Após as eleições, é possível reatar relações rompidas por política?

Para psicólogos, para que a reconciliação aconteça os dois lados precisam achar vínculos em comum

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São Paulo

É possível retomar relações rompidas por motivos políticos após as eleições? Para especialistas, isso depende da maneira como o vencedor e o perdedor do pleito de domingo (30) vão lidar com os resultados das urnas.

Ou seja, o que deve ajudar a acalmar ou atiçar os ânimos é o comportamento de Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Por exemplo, quem for derrotado vai aceitar o resultado ou vai atacar o processo eleitoral?

Vera Iaconelli, psicanalista e colunista da Folha, lembra que diferenças partidárias não são novidades. Ela considera, porém, que o país viu uma queda no pacto civilizatório desde 2018 —isso sim uma mudança importante. Nessa visão, as diferenças políticas ultrapassaram os limites estabelecidos e invadiram o ambiente doméstico.

Família acompanhando a apuração dos votos em frente a TV com alguns com a camisa do Brasil e outros com Lula.
Carolina Daffara

Enquanto parte das pessoas preferiu manter contato com quem defende o outro lado, muita gente decidiu romper essa ligação. "Toda relação tem questões, mas o grande desafio humano é superar as diferenças e respeitá-las, e é isso que tem sido atacado", diz ela.

Por isso, depois de domingo, a retomada das relações depende da recuperação ou não desse pacto civilizatório. "O futuro depende de qual discurso vai prevalecer: o que prega a não violência ou a eliminação do oposto. A partir daí, cada família vai ver o que nessas relações sobrou para que valha a pena reatar."

Para o psicanalista Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, a expectativa comum é que o derrotado cumprimente o vencedor. "É um gesto muito importante porque tatua que além de quem ganhou e quem perdeu existe um processo comum, existe uma democracia, existe um futuro", afirma ele.

Dunker diz ainda que, independentemente do resultado, deve haver comemoração nas ruas. E isso pode ser recebido como uma afronta por quem perder a disputa, como em um campeonato em que alguns perdem e outros ganham.

Para ele, desde 2018, as relações "melhoraram, mas ao mesmo tempo pioraram". Isso porque algumas pessoas se tornaram uma espécie de mediadores de debates familiares a fim de apaziguar situações e evitar distanciamentos. Mas quem não passou por esse processo, agora, se encontra em uma situação difícil.

"A pessoa fica mais valente, fica mais sem limite e perde ainda mais a noção porque está isolada", diz ele.

Para o professor de vôlei de praia Felipe Domingos Martinelli, 26, discussões políticas passaram a motivar o fim de relacionamentos com familiares, amigos e conhecidos desde 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff (PT).

Apesar de discordar do governo de Jair Bolsonaro (PL) e de todos os ideais, ele afirma que acha que algumas relações têm possibilidade de retornar desde que a pessoa "não faça apologia ao nazifascismo".

Martinelli brigou virtualmente com alguns e de forma presencial com outros, incluindo seu pai —com quem diz já ter feito as pazes.

Ele afirma que tentou dialogar e explicar por que acha que o pai não deveria votar em Bolsonaro, mas, quando viu que não seria compreendido, preferiu se afastar para demonstrar que não "permitiria que alguém ferisse meus princípios". "Nem mesmo meu próprio pai."

Agora, diz acreditar que o pai vai anular o voto no domingo. Afirma também que, apesar do amor entre eles, a relação não é tão natural quanto antigamente. "Nem sei se novamente será um dia", diz. Mas destaca que ambos se esforçam para manter uma boa convivência.

A psicóloga Liliany Souza afirma que relações são construídas com base em interesses mútuos de convivência, similaridade e sentimentos de pertencimento.

Por isso, diz ela, quando alguém rompe uma relação por motivos políticos, isso é um sinal de que não existia mais aspectos em comum que justificassem a convivência. "A retomada é possível se houver outros vínculos que justifiquem essas relações", diz.

Depois do domingo, certos estímulos externos que causam o confronto —como campanhas na TV e discussões em grupos de WhatsApp— devem diminuir. Isso poderia tornar o cenário favorável para a retomada de relações. Porém, muita gente ainda deve seguir discutindo política e levando o tema para o âmbito pessoal, o que dificulta as reconciliações.

Soares destaca que famílias não são perfeitas e que atritos são comuns, mas a maioria reata porque entende que os laços são maiores que um problema. "Tem como criar a possibilidade de vínculos retornarem, talvez não como antes, mas podendo ainda existir."

É o caso da personal trainer Pamela Rodrigues de Aguiar, 32. Segundo ela, a decisão da sua mãe de votar em Bolsonaro foi uma das maiores decepções de sua vida. A matriarca da família também discorda das escolhas políticas da filha. Porém, diz que, apesar das discordâncias e constantes discussões em grupos de WhatsApp, um racha definitivo está fora de cogitação.

"É um terror quando alguém toca nesse assunto, mas temos nossas diferenças. Não ficamos sem nos falar por conta disso", diz ela. "Discutimos, temos nossas diferenças, me decepciona, mas tendo a mandar uma piada."

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