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Bibliotecas públicas de SP adotam óculos futuristas e ampliam acesso a clássicos

Prefeitura pretende colocar dez dispositivos em cada unidade de leitura da cidade; aposentado lê 'Os Sertões' em duas semanas

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São Paulo

Uma ação pública, no melhor estilo futurista, passou a disponibilizar gratuitamente, em todas as bibliotecas municipais de São Paulo, pares de óculos especiais que ampliam o acesso de pessoas com deficiência visual à literatura.

O aposentado Pedro de Sousa Lima, 74, que há quatro anos perdeu quase toda a visão, leu as 640 páginas de "Os Sertões", de Euclides da Cunha, em duas semanas usando o dispositivo tecnológico, que pesa 22,5 gramas.

Seu Pedro, como é conhecido, frequenta diariamente a Biblioteca Mário de Andrade, na região central, para ler os clássicos nacionais. Ele mora em um hotel social a poucos metros dali. Ele conta que chega no início da tarde e só vai embora quando a bateria dos dois óculos disponíveis naquela unidade acaba, em cerca de quatro horas.

"Pude ler esse livro épico graças a essa ferramenta tão prática. Foi uma experiência incrível, porque eu estava em depressão por causa do diagnóstico de cegueira. Li para não enlouquecer, preencho a cabeça e não penso bobagens. Fui acalmando. Virou uma rotina prazeirosa", afirma.

Homem usa óculos pretos com um aparelho acoplado do lado direito, com o qual ele mira para o livro "Os Sertões", que ele mantém aberto em mesa de biblioteca
O aposentado Pedro de Sousa Lima folheia o livro "Os Sertões", que ele levou duas semanas para ler com os óculos especiais, na Biblioteca Mário de Andrade - Zanone Fraissat/Folhapress

A tecnologia OrCam MyEye, onde o dispositivo acoplado aos óculos, por meio de um ímã, escaneia as páginas e faz leitura oral, já está nas 54 bibliotecas municipais de São Paulo. De acordo com a secretária de Cultura Aline Torres, a gestão Ricardo Nunes (MDB) avalia a compra de dez óculos para cada unidade da capital para incentivar a inclusão e "aproximar todos os públicos".

O processo está em fase de cotação. Cada par dos óculos custa R$ 16.400, segundo ela. "A expectativa é finalizar essa compra por meio de processo licitatório em até dois meses", diz a secretária.

Segundo a última pesquisa do Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2010, a cidade de São Paulo tinha, então, mais de 345 mil pessoas cegas ou com grande dificuldade para enxergar.

Bibliotecária da Mário de Andrade, Gabrielle Silva Carvalho, 40, afirma que a inclusão promovida pelos óculos não acontece apenas pessoas com deficiência visual. "Também pode ajudar pessoas analfabetas a ter acesso a essa vastidão de livros. Crianças também podem usar."

Antes de descobrir os óculos especiais, seu Pedro lia por meio de áudiolivros. Mas a lista era restrita a 333 obras. Com a ferramenta de leitura, esse número saltou para 40 mil livros abertos a empréstimo na Biblioteca Mário de Andrade.

"A vantagem é ler instantaneamente qualquer livro", afirma o aposentado que esta semana começou a ler "Essa Gente", de Chico Buarque.

Com os óculos, seu Pedro já consumiu obras como "Macunaíma", de Mário de Andrade, e de autores como Carlos Drummond de Andrade e Fernando Pessoa. Dos internacionais, ele escolheu o escritor japonês Haruki Murakami.

O locutor Celso Colette, 34, ainda não leu um livro com os óculos especiais, mas já sabe tudo da ferramenta. "Me afastei da biblioteca na pandemia, mas tenho o desejo de testar", diz ele, que tem deficiência visual, ao segurar o livro "Farda, Fardão, Camisola de Dormir", de Jorge Amado, na Biblioteca Louis Braille, dentro do Centro Cultural São Paulo.

O auxiliar administrativo Jair Cavalis, 44, cego desde o nascimento, também frequenta a biblioteca do Centro Cultural. Ele conta que já usou os óculos para testá-los, mas pretende adotar o hábito da leitura de livros com essa ferramenta. "É prático de usar", diz ele ao pegar o "Livro das Horas", de Nélida Piñon.

Cavalis lamenta que a ferramenta seja, segundo ele, é inacessível financeiramente para todos.

A bibliotecária Michelle Silva Galvão, 33, coordenadora da Louis Braille, diz que esses óculos são mais uma ferramenta acessível e mais dinâmica.

"Levamos uma média de quatro meses para escanear, revisar, encadernar e deixar um livro pronto para a leitura em braile", afirma.

A secretária Aline Torres declara que oferecer os óculos especiais em bibliotecas "é a política pública de verdade". "Eles podem fazer a diferença para uma criança com deficiência se sentir incluída perto das outras crianças."

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