Descrição de chapéu Obituário Ivan Pérsio de Arruda Campos (1962 - 2022)

Mortes: Filho de poeta, abraçou a química desde criança

Ivan Pérsio de Arruda Campos era filho do poeta Haroldo de Campos, morto em 2003

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São Paulo

Existem doutorados e existem DOUTORADOS. O do Ivan era da segunda categoria (não se assuste com o título, não pare de ler): "Estudos sobre a síntese e a fotociclização de adutos de Diels-Alder entre ciclopentadieno e algumas benzoquinonas 2-mono-substituídas".

Reações orgânicas e análises com ressonância magnética nuclear (para desvendar os produtos de sínteses tão complexas) são só alguns dos assuntos apavorantes para pessoas comuns, mas absolutamente triviais para a mente privilegiada de Ivan Pérsio de Arruda Campos, morto no dia 24 de outubro, de um câncer do aparelho digestivo que se disseminou com rapidez.

Ivan era, primordialmente, químico. Mas, essencialmente, um polímata: química orgânica, físico-química, ciência da computação, poesia grega, poesia em latim, a ficção contemporânea de Anthony Burgess, autores medievais ingleses, literatura beatnik, o cinema de Antonioni, a música de Janis Joplin, as letras de Ian Curtis (do Joy Division), o rock gótico dos Sisters of Mercy, a arte performática do Aguilar, o samba de breque de Moreira da Silva.

Ivan Pérsio de Arruda Campos (1962-2022)
Ivan Pérsio de Arruda Campos (1962-2022) - Arquivo pessoal

Ivan transitava entre esses temas como um elétron descrito pelo princípio da incerteza de Heisenberg: quando você achava que ele estava num determinado ponto e tentava detectar sua posição, ele já tinha mudado de lugar, viajando na velocidade da luz.

Entramos no mesmo ano, 1981, no Instituto de Química da USP. Eu, sem saber direito o que estava fazendo lá. Ivan, com 100% de certeza: de tão vocacionado, tinha um laboratório em casa, numa vila em Perdizes, perto da PUC, zona oeste de São Paulo.

Ainda no primeiro semestre de faculdade, trocando ideia sobre assuntos não químicos, um dia ele soltou a bomba: era filho do poeta Haroldo de Campos, e portanto sobrinho do Augusto.

"E você veio fazer química? Tá maluco?"

Maluco estava eu. Por não entender que, ao abraçar a química, Ivan não renegava as humanidades, pelo contrário. Para ele, as diversas áreas do conhecimento formavam um plasma único: reações nucleofílicas caminhavam junto com versos octossílabos; anéis benzênicos podiam ter a beleza de um aqueduto romano.

Síntese orgânica era a praia do Ivan. E a síntese pela síntese. "Faço química pelo prazer estético", me disse uma vez, quando éramos bem jovens. Não se importava se a molécula que construía serviria para alguma coisa; se teria, por exemplo, atividade biológica. Era movido pelo desafio intelectual de chegar a compostos de estrutura intrincada, e depois destrinchá-los pelas análises de ressonância.

Filho único sem filhos, o genial Ivan deixa a mãe, Carmen, a mulher —também química—, Daisy, e muitos, muitos ex-alunos e admiradores.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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