Especialistas criticam ação policial em imóvel do podcast A Mulher da Casa Abandonada

SSP diz que Polícia Civil é instituição legalista e que ação foi acompanhada por advogada da moradora

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São Paulo

A ação policial realizada nesta quarta-feira (20) no imóvel retratado no podcast A Mulher Da Casa Abandonada foi alvo de críticas.

Policiais estiveram na casa, na capital paulista, para cumprir mandado de busca e apreensão para averiguar crime de abandono de incapaz –a moradora Margarida Bonetti– e maus-tratos contra animais.

Bonetti se recusou a abrir a porta da casa, segundo os policiais. Por isso, eles arrombaram uma janela para entrar. Lá dentro, dizem, a moradora ofereceu resistência física e tentou agredir agentes.

À reportagem, especialistas afirmam que o caso sofreu espetacularização por parte da mídia e do poder público, deixando o racismo –tema central, segundo eles– em segundo plano.

A capa do podcast tem o desenho de um casarão, em branco e preto. A imagem escorre até o nome do programa: A Mulher da Casa Abandonada
O podcast A Mulher da Casa Abandonada investiga a vida de uma brasileira procurada pelo FBI - Editoria de Arte

A SSP (Secretaria da Segurança Pública) disse, em nota, que a Polícia Civil é uma instituição legalista, que todos os passos da investigação são acompanhados pelo Ministério Público e que contam com a anuência da Justiça. Afirmou, também, que a ação foi acompanhada pela advogada da moradora.

"A história, jornalisticamente, é legítima. O desenvolvimento dela fora do podcast, não", disse o advogado criminalista Bruno Menezes. "O que vimos na ação policial foi uma espetacularização vinda de uma narrativa construída ao longo dos episódios, que mostraram uma personagem frágil e desequilibrada, o que deu argumentos para o mandado de busca e apreensão. Era claro que, não só veículos jornalísticos mas também ONGs e o poder público se aproveitariam desse holofote."

Na avaliação de Menezes, a moradora da casa deveria ter seus direitos, como à privacidade, preservados, mesmo envolvida em um fato de notória preocupação social e, segundo ele, com agravante das questões de classe e raça.

A delegada Vanessa Guimarães, da 1ª Delegacia Seccional Centro, afirmou que cerca de dez policiais participaram da ação, entre os quais três delegados, incluindo ela.

Segundo a delegada, a presença dela e dos outros policiais tinha como objetivo auxiliar o cumprimento do mandado de busca. Também estiveram presentes policiais do IC (Instituto de Criminalística).

O número de policiais no local, conforme Guimarães, era o suficiente para evitar uma possível tentativa de invasão por parte de pessoas que acompanhavam o trabalho da polícia.

Para o gerente de relações institucionais do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli, o caso poderia ter sido resolvido com a intimação das testemunhas, o que, segundo ele, ocorre em 99,9% dos casos.

"Realmente me parece algo exagerado, com contornos robustos de espetacularização. Tinha uma equipe aparentemente imensa de policiais, inclusive usando balaclava [espécie de gorro]. Uma demonstração de poderio bélico, com uma senhora que mora em uma casa."

Angeli afirmou que outros casos de abandono não têm a mesma visibilidade.

"De fato, o abandono de incapaz é uma questão social e jurídica muito séria, mas é só andar pelo centro de São Paulo para ver a quantidade de incapazes abandonados. Crianças de rua e pessoas com claros problemas psiquiátricos em situação de rua. E a gente não vê o mesmo empenho nesse ponto."

Guilherme Oliveira, historiador e mestrando em história da África pela Unicamp, disse que o caso e seus desdobramentos são marcas da herança racista brasileira.

"O caso mostra como nós nunca conseguimos romper com nossos laços escravocratas e, com isso, o racismo é naturalizado ao ponto de virar um grande espetáculo e pessoas se sentirem à vontade para conseguir engajamento e fazer turismo em cima da dor dos outros", afirmou, referindo-se aos curiosos que visitam a casa e produzem conteúdo sobre a família Bonetti para as redes sociais.

Na manhã desta quinta (21), um carro da Polícia Civil ainda guardava a residência. Agentes da Secretaria Municipal da Saúde tentaram entrar na casa para averiguar o estado de Bonetti, mas foram repreendidos pela advogada da mulher, Helena Mônaco. Por telefone, a defensora disse aos agentes que Bonetti não queria ser incomodada. A secretaria deixou o local.

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