Descrição de chapéu yanomami

Fome transforma aldeias yanomamis e leva a aumento de resgates aéreos de crianças e idosos

Em hangar de empresa contratada por distrito sanitário indígena, pacientes chegam com quadros de desnutrição grave e malária; acompanhantes também estão doentes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Boa Vista

Em regiões da Terra Indígena Yanomami, o pior problema se chama fome. É esta a definição de um profissional de saúde do DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) para a crise de saúde dos yanomamis. Segundo ele, que pediu para não ser identificado, o cenário visto se compara a cenas da África Subsaariana.

Os yanomamis estão vivendo uma crise sanitária e de saúde pública, com explosão da identificação de casos de desnutrição grave –principalmente entre crianças e idosos–, doenças associadas à fome (como pneumonia, infecções respiratórias e diarreia) e malária.

Duas regiões da terra indígena são as mais afetadas pela crise: Surucucu, para além do meio do território em Roraima, com dezenas de comunidades em sua área de influência, e Auaris, esta última já quase na fronteira com a Venezuela. Nas duas regiões vivem 5.800 indígenas.

Na tarde desta sexta-feira (27), a reportagem da Folha esteve no hangar da empresa de transporte aéreo que presta serviço ao DSEI e acompanhou a chegada de indígenas removidos de suas comunidades, para internação em hospitais de Boa Vista.

Mãe yanomami com filho com pneumonia e desnutrição grave; após eles desembarcarem numa pista de pouso próxima de Boa Vista, a criança foi levada para o Hospital da Criança Santo Antônio - Lalo de Almeida/Folhapress

O que a reportagem encontrou dá uma dimensão prática à fala do servidor do DSEI.

Os indígenas chegam à área urbana extremamente desnutridos e magros, dependentes de hidratação na veia. O quadro é comum a crianças muito pequenas e a idosas que se deslocam apenas para acompanhamento de pacientes, sem serem consideradas formalmente como enfermas, apesar da evidente desnutrição.

O DSEI, a partir de um contrato com a empresa Voare Táxi Aéreo, faz, em média, seis remoções de pacientes da terra indígena por dia. Há dois anos, eram dois pacientes por dia, em média.

Os quadros de saúde foram evoluindo ao longo dos anos do governo Jair Bolsonaro (PL), responsável pelo estímulo e tolerância à presença de 20 mil garimpeiros invasores na terra indígena e também por uma desassistência em saúde indígena que inclui um contrato com suspeita de fraude e corrupção no fornecimento de medicamentos básicos, como vermífugos para as crianças.

O que predomina nos voos, hoje, são indígenas desnutridos, com doenças associadas à desnutrição grave ou com malária.

Desde a declaração do estado de emergência em saúde pública pelo governo Lula (PT), no último dia 20, essa predominância ficou ainda mais marcada, em razão da identificação de novos casos dessas doenças e remoção a hospitais em Boa Vista.

A Folha acompanhou a chegada de três voos ao espaço da Voare, que fica em Cantá, cidade a 30 km do centro de Boa Vista.

O primeiro voo transportou um bebê yanomami de um mês de vida, com malária, já diagnosticada na comunidade. A criança estava acompanhada da mãe, de 14 anos.

A mãe e o bebê são da região de Palimiú, onde, em 2021, comunidades yanomamis foram atacadas por garimpeiros armados.

Além de malária, a criança estava gripada e com uma suspeita de pneumonia, ainda a ser investigada. O voo até o hangar da Voare durou uma hora e dez minutos.

Pouco tempo depois, um segundo avião pousou no lugar, vindo da comunidade de Olomai, na região de Auaris, próxima da fronteira com a Venezuela. O voo dura duas horas.

Garimpeiros avançaram pela região e retiraram dos indígenas a possibilidade de subsistência pela pesca e plantação, conforme profissionais de saúde que acessam a área com frequência.

Segundo um profissional acostumado ao trabalho de remoção de indígenas de suas comunidades, há muitos garimpos por todo rio Uraricoera.

O avião decolou de Cantá para buscar uma criança doente. Voltou com duas crianças com quadro de desnutrição grave –uma delas também tem pneumonia, segundo a equipe de saúde que participou do transporte– e com as mães também desnutridas.

O destino das crianças era o Hospital da Criança Santo Antônio, em Boa Vista, a única unidade de saúde de referência em Roraima para esse tipo de atendimento.

Quando a Folha esteve no hospital na quarta-feira (25), cinco leitos da UTI eram ocupados por crianças yanomamis. Nesta sexta, já eram oito, das quais cinco precisaram de intubação em razão da fraqueza para respirar. Os quadros predominantes são de desnutrição grave e insuficiência respiratória.

Dos 15 leitos de UTI do Hospital da Criança, 13 estavam ocupados na tarde desta sexta. A direção do hospital afirma que é necessário ampliar essas vagas, e um plano nesse sentido foi apresentado ao Ministério da Saúde, que conduz a declaração de emergência em saúde pública referente aos yanomamis.

A alta procura por internação levou à disponibilidade leitos no setor de trauma e na unidade de cuidados prolongados. Nesta última ala, quatro crianças yanomamis estavam internadas nesta sexta. Em todo o hospital, são 45 yanomamis internados.

Na pista de pouso da empresa de táxi aéreo, o dia ainda teve um terceiro pouso de uma aeronave com indígenas carentes de socorro médico.

O avião de maior porte decolou para Auaris apenas com o propósito de buscar profissionais de saúde da Sesai (Secretaria de Saúde Indígena), do Ministério da Saúde. Voltou com quatro indígenas, que farão o acompanhamento de uma paciente em Boa Vista. A mulher mais idosa do grupo está visivelmente desnutrida.

Nas palavras de um profissional de saúde envolvido no resgate, todos daquela região passam por uma situação bastante grave.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.