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Wania Sant’Anna

25 de julho é de memória, luta e reconhecimento para mulheres negras

Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha é momento de reconhecer que as nossas irmãs escravizadas, como nós na atualidade, buscaram liberdade

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Wania Sant’Anna

Historiadora, presidente do Conselho Curador do IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) e membro da Coalizão Negra por Direitos

No mundo inteiro as mulheres têm buscado associar dias, meses e anos para expressar suas lutas e demandas por direitos e cidadania. Isso tem sido uma forma de fazer com que seus interesses e necessidades sejam notados pelo conjunto da sociedade e que, ao mesmo tempo, haja avanços nos temas centrais celebrados nessas datas.

Não são apenas efemérides, são, acima de tudo, um chamado à organização das mulheres em torno de assuntos que exigem mudanças e tratamento específico.

Tem sido assim, por exemplo, com a celebração do 8 de março – Dia Internacional da Mulher, 25 de novembro – Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, ambas já consagradas pela ONU (Organização das Nações Unidas).

Óleo sobre tela do pintor e gravurista suíço Félix Edouard Vallotton (1865 -1925); imagem é comumente associada a Tereza de Benguela, líder quilombola brasileira no século 18 - Reprodução

Assim as "datas das mulheres" nascem das ruas, das mobilizações, dos cartazes escritos à mão, da indignação, dos encontros de mulheres que coletivamente decidem dizer não e basta!

Essa tem sido, também, a história das mulheres negras no enfrentamento ao racismo, discriminação racial e sistemática violação de sua cidadania e humanidade. É isso que nos ensina a criação do dia 25 de julho como Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha.

Ter esse dia como uma data de visibilidade, protesto e avaliação sobre as condições de vida das mulheres na região foi uma deliberação, aprovada há 30 anos, no 1º Encuentro de Mujeres Negras Latinoamericanas y del Caribe, em 1992, na cidade Santo Domingo, capital da República Dominicana.

O 1º Encuentro contou com a participação de mulheres negras do Caribe francófono, anglófono, espanhol, centro-americanas, sul-americanas e dos Estados Unidos também. Mulheres negras brasileiras integrantes de grupos já organizados àquela época acrescentaram pautas e discussões importantes que conectavam racismo e sexismo.

O documento resultante do encontro demonstra com muita sensatez o quanto as afro-americanas e afro-caribenhas foram capazes de ler as estruturas racistas e patriarcais que, ao fim e ao cabo, são responsáveis por múltiplas formas de subordinação, vulnerabilidade social e apartadas nos espaços de decisão política em todos os países da região.

Daí a ideia de "trabalhar conjuntamente para melhorar as condições de vida das mulheres negras", "combater as ideias negativas —preconceitos e estereótipos— vinculados às mulheres negras", "denunciar todo tipo de discriminação contra as mulheres negras", "promover a participação de mulheres negras em todo os diferentes espaços políticos e de decisão", por exemplo.

Esses são argumentos e proposições expressas como declaratórios do 1º Encuentro e que permanecem, de inúmeras maneiras, fazendo parte das agendas de demandas das organizações de mulheres negras no Brasil, na América Latina e no Caribe.

E, para o bem da história, é preciso que seja mencionada a manifestação de condenação que as mulheres negras ali expressaram com veemência frente ao sentido comemorativo que, àquela época, os estados nacionais da região pretenderam conferir aos 500 anos de "descobrimento da América".

Com avaliação mais que precisa, as mulheres negras ali presentes, descendentes de outras tantas arrancadas de África na condição de escravas, não tinham nada a celebrar, muito ao contrário.

Mas é também aí, nessa concepção de diáspora africana, na reconstrução desse passado comum de mulheres escravizadas, que as mulheres latino-americanas se encontram e irmanam em uma luta comum: lutar contra o racismo e estruturas patriarcais é rever o horror da escravidão, é reconhecer que as nossas irmãs escravizadas, como nós na atualidade, lutaram por liberdade e contra a escravidão.

Assim, e não por acaso, no Brasil relembramos no dia 25 de julho a guerreira quilombola Tereza de Benguela, a última liderança do quilombo Quariterê, dizimado por força do estado colonial brasileiro em 1770.

Fontes históricas atestam que o quilombo Quariterê foi local de fuga para escravos —homens e mulheres— e abrigo de povos originários por aproximadamente duas décadas. Possuía organização política sofisticada na tomada de decisões e foi capaz de criar condições especiais de sobrevivência para todos que nele viviam.

Isso por si só já faz de Tereza de Benguela uma personagem especial na experiência de escravidão a que foram submetidos mais de 4 milhões de africanos traficados para o Brasil na condição de escravizados.

O quilombo Quariterê foi resistência e sobrevivência e, nas páginas que registram seu massacre final, podemos ler algo que nos faz refletir sobre o quanto poderíamos ser muito melhores sob a liderança de Tereza de Benguela.

Esses registros nos dizem: "Estavam esses negros notavelmente fortes de mantimentos, porque cada um tinha sua roça muito bem fabricada de milho, feijão, carás, batatas, amendoim e muito algodão, que fiavam e teciam para se vestir e cobrir, para o que tinham teares à moda de suas terras" (em " Anais de Vila Bela 1734 -1789", de Janaína Amado e Leny Caselli Anzai, publicado pela EdUFMT).

Tereza de Benguela não morreu, ela virou ancestral a nos inspirar, nas ruas e vielas, neste 25 de julho de 2022.

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