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Trans temem não conseguir cobertura para redesignação sexual após vitória de planos

Decisão do STJ desobrigou operadoras a custear procedimentos fora da lista da ANS; operação é cara e tem longa espera no SUS

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São Paulo

Thalita, 21, está ansiosa. A jovem transexual de São Paulo busca, na Justiça, que uma operadora de saúde custeie sua cirurgia de transgenitalização —alteração dos órgãos genitais—, aguardada há anos.

Ela e várias outras pessoas trans se veem inseguras após decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que modifica o entendimento sobre o rol de procedimentos da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

No último dia 8, os ministros do STJ decidiram que o rol deve ser taxativo, desobrigando planos de saúde a custear procedimentos não incluídos nele. Anteriormente, a lista era vista com exemplificativa, abrindo brechas para que, na Justiça, usuários buscassem o custeio de procedimentos fora dele.

Pessoa debaixo de manta com as cores do orgulho trans (azul, rosa e branco)
Participante da Marcha do Orgulho Trans brinca com manta que representa essa população, no último dia 17 em SP - Carla Carniel - 17.jun.2022/Reuters

A transgenitalização não faz parte da lista da ANS e, com o entendimento atual, poderá ser prontamente negada. Apesar de a decisão dos ministros do STJ não ser vinculante, ela tende a ser seguida por juízes de todo o país.

Thalita, em tratamento hormonal desde os 18 anos e fazendo acompanhamento psicológico há mais tempo, teme as consequências da decisão do STJ.

"Eu estava otimista que o julgamento olharia para a comunidade trans. Sinto extrema necessidade de poder me amar mais. Não consigo viver e me deparar com o meu passado todos os dias. Ver que por mais que tenha trocado minha documentação e esteja em processo de terapia hormonal e psicológica, nunca estarei satisfeita", declara a jovem. "Tenho medo de que essa angústia demore ainda mais tempo para ser sanada. Não posso custear o valor total da cirurgia no particular."

A advogada Claudia Ramos, membro da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil) e integrante do coletivo Mães Pela Diversidade, diz que nunca foi fácil conseguir que operadoras de saúde custeassem a cirurgia de redesignação sexual, mas o Judiciário, muitas vezes, acolhia os pedidos. Agora, avalia, a tendência é que esses procedimentos sejam negados e a esperança está no STF (Supremo Tribunal Federal).

"[A decisão do STJ] é uma lesão à Constituição, que consagrou o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos princípios fundamentais do Estado democrático de Direito. E, havendo lesão ao texto constitucional, o STF poderá ser chamado a enfrentar o tema. É a luz que vemos no fim do túnel."

Ela explica que algumas pessoas trans têm a chamada disforia de gênero, uma insatisfação ou desconforto persistente com características sexuais que remetem ao gênero atribuído ao nascer. "Essas pessoas podem desenvolver um quadro depressivo, um sentimento de total infelicidade e inadequação."

No Brasil, clínicas chegam a cobrar R$ 45 mil pelo procedimento. O SUS (Sistema Único de Saúde) também realiza, gratuitamente, a cirurgia para redesignação sexual, mas a espera é o principal empecilho.

Em São Paulo, segundo informações da Defensoria Pública do estado, uma pessoa trans pode ficar até 18 anos na fila.

A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo afirma que foram realizados 284 procedimentos cirúrgicos de afirmação de gênero no SUS desde 2019, incluindo as cirurgias de redesignação sexual, histerectomia (retirada do útero), plástica mamária reconstrutiva e mastectomia masculinizante. Quando questionada sobre a fila de espera no estado, a secretaria não respondeu.

Em meio a tanta incerteza, Thalita relata desgaste emocional. "Sendo [o procedimento de redesignação] extremamente caro e o sistema público de saúde tão lento, minha luta [na Justiça] se torna angustiante. Não se trata apenas de ansiedade ou estética, mas de um desgaste emocional gigantesco", diz.

Procurada por três vezes e questionada sobre o tema, a Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) não se pronunciou até a publicação da reportagem.

Já a ANS apenas confirmou que o procedimento não faz parte da sua lista de cobertura.

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