Descrição de chapéu cracolândia

Um mês após operações na cracolândia, centro de São Paulo sofre com falta de clientes

Comerciantes relatam que clima de insegurança tornou situação insustentável

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São Paulo

"Enquanto a gente conversa, o restaurante já abriu, mas ainda não apareceu ninguém", diz Fábio Schaberle, dono do restaurante Jaguar, no centro de São Paulo, durante entrevista à reportagem por volta das 12h.

Desde o início da pandemia, o estabelecimento na avenida Duque de Caxias ficou fechado, no total, por seis meses. No início de 2022, com o aumento dos casos de Covid em decorrência da variante ômicron, a frequência caiu novamente. O ritmo só voltou a esquentar em março, mas não durou muito.

Após o início da operação policial no dia 10 de maio, que desmantelou a cracolândia da praça Princesa Isabel, na região central da capital paulista, a poucas quadras do restaurante, Schaberle voltou a ver o salão vazio.

Homem sentado em uma mesa, com expressão séria
Fabio Schaberle, dono do restaurante Jaguar, no centro de São Paulo; salão tem ficado vazio desde maio - Danilo Verpa/Folhapress

Com a dispersão de usuários de drogas pela região, muitos deles passaram a ocupar a calçada do restaurante, e o uso do crack se tornou ainda mais visível. Assim, os clientes se sentem inseguros de chegar até o estabelecimento, avalia Schaberle.

Durante a semana, o restaurante tem atendido de quatro a oito pessoas por dia, ele conta —antes, recebia cerca de 40. No fim de semana, o número também variava entre 40 e 50 ao dia, mas se tratava de um público que gastava mais e era comum que pedissem drinques e entradas.

"Agora vendo R$ 600 por dia. No fim de semana, cerca de R$ 1.500. Antes costumava vender em um sábado cerca R$ 5.000 a R$ 6.000, sendo que esse valor já era mais baixo que na época pré-pandêmica", calcula Schaberle, que ainda mantém dívidas contraídas no auge da pandemia, como o aluguel, que está há mais de dois anos sem pagar.

"A sensação é de desespero e desamparo. O desamparo também é pelas pessoas que estão na calçada e precisam de atenção e cuidado. Não quero que a polícia chegue batendo em todo mundo. A gente convive com pessoas em situação de rua desde que abrimos, não adianta tirar as pessoas daqui e colocar em duas ruas da frente", diz.

Ele afirma que não fechou o estabelecimento porque não teria como pagar a rescisão dos funcionários. Além disso, não pode mudar de endereço, porque, além das dívidas com os aluguéis, quando abriu, em 2018, o proprietário do prédio que o restaurante ocupa investiu no local. Ou seja, se tivesse que mudar de endereço, teria que começar do zero.

Agora, conta com a ajuda de estabelecimentos vizinhos para aumentar as vendas. Neste domingo (26), por exemplo, a cozinha do Jaguar vai funcionar no Trago Bar, localizado na Barra Funda.

O drama de Schaberle é compartilhado por outros estabelecimentos das imediações. Diante desse cenário, moradores e comerciantes da região dos Campos Elíseos e da Santa Ifigênia se organizaram para entregar ao Ministério Público, na sexta-feira (24), um abaixo-assinado com mais de 1.800 assinaturas e um documento que detalha os problemas de segurança pública da região.

O grupo realizou, também na sexta, na praça Julio Prestes, um protesto, pedindo medidas às autoridades.

Protesto de comerciantes na região da praça Julio Prestes, no centro de São Paulo, na última sexta (24), pedindo mais segurança - Bruno Santos/Folhapress

Eder Perez, gerente de uma empresa que tem cerca de 350 funcionários na Santa Ifigênia, também nota que o atual cenário tem inibido clientes de irem à loja.

"Muitos relatam que tiveram vidro do carro estourado quando vieram na loja, outros foram furtados. Isso está muito constante na região. Antes de março, os usuários ficavam concentrados em um determinado ponto e hoje eles estão em vários grupos, isso aumenta o clima de tensão", diz ele, que calcula queda de 40% na frequência do estabelecimento nas últimas semanas.

​Com a falta de segurança, os clientes migram para a internet, ele avalia ainda. "O que sofre é o varejo, loja que depende do varejo na região", diz.

Ele, apesar de não ter tido problemas de furtos dentro da loja, destaca também que constantemente os comerciantes têm que baixar todas as portas por conta das operações policiais na região.

Para melhorar o entorno, uma das demandas dos comerciantes é a instalação de um posto policial na avenida Duque de Caxias. Procurada, a prefeitura diz que não há previsão de instalação de um posto fixo no local.

A gestão municipal diz que a GCM (Guarda Civil Metropolitana) atua no policiamento comunitário e preventivo da região da Nova Luz e nas adjacências da praça Princesa Isabel, assim como na avenida Duque de Caxias. Ao todo, a guarda na região tem 80 agentes, sendo 40 no período diurno e 40 no período noturno, afirma a prefeitura.

A gestão diz ainda que, de janeiro até a primeira quinzena de junho, a GCM atendeu 180 ocorrências na região, sendo 80 relacionadas a entorpecentes. Além disso, 220 pessoas foram conduzidas ao Distrito Policial e 175 ficaram detidas.

Estabelecimentos na avenida Duque de Caxias têm sofrido com a dispersão da Cracolândia
Estabelecimentos na avenida Duque de Caxias têm sofrido com a dispersão da cracolândia - Danilo Verpa/Folhapress

Outro endereço da Duque de Caxias que viu o seu público minguar é a academia Fitness++. Ela contava com até 1.200 alunos antes da pandemia e, pouco antes das operações na cracolândia, estava com 600. Agora, são aproximadamente 370.

O administrador do local, Elizeu Martins, calcula que em um dia chega a realizar o cancelamento de 15 alunos. "São muitos cancelamentos por dia, é desesperador", diz ele, que prevê que, financeiramente, consegue aguentar até o começo de julho. Se a situação não melhorar, terá que demitir funcionários, admite.

Ele percebe que, pelas questões de segurança, o horário mais tranquilo para os alunos irem até lá é à tarde, porém, a maioria das pessoas prefere se exercitar antes do início do trabalho, por volta das 6h da manhã —período que ficou mais perigoso no entorno da academia.

"Com as operações policiais, a academia tem que baixar a porta. Os professores cancelam as aulas. Imagina avisar para um aluno que a aula está cancelada devido uma operação policial? As pessoas pensam ‘se o professor está com medo, o que eu vou fazer lá?", diz ele, que está criando promoções para atrair mais clientes.

Maria Soares, dona do restaurante Feijão da Duque, afirma que, desde o início das operações policiais, recebe de 15 a 18 pessoas no seu estabelecimento, o que representa uma queda de 80% no movimento. "Está muito difícil trabalhar desse jeito", diz ela, que mantém o restaurante há 26 anos.

Ela, que vive próxima do trabalho, afirma que sente encurralada. "Quando eu saio daqui, eu vou para casa e não saio mais. Não tenho mais vida social."

Na residência estudantil chamada Uliving, outro endereço da avenida Duque de Caxias, também foi notado um aumento na quebra de contratos. O prédio, que tinha 90 contratos ativos no início do ano, agora registra 58.

"Tivemos algumas situações de residentes serem assaltados", relata Bruno Duarte, gerente geral do local. "Todo dia pessoas me perguntam sobre o valor da multa. Estamos desesperados", diz.

Além dos apartamentos para alugar, o prédio também tem dois andares que funcionam como hostel. "Esse público acaba não vivenciando a situação do centro, mas já tive situação de roubo de celular, pessoal sendo abordado na frente do Uber. Saímos com uma imagem horrível."

Para melhorar a segurança do prédio, Duarte contratou segurança privada, mas continua ouvindo dos moradores da residência que eles "perderam o direito de ir e vir". "Não dá nem para sair do prédio para fazer qualquer coisa", resume.

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