Descrição de chapéu Folhajus yanomami

Barroso ordena investigação de suspeitas de genocídio indígena por membros da gestão Bolsonaro

Ministro do STF fez determinação à Procuradoria-Geral da República, Ministério Público Militar e Ministério da Justiça

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Brasília

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou que a PGR (Procuradoria-Geral da República) investigue suspeitas da prática de genocídio e de outros crimes por parte de autoridades do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), devido à situação enfrentada pela comunidade yanomami.

A crise sanitária na região levou o Ministério da Saúde a decretar estado de emergência no último dia 20.

A ordem de Barroso também foi dada ao Ministério Público Militar, ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e à Superintendência Regional da Polícia Federal de Roraima.

Além de genocídio, ele manda que os órgãos apurem supostos crimes de desobediência, de quebra de segredo de Justiça e de delitos ambientais relacionados à vida, à saúde e à segurança de diversas comunidades indígenas.

Mulher yanomami com malária é carregada no colo por técnico de enfermagem - Lalo de Almeida - 29.jan.2023/Folhapress

A menção a genocídio já havia sido feita pelo ministro da Justiça do governo Lula, Flávio Dino, no último dia 23.

"Há indícios fortíssimos de materialidade do crime de genocídio, é disso que se cuida, e as penas podem chegar até a 30 anos", afirmou Dino a jornalistas em Brasília.

O crime de genocídio foi definido em convenção da ONU em 1948 como a "intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal".

Algumas condutas configuram esse crime, como matar membros do grupo, causar lesão grave à integridade física ou mental a eles, submeter o grupo intencionalmente à "condição de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial", entre outros.

A convenção da ONU passou a valer no Brasil em 1952 e, quatro anos depois, o então presidente Juscelino Kubitschek sancionou a lei a respeito do crime.

Sua primeira e única aplicação no Brasil ocorreu sobre um crime de 1993, também contra yanomamis. O episódio, conhecido como massacre do Haximu, deixou 12 indígenas mortos na serra da Parima, região de Roraima próxima à fronteira da Venezuela.

A decisão de Barroso foi tomada em uma ação que tramita em sigilo. O ministro cita documentos que "sugerem um quadro de absoluta insegurança dos povos indígenas envolvidos, bem como a ocorrência de ação ou omissão, parcial ou total, por parte de autoridades federais, agravando tal situação".

De acordo com Barroso, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que foi preso após os ataques de golpistas aliados a Bolsonaro ao Supremo, publicou em Diário Oficial a data e o local de operação sigilosa de intervenção em terra indígena.

Ele diz, ainda, que a coordenação de operações de fiscalização do Ibama também divulgou, em email dirigido aos servidores da instituição, a data e o local da operação.

Além disso, afirma que há indícios de que a Operação Jacareacanga, pela FAB, foi alterada e permitiu o alerta a garimpeiros e quebra de sigilo, o que comprometeu a efetividade da medida.

Barroso diz que tornou a decisão pública "tendo em vista a necessidade de que a sociedade tenha conhecimento das providências adotadas pelo Supremo Tribunal Federal sobre a questão" e também "da possível participação de autoridades do governo Jair Bolsonaro".

Os documentos e informações contidos na ação, porém, continuam sob sigilo.

Desde 2020, o ministro do STF é responsável por ações que tratam de questões relacionadas a indígenas. Ele é o relator de uma ação apresentada pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) sobre a proteção a essas comunidades durante a pandemia da Covid-19.

Nessa ação, Barroso também determinou nesta segunda-feira (30) a retirada de todos os garimpeiros das terras indígenas yanomami, karipuna, uru-eu-wau-wau, kayapó, arariboia, mundurucu e trincheira bacajá.

Na decisão, Barroso ordena que sejam priorizadas as áreas em situação mais grave. "A estratégia anteriormente adotada, de 'sufocamento' da logística de tais garimpos, não produziu efeitos, se é que foi implementada", afirmou o ministro.

"[Os relatos sobre os yanomamis] indicam a ocorrência de uma tragédia humanitária e ambiental de grandes proporções; o manifesto descumprimento das decisões desta Corte por parte da União (Governo
Jair Bolsonaro); [e] a utilização de escusas orçamentárias para tais fins", disse Barroso.

"Verifica-se, igualmente, a violação do núcleo essencial dos direitos fundamentais à vida, à saúde e à segurança dos Povos Indígenas, assim como do direito fundamental de todos os brasileiros e demais integrantes da natureza a um meio ambiente saudável."

O ministro do STF também determinou que a PGR seja informada do conteúdo integral do processo, para a apuração de eventual crime de desobediência por parte das autoridades envolvidas.

Ele também ministro deu prazo de 30 dias para que a União apresente um diagnóstico da situação das comunidades indígenas.

Deve ser feito um planejamento e apresentado um cronograma de execução das decisões pendentes de cumprimento.

Também nesta segunda (30), o MPF (Ministério Público Federal) anunciou que vai instaurar um inquérito para apurar se houve omissão do Estado brasileiro na crise humanitária e sanitária que assola os yanomamis. O objetivo da apuração é investigar como ações —ou a falta delas— de gestores e políticos podem ter contribuído com a situação.

Em nota, a Procuradoria da República em Roraima afirma que há evidências de falta de assistência à saúde e de enfrentamento a invasões, segundo apurações já em curso no órgão.

"Tal acervo revela panorama claro de generalizada desassistência à saúde, sistemático descumprimento de ordens judiciais para repressão a invasores do território e reiteradas ações de agentes estatais aptas a estimular violações à vida e à saúde do povo yanomami", diz o texto.

Além das causas da crise sanitária, o inquérito vai apurar os impactos ambientais e o grau de envolvimento de cada agente público na situação.

Nesta segunda (30), o governo Lula publicou uma lista com 23 casos em que acusa a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro de omissão na assistência aos povos indígenas.

Bolsonaro, por sua vez, usou suas redes sociais no sábado (28) para afirmar que "nunca um governo dispensou tanta atenção e meios aos indígenas" como o dele. Na publicação, também divulgou relatório da CPI destinada a investigar a morte de crianças indígenas por desnutrição, no período de 2005 a 2007.

O território yanomami sofre com o aumento da malária e com a desnutrição infantil crônica, que atinge 80% das crianças até cinco anos, segundo estudo recente financiado pelo Unicef e realizado em parceria com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e o Ministério da Saúde.

A ação do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami está no centro da crise atual. De acordo com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o garimpo na região levou ao desmatamento de 232 hectares de floresta amazônica só em 2022, um aumento de 24,7% em relação ao índice registrado no ano anterior (186 hectares).

Para o antropólogo Márcio Augusto Meira, que presidiu a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) entre 2007 e 2012, o problema do garimpo na região yanomami remonta aos anos 1980, mas a forma de reagir à questão mudou no governo Bolsonaro, passando da repressão ao incentivo.

"A partir de 1992, todos os governos que vieram, independentemente da sua coloração partidária, fizeram as ações de proteção do território. Não vou dizer que não tinha nenhum garimpeiro lá dentro. Tinha. Mas quando havia a identificação do problema, a Polícia Federal e a Funai iam e tiravam antes que a situação piorasse", afirmou em entrevista à Folha.

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