Descrição de chapéu Lei de Cotas, 10 Enem

Cotas não trouxeram nenhum ganho real para o Brasil, diz Paulo Cruz

Para o educador, é 'sadismo' comemorar dez anos da política afirmativa 'às custas do abandono do ensino básico'

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São Paulo

Ele já foi chamado de "capitão do mato" nas redes sociais por sua postura crítica em relação ao sistema de cotas raciais, mas diz que não se acua com o barulho em relação a suas posturas.

Defende o direito de ter valores conservadores e de pensar diferente. Formado em filosofia, professor, anfitrião de podcast e colunista de jornal, Paulo Cruz, 47, não comemora os feitos da política afirmativa para pessoas negras, o que chama de "vitória de Pirro".

Um homem negro, careca, com barba e bigode desenhados ao redor da boca, sorri. Ele usa camisa preta. Ao fundo, uma parede com retângulos
O professor Paulo Cruz , que é mestre em ciência da religião, pela Universidade Metodista de SP, e crítico ao sistema de cotas raciais - @Paulo Cruz, no Facebook

Diz que não é possível atribuir somente às cotas a maior presença de negros nas universidades e afirma que o sistema mascara o real problema desta população, que estaria na educação básica.

Cruz, que tem um filho adolescente, seu aluno em uma escola particular, diz que não sabe o que ele pensa sobre cotas. "Mas, se quiser optar pelo sistema, eu não sou contra, não. Se existe, é para ser usado."

O sr. diz que é preciso priorizar o ensino básico antes de falar em cotas, mas o acesso é totalmente diferente. As pessoas negras mal entravam nas universidades públicas, não? Qualquer pessoa pobre no Brasil tem dificuldade de acessar uma universidade. Os negros chegavam ao ensino superior já mais velhos, depois de conseguirem um emprego e terem uma vida mais organizada e espaço para estudar. Encontravam-se menos negros nas públicas, mas eles estavam nas particulares. Todo o mundo sem condições de sair do ensino médio e entrar numa faculdade, porque precisa trabalhar, tem a mesma complicação para acessar uma faculdade que o negro.

Mas a cota não tornou mais justo o acesso? Em alguma medida, sim, mas uma série de questões precisam ser analisadas na efetividade do sistema. Não foram só as cotas que melhoraram o acesso. São dez anos de mudanças sociais, de aumento na autodeclaração, de mais vagas disponíveis. Há um apagão estatístico no Brasil que torna complicado dizer que só a cota foi responsável por mudanças.

O sr. fala que falta preparo para os negros estarem na universidade e isso se refletiria em formandos com dificuldades no mercado de trabalho. Há pesquisas que mostram o contrário, que há resultados. Educação é um conjunto formativo de longo prazo que ultrapassa o aspecto técnico do aprendizado. Ir à escola não significa somente aprender português e matemática. A formação de uma pessoa depende de fatores outros estruturais e de valores. Uma escola deficiente oferece esse conjunto de forma deficiente e fará falta à pessoa lá na frente. Nunca achei nenhum dado que mostre a evasão dos cotistas por dificuldade de acompanhar o curso, mas esse contingente existe.

Quem consegue vencer e sair da faculdade, vai enfrentar, no mercado de trabalho, o sujeito que saiu do colégio particular e teve muito mais oportunidades, então, é preciso outra política afirmativa para empregar o negro. O problema vai sempre sendo empurrado.

Um homem negro, de camiseta amarela, barba e bigode cortados ao redor da boca, olha para o alto
O professor Paulo Cruz, que é crítico ao sistema de cotas raciais - Redes sociais

Mas não é preciso fazer alguma coisa, independentemente do estágio, para diminuir as exclusões? O problema de origem, o problema real, é o ensino básico. A cota mascara isso. Não vejo movimentos organizados brigando pelo ensino básico. Comemora-se dez anos de cotas, dizem que é um sistema efetivo, mas quando se olha para o ensino básico público, a tragédia é absoluta. A realidade é que pouquíssimos alunos vislumbram chegar a uma universidade, vão parar no meio do caminho. É uma ‘elite’ que vai para o ensino superior. Com mais vagas, talvez nem fosse preciso de cotas para esse grupo entrar.

O sr. já chamou de sádico quem defende cotas. Na USP, por exemplo, o perfil dos alunos mudou drasticamente em algumas faculdades. Sadismo não é excluir pessoas? Comemorar o sucesso das cotas é comemorar a vitória de Pirro [alcançada a um custo elevado, com prejuízos]. O conjunto da sociedade, nos últimos dez anos, ganhou e perdeu o quê? Estamos discutindo hoje os mesmos problemas de uma década atrás: racismo, pobreza, falta de representatividade do negro nos cargos de chefia. Com cota ou sem cota, a situação é a mesma.

Estão comemorando algo às custas do abandono do ensino básico. Isso é sadismo. Como professor, vejo o que está acontecendo, não vou comemorar. Cada vez há menos crianças com condições de pensar em chegar a uma universidade e acessar uma cota. Talvez tenhamos um passo, mas ainda é pouco para dizer que funciona. Não há nenhum ganho real para o país.

Qual seria um sistema justo, que daria equidade à diversidade? Toda cota provisória se torna permanente. É assim no mundo todo. Há uma incapacidade de calcular a efetividade dessas políticas afirmativas. Há muita propaganda envolvida. Negros faziam faculdade antes das cotas. O gargalo é o ensino básico. Também seria importante voltar a olhar para o ensino técnico. Não adianta termos mais negros formados no Largo de São Francisco [direito, na USP] se isso não irá se refletir em mais acesso ao trabalho.

Você é contrário a outras políticas de cotas? Social, para pessoas com deficiência, pessoas trans? São coisas diferentes. Cada grupo tem suas demandas, seus contextos, suas histórias. São problemas distintos.

O pensamento do sr. está alinhado ao pensamento do presidente Bolsonaro em relação a políticas afirmativas? Pelo amor de Deus [risos]. Nem sei o que ele pensa sobre isso. Imagino que ele pense que racismo não exista. Sou crítico ao governo. Sou crítico às cotas, mas provavelmente não pelos motivos que ele possa ter.

RAIO-X

PAULO CRUZ, 47

Formou-se em processamento de dados e em filosofia e é mestre em ciência da religião pela Metodista de SP. Colunista do jornal Gazeta do Povo, do Paraná, anfitrião do Noir Podcast, e professor, desde 2014, de filosofia e sociologia [está licenciado no governo de SP e atua em escolas particulares]. É casado, tem um filho de 17 anos, e é o caçula de quatro irmãos em uma família de classe média baixa .

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