Municípios ficam longe de meta para controle de diabetes e hipertensão e perdem verbas

Ministério da Saúde passou a vincular parte dos repasses federais à melhoria dos indicadores e atribui resultado ruim à má gestão

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São Paulo

Só 3% dos municípios brasileiros cumpriram metas para o controle do diabetes e apenas 5% para a hipertensão, condições crônicas que levam à morte mais de 560 mil pessoas por ano no país e à internação outras 6,7 milhões.

A meta era que 50% dos diabéticos tivessem feito exame de hemoglobina glicada ao menos uma vez por ano, mas só 15,8% o fizeram. Entre os hipertensos, o objetivo era que a pressão arterial tivesse sido aferida em metade dos pacientes a cada seis meses, mas só em 22% isso ocorreu.

A cobertura do exame citopatológico (papanicolau), para a prevenção do câncer do colo de útero, também vai mal. A meta era atingir 40% das mulheres entre 25 e 64 anos, mas só chegou à 20,4%. Apenas 4% dos municípios alcançaram a meta estabelecida.

Na vacinação contra a poliomielite e da pentavalente (contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e bactéria haemophilis influenza tipo B), a cobertura atingiu 69% das crianças, ante um objetivo de 95%. Mas só 1% dos municípios tinham atingido essa meta até o fim de abril deste ano. Com a campanha de multivacinação, iniciada em agosto, o cenário melhorou, mas os números ainda não estão consolidados.

Profissional da atenção primária de Embu das Artes (SP) orienta pai sobre cuidado infantil; cidade se queixa da dificuldade em contratar médicos - Divulgação

Os dados se referem ao primeiro quadrimestre de 2022 e são do Previne Brasil, programa do Ministério da Saúde que mudou a lógica de financiamento da atenção primária à saúde. Foram compilados a partir de informações de 5.549 municípios disponíveis no portal e-Gestor, da pasta.

A partir deste ano, uma parte dos repasses federais aos municípios passou a ser calculada de acordo com o desempenho em indicadores e o número de usuários cadastrados e acompanhados na atenção primária do SUS, entre outros.

Os problemas que emperram o cumprimento das metas pelos municípios incluem falhas na inserção de dados de forma correta no sistema do ministério, equipes de saúde da família desfalcadas, falta de recursos, aumento de demandas no pós-pandemia e má gestão.

"Os municípios com gestões mais frágeis estão perdendo dinheiro. Eles não estão dando conta de governar isso [o novo programa] em meio às demandas reprimidas da pandemia, às campanhas de vacinação etc. O programa está causando uma asfixia na atenção básica", diz Érico Vasconcellos, fundador da UniverSaúde, startup que capacita gestores do SUS.

O Ministério da Saúde nega a asfixia. Diz que só uma pequena parte dos recursos, cerca de 20%, está vinculada ao cumprimento de metas e culpa os gestores locais pelo mau desempenho.

Por não terem atingido as metas do programa, os municípios deixaram de receber R$ 85,2 milhões no primeiro quadrimestre deste ano, segundo análise da Impulso Gov, organização sem fins lucrativos que atua fomentando uso de dados e tecnologia no SUS e que criou uma plataforma voltada aos gestores para o acompanhamento das informações do Previne Brasil.

"A quantidade de recursos ao SUS já é baixa, em particular para a atenção primária. E pode piorar [com o não cumprimento das metas do programa]. A gente está exigindo milagres do sistema", diz João Abreu, diretor-executivo da Impulso Gov.

O município de Embu das Artes (SP), por exemplo, deixou de receber R$ 36 mil no primeiro quadrimestre do ano. "Diante de um cenário de recursos federais insuficientes, a perda de qualquer valor é extremamente prejudicial para a assistência dos pacientes", diz a secretária municipal da Saúde, Thaís de Almeida Miana.

Ela critica o Ministério da Saúde por não disponibilizar informações em tempo real sobre a situação de cada município em relação às metas. "A gente só descobre no quinto mês o que aconteceu nos quatro meses anteriores."

Segundo João Abreu, já houve melhora nos indicadores de pré-natal. O objetivo era que 45% das gestantes tivessem feito seis consultas durante a gestação e 60%, recebido cuidados de saúde bucal. O resultado médio passou de 53% e 46% para 60% e 52%, respectivamente. Ainda assim, cerca de seis em cada dez municípios não atingiram a meta para esses indicadores no primeiro quadrimestre.

A resposta positiva nos dados da saúde materna pode ter sido induzida pelos incentivos financeiros (foram os primeiros a entrarem na nova regra de financiamento), mas também é atribuída ao fato de que as gestantes representam um grupo muito menor em relação aos diabéticos e hipertensos.

Para Abreu, porém, os municípios não podem ser responsabilizados pelo baixo desempenho no cumprimento das metas. "A gente percebe o esforço que eles estão fazendo e a agonia dos gestores. Eles sofrem com o subfinanciamento e com a falta um direcionamento do Ministério da Saúde sobre como perseguir essas metas."

Thais Miana, de Embu das Artes, conta que teve que contratar uma empresa privada para orientar a gestão de como alcançar as metas do programa. Entre as ações, o município tem intensificado a busca ativa de pacientes que não vão às UBSs para realizar atendimentos previstos nos indicadores.

Além do aumento da demanda de pacientes crônicos com doenças descontroladas, os municípios também enfrentam dificuldade na contratação de médicos para compor as equipes de ESF [Estratégia de Saúde da Família], que exigem 40 horas de trabalho semanais.

"Os médicos que estão no mercado só querem, infelizmente, dar plantão. E o novo programa Médicos pelo Brasil [lançado para substituir o Mais Médicos] também não consegue nos enviar médicos para compor as equipes. Com isso estamos perdendo financiamento e não conseguindo dar a assistência adequada aos nossos pacientes", diz Miana.

Na opinião de Érico Vasconcellos, o programa federal tem pontos importantes, como a gestão da informação, que possibilita os municípios organizar e gerir a saúde com base em evidências. "Mas muitos gestores, especialmente os indicados pela via político-partidária, não têm condições nenhuma de qualificar o dado para a tomada de decisões."

A Impulso Gov tem oferecido apoio gratuito sobre o Previne Brasil aos gestores públicos por meio de um acordo de cooperação técnica com o Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde). Ao menos 50 prefeituras já usam a ferramenta e há outras 105 na lista de espera. A iniciativa tem apoio financeiro da Umane, uma instituição filantrópica.

Secretário de Atenção Primária responsabiliza gestores

O secretário da Atenção Primária à Saúde, Raphael Câmara Parente, responsabiliza os gestores municipais pelo não cumprimento das metas do Previne Brasil. "Quem está reclamando são gestores incompetentes que não conseguem fazer o mínimo."

Ele diz também que a atenção primária como um todo não perdeu recursos, e que o orçamento passou de R$ 18 bilhões, em 2019, para R$ 26 bilhões, em 2022. O orçamento do Previne Brasil é de R$ 21,9 bilhões.

Os repasses referentes ao cumprimento de metas assistenciais só responde 20% do orçamento do programa, segundo Parente.

O secretário afirma que as queixas dos municípios sobre a dificuldade de contratação de médicos não procedem. "Os municípios que não conseguem contratar médicos ou são muito, muito distantes, ou não estão querendo usar seus recursos na contratação. Não faltam médicos no Brasil."

Parente diz que o Ministério da Saúde ministrou oficinas sobre o programa em 26 estados e que mantém um canal aberto para tirar dúvidas dos municípios.

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