Descrição de chapéu Obituário Ignez Francisco da Silva (1935 - 2022)

Mortes: Dona Inah só foi reconhecida por seu samba aos 69 anos

Antes da fama, trabalhou como empregada doméstica, passou fome e foi agredida por companheiros

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São Paulo

Dona Inah, a sambista reconhecida como cantora revelação do Prêmio da Música Brasileira em 2005, só foi reconhecida aos 69 anos.

Nascida em 1935 em Araras, interior paulista, Ignez Francisco da Silva, a dona Inah, foi boia-fria na infância. Trabalhou em plantações de café, algodão e laranja, conciliando o trabalho com os estudos.

A cantora Dona Inah durante a abertura da instalação de vídeos do multiartista francês Vincent Moon, realizado no Sesc Pompéia, em São Paulo (SP), em 2013
A cantora Dona Inah durante a abertura da instalação de vídeos do multiartista francês Vincent Moon, no Sesc Pompeia, em São Paulo (SP), em 2013 - Zanone Fraissat/Folhapress

Influenciada pelo pai, que era trompetista, dona Inah começou a cantar cedo. Aos nove anos já se apresentava em festas na cidade e outros eventos.

Quando tinha 19 anos, mudou-se com os pais e os sete irmãos para Santo André (SP). Foi nessa época que ela começou a procurar rádios e programas de calouros para se apresentar. Dona Inah venceu o concurso Peneira Rodini, da Rádio Cultura.

Ela entregou à família o dinheiro do prêmio para ajudar nas contas de casa. A família, à época, já não incentivava mais a busca da jovem pela carreira na arte.

"Ela foi uma pessoa que teve que brigar muito pelo seu espaço. Até meu próprio avô, que a incentivou no começo, não queria que ela cantasse", diz o empresário Daniel Francisco, 56, filho de dona Inah.

Não faltaram dificuldades na vida da artista.

O companheiro e pai da primeira filha de Inah levou a criança embora após o fim do relacionamento.

Entre a segunda metade da década de 1950 e o começo da de 1970, Inah abandonou o sonho de viver de música.

Teve os dois filhos mais velhos com outro companheiro. Agredida, terminou o relacionamento com ele. As crianças foram criadas pela avó devido à falta de condições financeiras de Inah.

Inah teve mais um filho, Daniel, fruto do terceiro relacionamento, e foi abandonada grávida da filha mais nova, que nasceu em Araras quando a cantora trabalhava como empregada doméstica para ter onde morar. A vida na cidade do interior durou pouco.

De volta a São Paulo após, tornou a se relacionar com o pai dos filhos mais novos. Moraram juntos no Paraguai e em Curitiba. Na capital paranaense, foi agredida pelo companheiro e o deixou de vez.

Passou fome vivendo nas ruas com os dois filhos mais novos. "Ninguém recebia uma mulher com dois filhos. Imagina como era naquela época, uma mulher preta com dois filhos. Até hoje me lembro do rosto de uma mulher que nos deu comida", afirma Daniel.

Quando finalmente conseguiu voltar a São Paulo, retomou a carreira. Morou em Santos, Taboão da Serra e em uma comunidade em São Mateus. Para sobreviver, trabalhava de segunda a sexta como empregada doméstica e, aos sábados e domingos, no guarda-volumes de um clube em Taboão da Serra. Nas noites de quinta a domingo, cantava em bares e casas noturnas na capital.

No começo dos anos 1970, reencontrou a filha que havia dado como morta. A criança fora criada pela família paterna.

Ignez Francisco da Silva, a sambista Dona Inah. Foto tirada em 2008
Ignez Francisco da Silva, a sambista Dona Inah, em 2008 - Leandro Moraes/Folhapress

Inah tornou-se alcoólatra nos anos 1980. "Quando recebia bebidas de clientes, ganhava comissão da casa pela bebida que eles compraram para ela", diz Daniel. A artista conseguiu controlar o alcoolismo após uma experiência que quase causou um acidente ao voltar de ônibus, embriagada, para casa.

Em 1982, já mais estruturados, voltaram para Santo André, reencontraram amigos e ficaram mais próximos da família. Ela trabalhou muito tempo cantando em um bar chamado Pedacinho do Céu, no ABC paulista. Foi ali que ela começou a se aproximar do pessoal do chorinho, do samba.

Foi uma década cheia de música, mas que acabou com uma Inah deprimida. "Minha mãe se aproximou da Beira Rio, escola de samba de Mauá. Virou puxadora de samba-enredo dessa escola. Desfilou por três anos consecutivos, mas ficou destruída após a morte da minha irmã mais nova", conta Daniel.

Dalma morreu após participar de um concurso de rainha do Carnaval em 1988. Ao descer do palco, ela encostou em uma cerca eletrificada, recebeu uma descarga elétrica e morreu por parada cardíaca.

Inah conciliou por três anos a música com o segundo emprego como faxineira de um banheiro público em São Caetano do Sul. Ela se aposentou três anos mais tarde.

Pensando em desistir, dona Inah deu uma última chance à vida como artista após ser convidada para cantar no musical Rainha Quelé, uma homenagem à obra de Clementina de Jesus.

A vida mudou. Em 2004, dona Inah lançou seu primeiro álbum "Divino Samba Meu". Foi um sucesso e lhe rendeu o prêmio de artista revelação em 2005. A artista fez turnê na Europa e gravou outros dois álbuns: "Olha Quem Chega" (2008) e "Fonte de Emoção" (2013).

Em 2016, já debilitada pelo Alzheimer, fez o show de encerramento da sua carreira. Desde então viveu em uma clínica, acompanhada pelo companheiro com quem vivia desde os primeiros anos da década de 2000.

Dona Inah morreu no último 8 de agosto de 2022, aos 87 anos. A artista deixa dois filhos, 15 netos, 19 bisnetos, dois tataranetos e companheiro.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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