"Vai viver 100 anos." Era o que netos e dezenas de sobrinhos diziam quando se encontravam com Maria. Ao passo que ela respondia na lata: "Deus me livre de virar serpente".
Na casa dos 90, totalmente lúcida, mas com a visão prejudicada por glaucoma e catarata, ainda costurava e fazia seus gira-mundos, uma espécie de rosa dos ventos tridimensional feita de pano. Gostava de ficar sentada em nesgas de sol olhando o horizonte, mesmo que este se limitasse a uma sala pequena. Ninguém se dava conta, mas certamente Maria estava meditando. Seria esse o segredo da longevidade?
Não se esquecia dos horários dos remédios e colírios. Antes das 6h ouvia-se o arrastar das sapatilhas pela casa. Os mais novos questionavam: "Por que acordar tão cedo? Não há nada para fazer". Maria estava aproveitando cada minuto da vida. Foi assim até chegar, como profetizavam os netos, aos 100.
Primeira filha de Ricardo e da indígena Josefa, Maria nasceu junto com Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1922, mas não conheceu sua contemporânea mais famosa. As histórias que ouvia no sertão da Bahia, onde nasceu e viveu a maior parte do tempo, eram sobre cangaceiros, Lampião e a seca que castigava o Nordeste. Seu trabalho era na roça, no cuidado dos animais e na cozinha que abrigava um grande fogão à lenha.
A modernidade, porém, fez parte da trajetória de Maria, ao menos nos costumes: numa época em que às mulheres eram impostos casamentos precoces e arranjados, ela escolheu o marido e, à revelia dos mais conservadores, casou-se com Salvador só aos 27. Chegou a recusar pretendente que ia visitá-la usando sempre o mesmo terno.
Dos 41 irmãos, ajudou a criar vários. Teve oito filhos. Viu um deles morrer aos 16 anos, após a picada de uma cobra, e sofreu quando a filha caçula teve poliomielite e câncer, mas, desta vez, teve oportunidade de celebrar a cura. Ficou viúva aos 71.
Até os 98 anos, antes de ter um AVC grave, tinha excelente memória e contava histórias sem se esquecer dos detalhes. Perfumava-se, pintava as unhas, usava brincos e tiara nos cabelos e combinava as roupas que usaria no dia seguinte. Adorava receber elogios e respondia aos admiradores: "Bonita com a vida".
Centenária, Maria Luiz Gonçalves Barbosa morreu de causas naturais em Cafarnaum (BA) e deixa sete filhos, 14 netos, 14 bisnetos e muita saudade.
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