Comissão de Agricultura do Senado adia análise de PL do Veneno

Contrário à proposta, PT ficou em saia justa com apoio de integrantes do grupo de transição

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Brasília

A CRA (Comissão de Agricultura e Reforma Agrária) do Senado adiou para a próxima terça-feira (29) a votação do chamado PL do Veneno, projeto que flexibiliza as regras para autorização ao uso de agrotóxicos no país.

A equipe de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), informou horas depois que vai tomar uma posição sobre o tema também até terça. Os senadores do partido sempre se manifestaram contrariamente ao conteúdo do projeto de lei, mas o grupo técnico da transição que trata do tema contém diversos representantes da bancada ruralista.

Prioridade do governo de Jair Bolsonaro (PL), o PL amplia o poder do Ministério da Agricultura para licenciar agrotóxicos e esvazia as atribuições da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

O pedido de vista coletivo foi apresentado na sessão desta quinta-feira (24) pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) e endossado pelo líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PT-PA). Contrário ao texto, o PT ficou em uma saia justa com a inclusão do PL na pauta e ao apoio de integrantes do governo de transição.

Placa sinaliza o uso de agrotóxico em plantação de milho próximo à APA (Área de Proteção Ambiental) Nascentes do rio Paraguai, onde nasce o rio Paraguai
Placa sinaliza o uso de agrotóxico em plantação de milho próximo à APA (Área de Proteção Ambiental) Nascentes do rio Paraguai, onde nasce o rio Paraguai - 6.mar.2021 - Lalo de Almeida/Folhapress

O relator do texto é o presidente da comissão, senador Acir Gurgacz (PDT-RO). Gurgacz foi convidado para participar da equipe de transição no grupo de infraestrutura e teve a nomeação publicada em edição extra do Diário Oficial da União nesta quarta (23). O relatório do senador é favorável à aprovação.

O senador esteve nesta quinta-feira (24) na sede do governo de transição, o Centro Cultural Banco do Brasil.

Outro defensor do PL é o senador Carlos Fávaro (PSD-MT), um dos principais aliados do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na área, e nome cotado para o Ministério da Agricultura. Fávaro também é um dos coordenadores do grupo de agricultura da transição. O senador saiu em defesa do texto na sessão desta quarta.

"O objetivo é, cada vez mais, estarmos preocupados com uma produção sustentável, eficiente. Benéfica não só para o meio ambiente. Temos que entender por sustentabilidade o tripé da sustentabilidade, que passa pelo econômico. [É preciso] Viabilizar o aspecto econômico. Baratear o custo de produção é fundamental", disse Fávaro.

"[O projeto] está facilitando, por exemplo, o uso de biológicos, que barateiam o custo de produção, são seletivos, biodegradáveis. Muito mais eficiente. Eu também não quero usar produtos organofosforados, cancerígenos. Nem para mim nem para os meus colaboradores e muito menos para a população brasileira e mundial, que vai consumir esses alimentos."

O líder da bancada petista, Paulo Rocha, afirmou que o partido está preocupado com "a questão ambiental" e com "a saúde pública". "Ninguém pode esconder e isso nos chama a atenção: foi no atual governo que se escancarou a porta para essa questão dos agrotóxicos. Liberou geral. Então é essa a nossa preocupação."

Ao deixar o Centro Cultural Banco do Brasil, sede do governo provisório, a senadora licenciada Kátia Abreu (PP-TO), que também integra o grupo técnico da Agricultura, afirmou que uma posição da equipe de transição de Lula será tomada até terça.

"Nós não discutimos ainda esse PL nessas últimas duas ou três reuniões. Mas já ficou marcado, agendado para a reunião de amanhã até terça-feira nós darmos também a nossa posição também com relação a esse PL. Ainda temos um outro PL sob minha relatoria, que é o do licenciamento ambiental, que eu pretendo me esforçar bastante para entregar esse relatório antes do recesso parlamentar", afirmou a senadora.

Em outra questão polêmica, Kátia afirmou que o grupo técnico defende que as questões relativas à pesca fiquem sob responsabilidade do Ministério da Agricultura e não em uma pasta separada. A proposta será apresentada a Lula.

Gurgacz afirmou que uma nova sessão será marcada para terça-feira. "Anuncio que na próxima terça-feira nós teremos novamente a nossa sessão para a votação desta matéria. A vista coletiva pode ser de 30 minutos a cinco dias. Não vamos exercer os 30 minutos porque eu acho que seria um desrespeito aos nossos colegas", disse.

"Vamos ter um prazo até terça-feira para que a gente possa fazer a votação em definitivo. Não poderemos mais pedir vista, já foi lido o relatório e agora só discussão e votação. E cada um vai dar o seu voto. A democracia é dessa forma."

Dentre outros pontos, o PL do Veneno substitui o termo "agrotóxico" na legislação por "pesticida", e fixa o prazo para obtenção do registro desses produtos. O projeto também prevê licenças temporárias caso o prazo não seja cumprido pelos órgãos competentes.

"Hoje demora-se, em média, 8 ou até 10 anos para a autorização de um novo princípio ativo. É um tempo muito longo para produtos mais modernos, seguros e eficazes entrarem no mercado. A nova lei prevê um prazo máximo de dois anos para que um novo produto seja analisado", disse o relator.

Como mostrou a Folha, o PL do Veneno é a principal proposta do pacote apelidado por ambientalistas de "boiadinhas". O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), enviou o projeto apenas para a CRA, dominada por ruralistas, e decidiu ignorar a análise da CMA (Comissão de Meio Ambiente) e da CAS (Comissão de Assuntos Sociais).

O texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados em fevereiro por 301 votos a 150. Se for aprovado pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado, o PL vai ao plenário.

A ex-ministra do Meio Ambiente e deputada federal eleita Marina Silva (Rede-SP) usou as redes sociais para criticar o texto nesta quinta. Marina foi uma das principais apoiadoras de Lula no segundo turno e também está cotada para assumir algum posto importante no novo governo.

"Aprovar o PL do Veneno, na pauta da Comissão da Agricultura do Senado, revogando a proteção legal contra elementos cancerígenos ou que causem mutação genética, excluindo Anvisa e Ibama do processo de registro, significa um ataque direto à saúde da população e meio ambiente", escreveu.

Uma análise feita pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) em 2018 apontou que a alteração promove um "desmonte do [atual] sistema de regulação tríplice".

Segundo a instituição, o modelo minimiza a possibilidade de as agências "agirem para atender exclusivamente" aos interesses econômicos do setor.

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