dia, é possível fazer vídeos curtos nas redes sociais.

"Os alunos se empolgavam. Aprender hoje em dia não é apenas fazer anotações no caderno. Com o audiovisual, você traz uma forma lúdica de aprender. Trata-se de um vídeo que você faz e vai querer mostrar para todo mundo e tem um aprendizado na prática", afirma o diretor.

O Minuto Escola tem um custo anual de R$ 1,5 milhão, bancados via Lei Rouanet. Novas turmas serão abertas no início de julho, com início em agosto, e vão incluir Bahia, Goiás e Maranhão, de acordo com os organizadores.

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