Delegado-geral de SP diz que 'mulher da casa abandonada' vive em situação análoga à escravidão

Margarida Bonetti é suspeita de ter mantido empregada nessas condições nos EUA; operação em imóvel tema de podcast apura se moradora é vítima de abandono

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São Paulo

O delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Oswaldo Nico Gonçalves, afirmou na tarde desta quarta-feira (20) que Margarida Bonetti, retratada no podcast A Mulher da Casa Abandonada, vive em "situação análoga à escravidão".

Os policiais cumprem um mandado de busca e apreensão na residência em Higienópolis, na região central de São Paulo. A operação faz parte de um inquérito que apura possível abandono de incapaz tendo a mulher, moradora do local e protagonista da série da Folha, como vítima.

"É um trabalho até mais social. Não há um mandado de prisão, que está prescrito, mas de busca porque ela está em uma situação análoga à escravidão, com lixo todo, convivendo, com animais na casa", afirmou o delegado em entrevista à ao programa Brasil Urgente, da Band, sobre a ação desta quarta.

Questionado nesta quinta, Gonçalves afirmou ter feito uma confusão com outro caso e pediu desculpas pelo erro na tipificação da investigação. "É situação de abandono que a gente está apurando e está com mandado [de busca] para isso", disse para a Folha.

Após a polícia arrombar janela da frente, Margarida Bonetti aparece rapidamente e conversa com policial civil - Eduardo Knapp/Folhapress

Uma situação análoga à escravidão ocorre quando há violação de direitos básicos na relação de trabalho, levando a vítima a um estado de vulnerabilidade social e psicológica. Condições degradantes, jornada exaustiva, trabalho forçado e restrições ao direito de ir e vir são algumas das características dessa situação –e elas não precisam acontecer ao mesmo tempo.

Bonetti é suspeita justamente de ter mantido por quase 20 anos nos Estados Unidos uma empregada doméstica em condição análoga à escravidão.

Segundo o podcast, quando o caso ainda estava sendo investigado por autoridades americanas, no final dos anos 1990, Margarida Bonetti deixou o país, retornou ao Brasil e passou a morar na casa de sua família em Higienópolis.

"A gente vai procurar ajuda médica para tentar algum parente, alguma coisa melhor, porque é uma questão mais social do que policial", disse o chefe da Polícia Civil.

Segundo o delegado-geral, a polícia teve dificuldade para entrar na casa "porque ela tranca tudo". Ele também disse que o crime da qual é suspeita nos Estados Unidos prescreveu, por isso não há mandado de prisão.

"Não tem sol dentro da casa, há lixo, entulho, tem de tudo, resto de comida. Pelo que o pessoal está me ligando de lá, é uma situação muito difícil do ser humano", afirmou o delegado.

De acordo com o delegado-geral, a polícia entrou no local com ordem judicial e, no momento, Margarida Bonetti é tratada como vítima por causa das condições em que está vivendo no casarão abandonado.

Conforme o delegado, a mulher está com uma defensora no imóvel, e a polícia negocia com a família para que ela seja retirada do local.

A advogada Helena Mônaco, que disse que representava a mulher, disse a jornalistas que a mulher não está abandonada. "Do jeito dela, ela consegue viver na casa, ela sai, vai ao mercado e à farmácia. Não é abandono de incapaz, tanto é que ela vive há mais de 20 anos na casa", afirmou.

A delegada Vanessa Guimarães, da 1ª Delegacia Seccional do Centro, afirmou à Band, que apesar da resistência, Bonetti deverá sair do imóvel nesta quarta-feira. "Com certeza ela não tem condições de permanecer nesta casa. Estamos em contato com uma irmã e com médico de perícia para constatar sua condição psíquica", disse.

"A responsabilidade é deles [familiares], há flagrante de abandono de incapaz, então eles vão ter que levar ela deste local", explicou a policial.

A polícia também investiga supostos maus-tratos contra um cachorro, que foi retirado por integrantes de uma ONG.

Mais de cem pessoas se aglomeram na frente da casa durante a operação. Algumas pessoas gritam xingamentos contra a moradora.

A investigação policial teve início depois que vizinhos do imóvel ligaram para diversas delegacias afirmando que uma pessoa que apresentava problemas de saúde mental estava no local e precisava de ajuda.

O procedimento foi aberto no início de julho, depois que os primeiros episódios do podcast já tinham sido publicados.

O podcast é apresentado e escrito por Chico Felitti, autor do livro "Ricardo & Vânia", que narra a história de vida de um artista de rua conhecido como Fofão da Augusta, e que foi finalista do Prêmio Jabuti de 2020. Felitti também criou e apresenta "Além do Meme", série documental em áudio exclusiva do Spotify —eleita o Podcast do Ano pelo Prêmio Splash UOL em 2020.

A série tem participação da atriz e dramaturga Renata Carvalho, que interpreta em português as entrevistas feitas em inglês, e de Magê Flores, que apresenta o Café da Manhã, podcast diário da Folha, e também coordena a produção de A Mulher da Casa Abandonada. A edição de som do podcast é de Luan Alencar, e a produção é de Beatriz Trevisan e Otávio Bonfá.

O podcast é uma reportagem que se baseou em registros de um caso de notório interesse público, procurou ouvir todos os envolvidos e deu espaço às versões dos que se manifestaram. A série não é uma investigação policial nem um processo judicial. A Folha condena qualquer tipo de agressão e perseguição contra as pessoas retratadas.

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