Recenseadores do IBGE enfrentam fake news, recusas e ameaças

Casos dificultam coleta do Censo, que só deve ser concluída em dezembro, segundo instituto

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Rio de Janeiro

Recenseadores relatam casos de desinformação e até ameaças durante a coleta do Censo Demográfico 2022.

Os episódios representam um obstáculo a mais para esses trabalhadores temporários, que já reclamaram da demora na liberação de pagamentos e de valores recebidos em nível abaixo do esperado.

Agente segura equipamento do IBGE durante coleta do Censo em São Paulo - Rubens Cavallari - 18.ago.2022/Folhapress

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), responsável pelo Censo, os agentes vêm encontrando dificuldades para ingressar em prédios e condomínios, especialmente os de renda mais alta.

"Tem pessoas que se recusam a receber os recenseadores. Associam o Censo à política, a golpes. Isso dificulta nosso trabalho, apesar de estarmos identificados", afirma a recenseadora Paula Fonseca, 45, do Rio de Janeiro.

A trabalhadora afirma que, em um condomínio, só conseguiu iniciar a coleta dos dados quando foi ao local pela quarta vez. Situações assim atrasam a evolução da pesquisa.

O trabalho dos recenseadores também está sujeito a riscos. Fonseca menciona que, ao recensear uma comunidade, um morador ameaçou jogar água quente nela após se recusar a responder ao questionário.

Relatos de ameaças e outras dificuldades vêm sendo compartilhados por recenseadores em grupos de WhatsApp ao longo da coleta do Censo, que começou em 1º de agosto.

"A maior recusa é nos condomínios com portaria. O povo fica assustado", diz o recenseador Plínio Loiola Arraes, 49, que atua em Salvador.

"Às vezes, a pessoa não sabe nem o que é o IBGE. Aí temos de desatar esse nó", afirma.

O instituto anunciou na semana passada que a coleta do Censo só deve ser concluída no começo de dezembro. Isso significa um atraso em relação ao plano inicial, que era finalizar as entrevistas até outubro.

No sábado (8), o IBGE fez uma mobilização para estimular a população a responder ao Censo. Equipes do instituto tiraram dúvidas sobre a pesquisa em pontos de capitais como praças, parques e shoppings. Novas ações estão sendo planejadas, indicou o órgão.

Questionado sobre as recusas em locais como condomínios, o IBGE afirmou que "não falta informação" sobre o Censo. O instituto associa os entraves a questões como o "receio" da população, em geral, e a "disposição de não responder", em particular.

"Por isso o IBGE reinveste permanentemente esforços de esclarecimentos sobre a identificação do(a) recenseador(a) e sobre a importância do Censo para o país, para a sociedade, para as comunidades", disse o órgão.

A recenseadora Gabriela de Souza Bittencourt, 36, de Nova Iguaçu (RJ), na Baixada Fluminense, também vem sentindo algumas dificuldades no trabalho.

Na visão dela, parte das pessoas desconhece a função do Censo. "Tem também a atitude das pessoas, daquelas que são mais rudes", afirma.

A recenseadora avalia que o clima de polarização política durante a corrida eleitoral é mais um dos fatores que atrapalham o avanço das entrevistas.

"Estava trabalhando em um setor, e do outro lado da rua o pessoal estava se questionando, senhoras dizendo que o Censo era uma pesquisa para induzir o voto das pessoas", conta.

O levantamento do IBGE representa, na verdade, o trabalho mais detalhado sobre as características demográficas e socioeconômicas da população brasileira. A intenção é visitar os cerca de 75 milhões de domicílios espalhados pelo país.

Nas redes sociais, o instituto tem procurado desmentir ataques à pesquisa. O órgão destaca que a legislação determina a obrigatoriedade de responder ao Censo e também garante o sigilo das informações prestadas com fins estatísticos.

Os dados apurados funcionam como base para uma série de políticas públicas. As estatísticas balizam, por exemplo, os repasses do FPM (Fundo de Participação dos Municípios), fonte de recursos das prefeituras.

Até o início da semana passada, 2,27% dos domicílios tinham recusado respostas ao Censo, conforme balanço divulgado pelo IBGE. O órgão indicou na ocasião que esperava reduzir o percentual após a aplicação de protocolos de insistência.

No caso dos prédios e condomínios que se recusam a abrir as portas para os recenseadores, uma das estratégias previstas inclui a entrega de e-ticket e carta explicativa sobre a necessidade de respostas aos questionários.

Se mesmo assim não houver autorização, o instituto planeja a busca de mandados judiciais para garantir o ingresso das equipes nos endereços.

Em áreas de risco, o órgão aposta em parcerias com lideranças das comunidades. O trabalho nesses locais não foi apontado como uma das principais dificuldades no momento.

Até o início da semana passada, os estados com as maiores taxas de recusa foram Rio de Janeiro (3,75%), São Paulo (3,74%) e Roraima (3,64%). Paraíba (0,90%), Piauí (1,08%) e Rio Grande do Norte (1,25%) registraram as menores.

O instituto associa o atraso do Censo à falta de recenseadores em parte do país, além do impacto das recusas. No início da semana passada, o órgão contava com 95,4 mil trabalhadores em ação, o equivalente a apenas 52,2% do total de vagas disponíveis.

O IBGE foi alvo de críticas de recenseadores em razão da demora na liberação de auxílios e de pagamentos em patamar inferior ao esperado na fase inicial da pesquisa. A situação gerou protestos, ameaças de greve e desistências de trabalhadores.

Lucas Ferreira, 32, de Salvador, faz parte do grupo que deixou a pesquisa. Insatisfeito com as condições de trabalho e a remuneração na fase inicial do levantamento, ele pediu demissão em setembro, antes de concluir seu primeiro setor censitário –divisão das áreas urbanas e rurais do território. A experiência rendeu em torno de R$ 500, segundo ele.

"Via o Censo como possibilidade de renda extra", diz. "Ouvi diversos relatos de ameaças a recenseadores, mas felizmente não sofri nenhum tipo."

Em mais de uma ocasião, o IBGE argumentou que os atrasos em pagamentos foram superados. Na semana passada, o instituto prometeu incentivos para deixar as taxas mais atrativas para os recenseadores.

O instituto ainda afirma que não tem um balanço nacional sobre ocorrências policiais envolvendo recenseadores. "A recomendação geral do IBGE aos recenseadores é inicialmente registrar em delegacia um boletim de ocorrência e comunicar ao coordenador ou ao supervisor para as providências cabíveis", diz.

"Cabe ressaltar que episódios de agressão ou hostilidade não são problemas somente no Censo, são problemas em vários setores da sociedade: ocorrem contra pesquisadores eleitorais, contra jornalistas, contra parentes, contra vizinhos e até contra esposas", completa.

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