Descrição de chapéu Folhajus

Último indulto de Natal de Bolsonaro perdoa policiais envolvidos no massacre do Carandiru

PMs foram condenados pelo assassinato de 77 presos em 1992 e corriam risco de serem presos em janeiro de 2023

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Brasília e São Paulo

O último indulto natalino assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), publicado nesta sexta-feira (23) no Diário Oficial da União, tem um artigo inédito que concede perdão a todos os policiais militares condenados pelo massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, em São Paulo.

Embora não cite nominalmente nenhum dos PMs, como ocorreu no caso do deputado Daniel Silveira (PTB), o texto do artigo descreve circunstâncias particulares que se encaixam perfeitamente na situação dos 74 condenados pelo assassinato de presos em outubro de 1992.

"Será concedido indulto natalino também aos agentes públicos que [...], no exercício da sua função ou em decorrência dela, tenham sido condenados, ainda que provisoriamente, por fato praticado há mais de trinta anos, contados da data de publicação deste Decreto, e não considerado hediondo no momento de sua prática", diz o artigo 6º, inexistente nos indultos anteriores.

Policiais chegam à Casa de Detenção de São Paulo, no Carandiru, zona norte paulistana, para conter rebelião em 2 de outubro de 1992 - Eder Chiodetto/Folhapress

Para procuradores e desembargadores ouvidos pela Folha, não há dúvidas de ser algo dirigido aos policiais do Carandiru, até porque os homicídios dolosos foram considerados crimes hediondos, como prevê o texto, em 1994, e as mortes decorrentes à invasão ao presídio ocorreram em 1992. Além disso, todos estavam de serviço —e, assim, em decorrência da função— e o caso ultrapassa os 30 anos citados.

Por ter tanta especificidade, ainda segundo eles, o indulto é passível de ser contestado judicialmente quanto à sua constitucionalidade. "Quem dirá se é constitucional ou não é o STF, mas seguramente o MP [Ministério Público] fará [o questionamento]", disse o procurador Maurício Ribeiro Lopes, que atua no caso.

Para ele, o decreto é extremamente casuísta, fere o princípio da impessoalidade da lei e pode ser questionado por Promotoria, partidos políticos ou a OAB. "Da forma como esse governo tratou questões de segurança pública e de Justiça, não estou nada surpreso de isso ter acontecido", avaliou o procurador.

Eliezer Pereira Martins, advogado que defende os policiais, disse não ter dúvidas da abrangência do indulto e, com base nisso, vai pedir o trancamento da ação criminal contra os PMs.

"Não há o que comemorar. Meus clientes também são vítimas da política de Estado da época. Estão felizes, porquanto isso apenas os poupa das penas privativas de liberdade no final da vida, mas ainda sofrerão com os efeitos mantidos", afirmou o defensor.

O indulto presidencial era uma das últimas esperanças que restavam aos policiais condenados pelo massacre, pois o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o STF (Supremo Tribunal Federal) já haviam analisado os recursos dos policiais e decidido pelo trânsito em julgado (quando há decisão definitiva). Restava ao Tribunal de Justiça de São Paulo analisar as penas para avaliar se estão ou não adequadas.

Isso deveria acontecer em janeiro de 2023, após pedido de vista pelo desembargador Edison Brandão, terceiro julgador do processo, que afirmou precisar de um prazo maior para analisar a dosimetria (cálculo do tamanho das penas impostas).

Agora, segundo a Folha apurou, os magistrados da 4ª Câmara Criminal, responsáveis pelo julgamento do caso, devem se reunir para discutir os efeitos do decreto presencial –se vão julgar as penas ou não.

Os policiais corriam risco de prisão imediata depois da análise das penas, porque não há mais recursos cabíveis ao tribunais superiores, segundo promotores e desembargadores ouvidos pela Folha.

Os policiais foram condenados a penas que variam de 48 a 624 anos. As condenações se referem a 77 assassinatos com armas de fogo. A Promotoria excluiu 34 vítimas do total porque havia dúvida se elas foram alvo de PMs ou atacadas pelos próprios presos, como aquelas feridas por arma branca (instrumento que possa cortar ou perfurar).

Sessão da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo que, em 2016, anulou os julgamentos do Massacre do Carandiru - Rovena Rosa/Agência Brasil

A advogada criminalista Priscila Pamela Santos é mais pessimista, apesar de também discordar do indulto. "Da outra vez que houve discussão sobre o indulto, o STF já se manifestou por constitucionalidade porque é ato discricionário do Presidente da República. Ele pode incluir todas as condicionantes que entender."

Ela se refere ao indulto concedido pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) em 2017, que reduziu o tempo de cumprimento de pena de pessoas condenadas por crimes de colarinho-branco.

As sentenças condenatórias haviam sido anuladas em 2016 pelos desembargadores Ivan Sartori, Camilo Léllis e Edison Brandão, que mandaram realizar novos julgamentos.

"Não houve massacre. Houve obediência hierárquica. Houve legítima defesa. Houve estrito cumprimento do dever legal. Agora, não nego que, dentre eles, possa ter existido algum assassino", afirmou Sartori, durante a sessão. Hoje aposentado, ele virou político ligado à corrente bolsonarista.

De acordo com a defesa, dos 74 policiais condenados, cinco morreram durante o processo. Os 69 ainda vivos estão aposentados e com idade média superior aos 60 anos, segundo o advogado. Além da redução das penas, a defesa pede à Justiça que o cumprimento delas seja em prisão domiciliar.

O indulto presidencial não é a única possibilidade de perdão para os policiais envolvidos no massacre.

A Câmara dos Deputados analisa um projeto que pode ter o mesmo efeito. O texto foi aprovado na Comissão de Segurança em agosto deste ano.

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