Jovens trans enfrentam barreiras para utilizar banheiros em escolas

Julgamento sobre o uso de espaço conforme identidade de gênero está parado no STF há sete anos

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São Paulo

Depois de sofrer retaliação de outros garotos, Pedro (nome fictício), 14, parou de usar o banheiro masculino da escola na qual estuda, em Praia Grande, no litoral de São Paulo. Único aluno trans no colégio, ele foi orientado pela direção a usar o sanitário reservado para pessoas com deficiência —segundo a chefia da unidade, isso "causaria menos desconforto a ele e aos demais alunos".

O caso não é único. À reportagem outras 11 mães, todas moradoras do estado de São Paulo, relataram situações em que seus filhos, jovens trans entre 9 e 18 anos, foram colocados em situações constrangedoras quanto ao uso de banheiros em ambiente escolar –tanto em instituições públicas quanto particulares.

Além de instruídos a não usarem os banheiros coletivos, eles foram expulsos e até ameaçados fisicamente por outros alunos.

Cena de um banheiro escolar com uma jovem transexual entreabrindo a persiana de uma janela. No espaço aberto há um olho olhando em sua direção, observando-a
Jovens trans enfrentam problemas para utilizar banheiros de acordo com sua identidade de gênero nas escolas - Catarina Pignato

As mães fazem parte do grupo Mães Pela Diversidade, que reúne familiares de membros da comunidade LGBTQIA+, e do Amtigos (Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual), que oferece suporte psicológico a jovens transexuais e seus familiares no Hospital das Clínicas, em São Paulo.

Em nota, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo diz que repudia todo tipo de LGBT fobia e "a decisão sobre o uso do banheiro acontece através do conselho escolar de forma individualizada, tratando caso a caso. É orientado que, com novas demandas, o conselho se reúna imediatamente para mediar a situação de forma que toda comunidade escolar seja acolhida e respeitada".

Sobre Pedro, a secretaria confirma que foi "ofertada a possibilidade de ele utilizar o banheiro para pessoas com deficiência ou o de funcionários". O jovem e a mãe não aceitam a situação.

Neste mês, a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), lançou em suas redes sociais a campanha #LiberaMeuXixi, na qual pede que o STF (Supremo Tribunal Federal) retome um julgamento, parado há sete anos, sobre o uso de banheiros conforme a identidade de gênero –ou seja, como a pessoa se reconhece: homem, mulher, ambos ou nenhum dos gêneros.

A ação chegou ao tribunal em 2015, quando uma mulher trans foi barrada no banheiro feminino de um shopping em Santa Catarina, e alegava violação à dignidade da pessoa humana. Na ocasião, os ministros Luís Roberto Barroso, relator do caso, e Luiz Edson Fachin se manifestaram a favor da requerente. Já o ministro Luiz Fux pediu vista –mais tempo para analisar o caso– e o julgamento não foi retomado até agora.

"O direito à autodeterminação de gênero não pode ser um direito abstrato. Ele deve ser garantido na vida cotidiana das pessoas trans. E isso precisa ser assegurado com segurança. Se acumulam casos de violência, expulsões e negações de acesso ao banheiro contra corpos trans, especialmente contra travestis e mulheres trans. Isso tem que parar", diz a Antra.

Keila Simpson, presidente da associação, diz que pessoas cis (que se identificam com o sexo biológico) e trans entram no banheiro para a mesma finalidade, e qualquer tentativa de impedir isso seria imoral.

Procurado por três vezes, o STF não se manifestou até a publicação da reportagem.

Enquanto isso, Laura observa as dificuldades que seu filho de 13 anos, também trans, enfrenta quando o assunto é banheiro. A família mora em São Sebastião, no litoral norte paulista.

Ela diz que ele iniciou a transição muito cedo e que, conforme foi crescendo, algumas situações desconfortáveis foram se acumulando. A mãe diz que o filho lhe disse que o banheiro era o local no qual sempre recebia os piores olhares e que, ao entrar lá, tinha vontade de correr ou ganhar um abraço.

Laura classifica a situação como angustiante. Ela afirma que, por algum tempo, teve a impressão de acolhimento ao filho no ambiente escolar. O jovem sempre estudou em colégios particulares. Ela diz que encontrou locais onde faziam de tudo para ele e todos ao redor se sentirem bem. Situação que mudou quando o jovem passou a frequentar uma escola particular em Boiçucanga, bairro de São Sebastião.

O colégio permitiu que o jovem utilizasse o banheiro de sua preferência, mas orientando que os coletivos fossem evitados. A opção seriam os privativos, como os para funcionários e pessoas com deficiência. Laura diz que foi um "pode, mas não vá". A mãe relata que começou a questionar se valeria a pena insistir para que o filho estivesse naquele ambiente, em que, segundo ela, teriam que lutar até para utilizar o banheiro.

Para Benjamin Ribeiro da Silva, presidente do Sieeesp (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo), que representa as escolas particulares, por enquanto não há nenhuma ocorrência relevante envolvendo alunos trans nos estabelecimentos. "As escolas particulares, sempre com algumas exceções, têm lidado bem com o tema", afirma.

O assunto tem sido discutido em todo o país. Em junho deste ano, o governo do Distrito Federal orientou as escolas públicas da sua rede de ensino a permitir que estudantes transexuais utilizem os banheiros conforme sua identidade de gênero. Um dia depois, a orientação foi revogada.

Em nota, a Seedf (Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal) diz que a Circular nº 58/2022, que trata do manual de orientações sobre o uso dos banheiros por estudantes travestis, transexuais e transgêneros nas unidades escolares da rede pública, foi revogada devido à importância e à necessidade da composição de um grupo de trabalho para discussão sobre o tema.

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