Polícia entra em imóvel do podcast A Mulher da Casa Abandonada e encontra Margarida Bonetti

Ação faz parte de inquérito sobre abandono de incapaz; de acordo com agentes, mulher se recusou a permitir a entrada

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São Paulo

A Polícia Civil de São Paulo realizou nesta quarta-feira (20) uma operação para cumprir um mandado de busca e apreensão na residência retratada pelo podcast A Mulher da Casa Abandonada.

A ação, que começou pouco antes das 16h e acabou às 20h30, faz parte de um inquérito que investiga um possível abandono de incapaz tendo como vítima Margarida Bonetti, moradora do local e protagonista da série da Folha.

Margarida Bonetti, retratada no podcast A Mulher da Casa Abandonada, conversa com agente durante operação policial no imóvel
Margarida Bonetti, retratada no podcast A Mulher da Casa Abandonada, conversa com agente durante operação policial no imóvel - Eduardo Knapp/Folhapress

De acordo com os policiais, a mulher se recusou a abrir a porta do imóvel e, por isso, eles arrombaram uma janela para conseguir entrar. Já lá dentro, ela ofereceu resistência física e tentou agredir os agentes.

Vizinhos tinham afirmado mais cedo que ela não estava no local.

Policiais descreveram o interior da casa como insalubre e afirmaram que o local está cheio de lixo, restos de comida e com cheiro forte de coisas estragadas. Eles encontraram um cachorro embaixo de um móvel e o retiraram do local.

A apresentadora Luisa Mell, defensora do direito dos animais, também estava presente. Segundo ela, a mulher também tentou agredir um ativista que a acompanhava.

Os policiais afirmam que operação tem como objetivo proteger Margarida e que a presença dela dentro da casa, nas condições de higiene encontradas durante a operação, apresentavam riscos.

Mesmo assim, os agentes afirmaram que ela quer permanecer no imóvel e que, nesse momento, não há nenhuma ação que a polícia possa fazer para retirá-la do local.

No início da noite, a mulher, com um gorro preto na cabeça, foi para varanda da casa com algumas pessoas e pegou papéis no chão. Isso chamou a atenção da multidão que estava em frente ao local. Mais de uma dezena de pessoas ignorou o cordão de isolamento da polícia para subir no muro do imóvel. Com isso, ela voltou para o interior.

Mas cada vez que aparecia um vulto no vidro da porta, alguém gritava: "Ela vai sair". Neste instante não havia policiamento do lado de fora do imóvel e um rumor de que ela estaria na lateral da casa fez a multidão correr desesperada.

Helena Monaco, advogada de Margarida, disse que não há nenhum caso de abandono de incapaz. Prova disso, segunda ela, é que sua cliente mora no local há 20 anos.

Ela chegou a afirmar que Margarida estava avaliando a possibilidade de deixar a casa e ir morar com algum familiar. Mais tarde, porém, a advogada afirmou que sua cliente não deixaria o local.

Um dos delegados envolvidos na ação, Guilherme Sabino Correa, saiu de dentro do imóvel por volta das 20h30 e confirmou que a mulher iria permanecer na residência. "Ela não quer sair porque é a casa dela, não podemos obrigá-la", afirmou.

Aos jornalistas em uma rápida entrevista, ele informou que a polícia faria a segurança do lado de fora e ela continuaria a rotina dela lá dentro, sozinha, como estava antes.

Um médico esteve no local para avaliar as condições clínicas de Margarida e saiu um pouco antes.

O delegado afirmou que o médico disse que ela estava com a pressão um pouco alta, por causa das circunstâncias, mas que no geral se encontrava bem.

O delegado classificou as condições do imóvel, como insalubre, de uma pessoa acumuladora, mas afirmou que a avaliação oficial deve ser feita pela perícia. Segundo ele, foram avaliados a estrutura da casa e itens como água e luz.

"Os peritos farão toda a análise e vamos mandar para o Judiciário, que vai definir o final da história", disse.

Dois carros e ao menos três policiais civis permaneceram na frente da casa, aparentemente apagada, para garantir a segurança de Bonetti.

Ao menos 50 pessoas continuavam na frente do imóvel até por volta de 22h30, torcendo por um possível reaparecimento da mulher.

Questionado se algum parente manifestou interesse em acolher Margarida Bonetti, o delegado disse que não, mas que há a expectativa que uma irmã vá até a casa nesta quinta (21).

A concessionária de energia Enel afirmou que não há contas de luz pendentes. A companhia disse que vai verificar sobre a validade dos registros e da medição.

A investigação policial teve início depois que vizinhos do imóvel em Higienópolis (no centro de São Paulo) ligaram para diversas delegacias afirmando que uma pessoa que apresentava problemas de saúde mental estava no local e precisava de ajuda.

O procedimento foi aberto no início de julho, depois que os primeiros episódios do podcast já tinham sido publicados.

O delegado Marcelo Palhares, do 4º DP (Consolação), afirmou que a polícia quer saber "se as condições de habitar a casa são dignas". Segundo ele, familiares de Margarida podem ser responsabilizados por abandono de incapaz.

Segundo o podcast, Margarida é suspeita de ter mantido por quase 20 anos nos Estados Unidos uma empregada doméstica em condição análoga à escravidão. Quando o caso ainda estava sendo investigado por autoridades americanas, no final dos anos 1990, ela deixou o país, retornou ao Brasil e passou a morar na casa de sua família em Higienópolis.

O imóvel se encontra em condições de deterioração, com telhas quebradas, rachaduras e pintura corroída pelo tempo.

Na frente da casa, o jardim também se encontra em condições de abandono, e há casas de cachorro vazias na varanda. Margarida ficou conhecida na região por usar um creme branco no rosto sempre que deixa a casa.

O imóvel atualmente é alvo de uma disputa na Justiça entre os herdeiros, incluindo Margarida.

A capa do podcast tem o desenho de um casarão, em branco e preto. A imagem escorre até o nome do programa: A Mulher da Casa Abandonada
O podcast A Mulher da Casa Abandonada investiga a vida de uma brasileira procurada pelo FBI - Editoria de Arte

No último episódio da série, publicado nesta quarta, ela se defende da acusação de ter mantido a empregada em condições análogas a escravidão: diz que elas dividiam a casa na condição de amigas e também afirma que passava a maior parte do ano no Brasil, distante tanto de seu marido como da mulher.

O podcast é apresentado e escrito por Chico Felitti, autor do livro "Ricardo & Vânia", que narra a história de vida de um artista de rua conhecido como Fofão da Augusta, e que foi finalista do Prêmio Jabuti de 2020. Felitti também criou e apresenta "Além do Meme", série documental em áudio exclusiva do Spotify —eleita o Podcast do Ano pelo Prêmio Splash UOL em 2020.

A série tem participação da atriz e dramaturga Renata Carvalho, que interpreta em português as entrevistas feitas em inglês, e de Magê Flores, que apresenta o Café da Manhã, podcast diário da Folha, e também coordena a produção de A Mulher da Casa Abandonada. A edição de som do podcast é de Luan Alencar, e a produção é de Beatriz Trevisan e Otávio Bonfá.

O podcast é uma reportagem que se baseou em registros de um caso de notório interesse público, procurou ouvir todos os envolvidos e deu espaço às versões dos que se manifestaram. A série não é uma investigação policial nem um processo judicial. A Folha condena qualquer tipo de agressão e perseguição contra as pessoas retratadas.

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