Descrição de chapéu Obituário João Flávio Cordeiro da Silva (1960 - 2022)

Mortes: Poeta urbano, retratou as ruas e as almas das pessoas

Miró da Muribeca morreu a poucos dias de completar 62 anos; o artista tinha câncer

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São Paulo

João Flávio Cordeiro da Silva virou Miró da Muribeca aos poucos. Miró surgiu nas peladas que jogava num campo de futebol perto da rua Dom Vital, no bairro Santo Amaro, no Recife.

João Flávio torcia pelo Sport Clube do Recife, mas admirava o meia-esquerda, Mirobaldo, atleta do Santa Cruz. Os amigos o apelidaram de Miró devido à semelhança física e no jeito de jogar entre ele e o craque.

Muribeca fica em Jaboatão dos Guararapes, na periferia da Grande Recife. O bairro emprestou o nome à assinatura artística de Miró.

João Flávio Cordeiro da Silva (1960-2022)
João Flávio Cordeiro da Silva (1960-2022) - @mirodamuribeca no instagram

Miró da Muribeca morava com a mãe numa comunidade perto da rua Dom Vital. O endereço era ponto de encontro de artistas locais da música e da poesia, em especial, a casa da família do músico Zeh Rocha.

Lá, Miró desempenhava pequenos serviços domésticos e acompanhava as audições, as conversas e até os ensaios da banda de Zeh Rocha, Flor de Cactus, que tinha Lenine como um dos integrantes.

Foi nesse ambiente cultural rico que Miró se apaixonou por poemas. Maurício Silva, hoje artista plástico, frequentava o local. Foi ele quem o apresentou a esse gênero textual, segundo relata o cientista político e poeta Túlio Velho Barreto, 64.

Miró teve um emprego formal, na Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste). Na autarquia, conheceu Maria do Carmo Barreto Campelo, que após ler alguns poemas o incentivou a escrever.

Ao deixar a Sudene, o artista sobreviveu com o dinheiro da venda dos seus livros —ele os oferecia em locais públicos, nos saraus, bares, nas feiras literárias e escolas.

Nos últimos anos, o escritor e editor Wellington de Melo, amigo e biógrafo de Miró, publicou alguns livros do poeta pela Cepe (Companhia Editora de Pernambuco) e pela editora Mariposa Cartonera. Segundo Túlio, Miró escreveu cerca de 15 livros e ficou conhecido no Brasil e no exterior.

O poeta não conheceu o pai e perdeu a mãe —a pessoa mais importante de sua vida— quando morava em Jaboatão dos Guararapes.

A trajetória de Miró, o poeta das cidades e das ruas, daria um livro. Além do Recife e de Jaboatão dos Guararapes, escreveu parte de sua história em Petrolina (PE), Fortaleza (CE) e São Paulo. O período em que viveu na capital paulista foi tema de um dos seus livros, "São Paulo é Fogo".

Miró escrevia poemas com estrutura mais livre, sem se preocupar com rimas. Baseava-se no cotidiano, com olhar para a periferia. Retratava a vida de pessoas simples, a abordagem e violência policial contra os pretos. Foi um poeta urbano. Miró jamais fez concessões na poesia ou na vida social; se assumiu como preto, pobre e periférico. Seu trabalho poético também servia de denúncia contra a desigualdade social e a violência, segundo Túlio.

"Sempre vi Miró como alguém muito inteligente, atento ao que ocorre ao seu redor, uma pessoa e um poeta humanista, que faz crônica social ou um cronista social que faz poemas sobre o cotidiano das cidades por onde passou e as pessoas que as habitam, porque ali vivem, circulam e trabalham. Um observador das ruas e das 'almas' das pessoas, em especial as mais simples", diz Túlio.

"Ele era uma pessoa boníssima e amorosa, e relativamente tímido, sem que isso tenha impedido de fazer e expor a sua arte. Ou talvez não seja exatamente tímido, mas desconfiado, pelo que a vida já lhe impôs", finaliza o amigo.

Miró morreu dia 31 de julho, aos 61 anos. Em 6 de agosto, faria aniversário. O artista morreu em decorrência de um câncer.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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