Descrição de chapéu Dias Melhores

Crochê 'chavoso' vira renda para jovens da periferia de SP

Homens produzem bonés e outros acessórios que se destacam em desfiles e chegam a exposição de arte

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Belo Horizonte

Quando o coletivo Artesanato Chave participa de eventos de arte ou empreendedorismo, reações de estranheza não são incomuns diante da presença dos integrantes do grupo.

"Homens fazendo crochê com esse naipe, roupa larga, de [óculos] Juliet na cara, boné de crochê. Teve uma mulher que falou que a gente parecia MC", brinca o artesão Diego Henrique Domingos, 34.

quatro homens com toucas de crochê posam para foto
Da esquerda para a direita, Diego Henrique, Matheus Rodrigues, Vitor Siqueira e Rafael Estevão, do coletivo Artesanato Chave, em retrato feito na SPFW - Bruno Santos/ Folhapress

O primeiro contato de Domingos com o crochê aconteceu dentro do sistema prisional, há 14 anos. Ver um colega com um boné feito com a técnica despertou sua curiosidade e o desejo de aprendê-la.

"Meu irmão vendia meus bonés na rua para me ajudar dentro da prisão e ele comprou até um carro com os que eu havia mandado na época. Agora tá dando certo e é a minha principal fonte de renda", conta.

Sua primeira agulha foi improvisada com uma pilha e um prego. Em liberdade e portando instrumentos mais adequados em mãos, o artesão estima ter confeccionado 340 bonés nos últimos dois anos.

Ao lado de Vitor Siqueira, Rafael Estevão e Matheus Rodrigues, o coletivo produz bonés, roupas e outros acessórios de crochê, cada um ao seu próprio estilo.

O grupo se uniu em 2022 e cada um dos jovens tem uma relação diferente com a técnica, que acabou se tornando a principal fonte de renda de todos eles, como é o caso de Siqueira, 22.

Há quatro anos, ele aprendeu os pontos tradicionais do crochê com um vizinho artesão, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, e não parou de produzir e aprimorar suas habilidades desde então.

retrato de quatro homens jovens com bonés e mochila feitos de crochê
Redes sociais são usadas para difundir o crochê chavoso; participantes usam espaço para mostrar produções e compartilhar gráficos e modelos - Bruno Santos/ Folhapress

Começou vendendo no bairro e criou a sua marca Crochê de Vilão em 2020. No perfil do Instagram, que conta com quase 20 mil seguidores, recebe encomendas de todo Brasil.

Os modelos que trazem diferentes estampas e desenhos são vendidos por no mínimo R$ 200. "A produção é relativa porque tem mês que é mais forte, tem mês que é mais fraco. Quando a gente tá com a mente boa, trabalhando certinho, uns 20 bonés no mês sai", diz Siqueira, que prioriza desenvolver artes autorais e exclusivas.

Por se tratar de um movimento de expressão periférica, com a maioria dos seus artesão homens negros, o coletivo ainda enfrenta preconceito em muitas situações.

"A polícia mesmo via e já falava que era coisa de ex-presidiário, de cadeia. Isso desanima muitos artesãos", conta Diego Domingos. Mas parcerias entre artistas e outras instituições contribuem no combate a esse estigma, como destaca Matheus Rodrigues, 27.

"Nosso movimento é de valorização interna e de defesa de nossa estética também, porque não faz sentido a galera daqui, que cria o boné, ser criminalizada e associada com facção criminosa enquanto marcas de fora estão vendendo os bonés a valores caros pra caramba", diz.

Segundo Rodrigues, houve destaque para o trabalho com a popularização dos bonés de crochê em países da Europa e a participação do acessório em desfiles de moda, como na São Paulo Fashion Week (SPFW), evento no qual o coletivo participa pela terceira vez, apadrinhado pelo designer pernambucano Gustavo Silvestre.

Além de item de vestuário, o artesanato "chavoso" vem ganhando espaço no mundo da arte: o trabalho do Crochê de Vilão integra a exposição Flávio de Carvalho Experimental, mostra que homenageia o artista modernista e segue em cartaz no Sesc Pompeia até janeiro de 2023.

"É a primeira vez de um boné de crochê dentro de uma exposição. É muito gratificante poder estar representando esse movimento que tá crescendo cada vez mais", diz Siqueira.

Desde a década de 1990, ele cita a força do movimento. "Mas agora as pessoas estão tendo essa valorização do nosso trabalho. Eu lido com isso como uma conquista. É uma arte diferente, que merece reconhecimento."

Ao promover encontros do Artesanato Chave, o coletivo incentiva a troca de receitas, materiais e experiências.

O escambo não fica restrito às reuniões presenciais: as redes sociais, especialmente o Facebook, é um dos aliados na difusão do crochê "chavoso", e um grupo administrado por Rafael Estevão tem mais de 200 mil participantes que aproveitam o espaço para mostrar suas produções e compartilhar gráficos e modelos.

O artesão observava as mulheres da família fazendo crochê, mas nunca quis se aproximar. Dentro do sistema penitenciário aprendeu técnicas de amigurumi e tapeçaria e, desde 2020, tenta ganhar a vida com o artesanato chave. Só não quer que as técnicas que aprendeu fiquem restritas às suas próprias criações.

"Desde o começo foi novidade pra mim e pra minha família. Vi que os crochês que os caras faziam eram magníficos mesmo. Eu me apaixonei e de lá pra cá venho fazendo crochê", afirma ele.

"Cada um tem seu diferencial e respeita o trampo da gente e do parceiro. É muito importante ter essa ciência de que nosso trabalho é valioso e não tem preço, né, mano?"

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