Transição quer fim do porte de trânsito de CACs e barrar pistola 9 mm

Equipe de Lula também pretende adotar QR Code para fiscalização em clubes de tiro

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Brasília

O grupo da Justiça e Segurança Pública no governo de transição quer acabar com o porte de trânsito de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores), barrar a compra de pistolas 9 mm e criar um QR Code para fiscalizar em clube de tiro.

O porte de trânsito autoriza o CAC a andar com a arma municiada do local de guarda até o clube de tiro ou de caça. Na visão de pessoas que participam das discussões, a normativa virou um porte de armas camuflado.

Como a Folha revelou, os CACs têm aproveitado os decretos armamentistas para andarem armados mesmo quando não estão a caminho dos locais de prática de tiro ou caça. Há casos de pessoas flagradas com a arma trabalhando em outro estado, após uso de bebida alcoólica ou com droga.

O TCU (Tribunal de Contas da União) já havia classificado essa flexibilização de indevida porque descumpre orientações contidas no Estatuto do Desarmamento.

Homem efetua disparo em clube de tiro em São Paulo - Carla Carniel 28.jul.22/Reuters

A intenção do grupo é propor o transporte da arma desmuniciada mediante a emissão de uma guia de tráfego, documento de responsabilidade do Exército. Entretanto, ainda não há detalhes se o documento precisaria ser emitido a cada ida do CAC ao clube de tiro, por exemplo.

"O porte de trânsito foi a principal concessão feita que fez explodir o interesse de registro no Exército. Todo tipo de pessoa que tinha interesse em andar armada achou ali o caminho para realizar este desejo", destacou Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz.

O governo Bolsonaro já editou 17 decretos, 19 portarias, duas resoluções, três instruções normativas e dois projetos de lei que flexibilizam as regras de acesso a armas e munições. Os CACs têm sido os principais beneficiados e já há mais de 1 milhão de armas nas mãos do grupo.

Barrar a política armamentista construída durante o governo Bolsonaro foi promessa de campanha do presidente eleito. Segundo Lula, a prioridade é ter "menos armas e mais livros" para a população, além do combate à fome e o do endividamento da população.

O senador eleito e integrante do governo de transição Flávio Dino (PSB-MA) já disse que a revogação dos decretos de armas é um "escopo principal" do grupo técnico de Justiça e Segurança Pública.

Dino afirmou que armas de grosso calibre, liberadas pelos decretos de Bolsonaro, poderão ser recolhidas e que a posse permitida pelas normas em vigor não representa um direito adquirido.

Segundo Marco Aurélio de Carvalho, um dos coordenadores do grupo de Justiça e Segurança Pública e que lidera a discussão sobre armas na equipe, a intenção do futuro governo é propor mudanças de forma gradual, ouvindo diversos atores para a formulação das políticas públicas.

"A gente não quer restringir que uma pessoa que se sinta ameaçada deixe de ter arma, não há a intenção de tirar a arma da pessoa que vive na propriedade rural, entretanto, não faz sentido liberar um fuzil para a pessoa se defender", disse.

O grupo também quer barrar a compra da pistola 9 mm, arma usada pelas forças de segurança. O modelo explodiu nas mãos do cidadão comum e de CACs devido à política armamentista der Bolsonaro.

A Folha já havia mostrado que o número de novas pistolas liberadas pela Polícia Federal cresceu 170%. Foram contabilizados 108 mil novos registros de pistola no ano passado, contra 40 mil em 2018, antes do atual governo.

Entretanto, esse tema ainda não é consenso no grupo da Justiça e Segurança Pública. O advogado Marco Aurélio de Carvalho solicitou a elaboração de um estudo de comparação dessa arma com outros modelos para sugerir ao grupo uma proposta para o relatório final.

O grupo busca construir um consenso ouvindo parlamentares, forças de segurança e instituições que são referência no assunto, como o Instituto Sou da Paz, Instituto Igarapé e Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Uma pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha mostra que 63% da população considera que pessoas comuns não poderiam ter acesso a armas iguais ou mais potentes que a de policiais.

"Quando a pistola 9 mm se tornou de calibre permitido, com acesso ao cidadão, ela rapidamente se tornou a mais vendida no país, tirando um lugar que historicamente sempre foi de revólveres", disse Roberto Uchôa, policial federal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

"Se o novo governo decidir tornar esse calibre novamente restrito, será um desafio decidir o que fazer com as milhares de pistolas que entraram em circulação."

Como a Folha já havia antecipado, a ideia também é barrar a compra de qualquer calibre de fuzil, arma autorizada para CACs durante o governo Bolsonaro.

Técnicos do grupo ouvidos pela reportagem disseram que existe a intenção de haver controle mais rígido das armas em circulação. Uma proposta que está sendo estudada é a criação de um QR Code para ler o certificado de registro de arma de fogo e o de registro do CAC para a comprovação de frequência em clube de tiro.

A frequência mínima do CAC num clube de tiro já é uma exigência do Exército para que a pessoa se mantenha na atividade. No entanto, hoje é fácil burlar a norma tendo em vista que, na maioria das vezes, o controle é feio no papel.

A leitura do grupo é que há um descontrole sobre a circulação de armas no país. Dados do Exército apontam que passou de 32 armas por mês em 2015 para 112 armas por mês em 2022 desviadas de CACs.

A Folha revelou que um membro da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) conseguiu obter o certificado de registro de CAC no Exército mesmo tendo uma ficha corrida com 16 processos criminais, incluindo cinco indiciamentos por crimes como homicídio qualificado e tráfico de drogas.

Algumas propostas da transição para a política de armas no Brasil

Revogação de normas

A intenção é revogar as normas publicadas durante o governo Bolsonaro, entre elas portarias e decretos

Uso restrito de arma

A intenção é que armas, como fuzil, carabina e pistola 9 mm, voltem a ser de uso restrito das forças de segurança

Porte de trânsito

Acabar com o porte de trânsito, autorização concedida a CAC para carregar a arma municiada do local de guarda até o clube de tiro

Efetiva necessidade

PF deve voltar a exigir que para se ter posse ou porte de arma seja comprovada a efetiva necessidade

Secretaria de armas

Há a discussão de se criar uma secretaria voltada ao tema de armas no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública

Atiradores divididos em níveis

Os atiradores devem voltar a ser divididos em três níveis. O maior nível é aquele que participa de campeonatos nacionais e pode comprar uma quantidade maior de armas

Fiscalização mais efetiva

Aprimorar a fiscalização de armas em circulação, clubes de tiros e lojas de armas. Entre as medidas, há a intenção de criar um QRCode nos clubes de tiro para comprovar a frequência dos CACs

Integração de banco de dados

A intenção é integrar o banco de dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Exército e Polícia Federal. Assim, todas as forças de segurança terão acesso aos bancos de dados para facilitar a investigação

Certificado de registro de arma

No governo Bolsonaro o certificado de registro de arma de fogo passou de 5 para 10 anos. A discussão é que esse prazo seja reduzido para o cidadão comum e para o CAC

Compra de armas

Criação de um programa em que o Estado compra do indivíduo armas que estejam acima do quantitativo permitido por lei. Essas armas devem ser usadas pelas forças de segurança

Redução da quantidade de armas

O grupo estuda reduzir o número de armas que os CACs podem adquirir. Atualmente, eles podem ter 60 armas e 180 mil munições ao ano

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