Descrição de chapéu Independência, 200

Calçada percorrida por d. Pedro 1º na serra do Mar será restaurada

Imperador passou pela Calçada do Lorena na viagem de Santos a São Paulo em 7 de setembro de 1822, quando proclamou a Independência

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Cubatão (SP)

Uma das proezas da engenharia do século 18 em terras paulistas corre discreta sob a sombra de embaúbas, araçás e outras árvores da mata atlântica.

Primeiro caminho pavimentado do litoral ao planalto em São Paulo, com cerca de 9 km de extensão, a Calçada do Lorena começou a ser construída com pedras da região entre os anos de 1789 e 1790 e foi concluída em 1792, sob o comando do então governador da província Bernardo José Maria de Lorena.

Trecho da Calçada do Lorena, ligação entre o litoral e o planalto concluída em 1792 - Eduardo Knapp/Folhapress

Foi um feito e tanto de Lorena (daí o nome da calçada) e dos membros do Real Corpo de Engenheiros de Lisboa, que coordenaram a obra na serra do Mar. Mas não só. Saiu também graças ao trabalho de dezenas de escravizados, que levaram as pedras usadas para o calçamento e as instalaram em terrenos íngremes —são 700 m de desnível.

Até então o transporte de cargas no lombo das mulas (mais resistentes para a tarefa do que os cavalos) e a passagem de pessoas eram feitos em trilhas estreitas, muito afetadas pelas chuvas frequentes. Viajantes costumavam levar dois, até três dias nesse trajeto. Com a finalização da calçada, cavaleiros experientes passaram a fazer o caminho em menos de 12 horas.

A figura mais célebre a percorrer essa via foi o então príncipe regente Pedro. No dia 5 de setembro de 1822, ele e sua comitiva viajaram de São Paulo para Santos. Dois dias depois, o monarca retornou: deixou a cidade litorânea por volta de 6h e chegou à região do Ipiranga, àquela altura distante do centro de São Paulo, no final da tarde. Foi o momento em que proclamou a Independência.

A calçada foi muito usada até os anos 1840, quando aconteceu a inauguração da Estrada da Maioridade, hoje mais conhecida como Estrada Velha de Santos.

Nos próximos meses, a calçada passará por um trabalho de conservação e restauro. Três ações estão previstas, afirma Carlos Telecki, gestor do parque Caminhos do Mar, onde fica um trecho de cerca de 3,5 km da via aberto ao público. Apenas uma parte final, com 170 m, está interditada devido à queda de uma barreira.

O primeiro passo, segundo Telecki, é fazer um mapeamento arqueológico para identificar pedras nas laterais da calçada que tenham sido encobertas pela vegetação.

De acordo com estudos do engenheiro especializado em cartografia histórica Jorge Pimentel Cintra, ligado à Escola Politécnica e ao Museu do Ipiranga, a largura da via varia de 3,2 m a 4,5 m. Hoje em dia, no entanto, há trechos que não ultrapassam 2,5 m, provavelmente por causa das plantas que cresceram e esconderam o calçamento.

A segunda medida é instalar guarda-corpos, montados com madeira e corda de fibra sintética. O objetivo é aumentar a segurança, especialmente nas áreas mais íngremes.

(Avisos aos visitantes: 1 - vá com tênis adequados para caminhada; 2 - não é preciso ser atleta para percorrer a calçada, mas algum preparo físico é recomendável; 3 - fique parado se quiser admirar a mata atlântica; andar olhando para o alto vai acabar num tombo; 4 - leve uma garrafa d'água; 5 - a calçada é fechada nos dias de chuva).

De volta ao plano de conservação. O terceiro passo, diz Telecki, é uma limpeza das pedras usando produtos adequados para unidades de conservação, ou seja, que não provoquem danos à natureza.

Como se vê, não são transformações radicais, o que se explica, em grande medida, pelo estado bastante razoável da estrada de 230 anos.

"É extraordinário que a calçada esteja tão íntegra. A última intervenção aconteceu em 1973 e 1974, depois do tombamento pelo Condephaat [conselho de defesa do patrimônio histórico do estado de SP] em 1972", diz Mariana Rillo, arquiteta especializada em patrimônio histórico e coordenadora do projeto de restauro da calçada.

Chama a atenção, por exemplo, o engenhosidade do traçado, que mantém a calçada distante da maior parte dos cursos d´água que descem a serra.

O objetivo da Parquetur —empresa que assumiu no ano passado a administração da visitação turística do Caminhos do Mar, parque no limite de Cubatão e São Bernardo do Campo— é concluir esse trabalho até março do ano que vem.

Uma próxima etapa, sem prazo definido, pode ser a abertura de um novo trecho da calçada, também dentro do parque. Essa parte de 4,5 km, em direção ao pé da serra, foi identificada pelo arquiteto Benedito Lima de Toledo (1934-2019) nos anos 1970 e voltou, recentemente, a ser reconhecida pelo professor Cintra.

O trabalho na Calçada do Lorena integra um projeto amplo de restaurações no parque, orçado em R$ 4,25 milhões.

No centenário da Independência do Brasil, em 1922, foram erguidas construções às margens da Estrada Velha de Santos, com exceção do Monumento ao Pico, que fica no início da calçada. Esses pontos históricos, situados dentro do Caminhos do Mar, estão –ou já estiveram– em processo de recuperação.

No alto da serra, o Pouso Paranapiacaba está na fase final de restauração. Antes um ponto de parada dos carros, com quartos para hospedagem, a casa em granito oferece uma vista exuberante para a Mata Atlântica, a Baixada Santista e o mar. Ao fim da reforma, deve ser ocupada por um restaurante de comida portuguesa.

A recuperação do Rancho da Maioridade está prevista para os próximos meses. Assim como o Pouso, esse sobrado tem painéis de azulejos pintados à mão pelo artista José Vaz Washington Rodrigues. Dará lugar a um café ou a uma lanchonete.

Existem pontos em que a Calçada do Lorena encontra a Estrada Velha de Santos. Um deles, também no pacote de restauros, é o Padrão do Lorena, uma pequena praça em homenagem ao governador da província.

As pinturas nos azulejos do espaço também lembram os tropeiros e as mulas. Nada mais justo. A cidade de São Paulo deve a eles e, claro, à Calçada do Lorena boa parte da sua expansão no final do século 18 e começo do 19.

Parque Caminhos do Mar

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