Descrição de chapéu yanomami

Garimpo impede pesca, e yanomamis recebem latas de sardinha em fardos jogados de avião

Em ação emergencial de socorro, cargueiro KC-390 da Força Aérea arremessa comida, sem pousar, em região com alta incidência de desnutrição grave entre os indígenas

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Boa Vista

Sem peixes para pescar, em razão da contaminação agressiva de rios por garimpeiros de ouro, famílias yanomamis estão recebendo doações de latas de sardinha como alternativa ao alimento tradicional.

As latas de sardinha –presentes em pequenos fardos de comida que incluem pacotes de arroz, de farinha e de sal– são despejadas pelo ar, sem pouso da aeronave da FAB (Força Aérea Brasileira) na curta pista do PEF (Pelotão Especial de Fronteira) Surucucu, do Exército.

Na tarde desta quinta-feira (26), a reportagem da Folha embarcou no cargueiro KC-390 da FAB e acompanhou o socorro emergencial aos indígenas da terra yanomami, vítimas de uma crise sanitária e de saúde pública que resultou na explosão dos casos de desnutrição grave, de doenças oportunistas da forme como diarreia e pneumonia e de malária.

Avião cargueiro KC-390, da Força Aérea Brasileira, lança carregamento de comida sobre a pista de pouso do Pelotão Especial de Fronteira Surucucu, na Terra Indigena Yanomami, em Roraima; comida será distribuída para os indígenas - Lalo de Almeida/Folhapress

O governo Jair Bolsonaro (PL) viu a crise escalar e atingir o ápice em 2022, o ano em que mais de 20 mil invasores intensificaram o garimpo ilegal e consolidaram o avanço dos pontos de exploração rumo a áreas de aldeias antes distantes dos garimpeiros, com a conivência do governo.

Também no ano passado houve uma crise no fornecimento de medicamentos básicos aos indígenas, como vermífugos para as crianças, com suspeita de fraude e corrupção no contrato assinado pela gestão Bolsonaro.

O governo Lula (PT) declarou estado de emergência em saúde pública no último dia 20 e criou um comitê de coordenação para enfrentamento à desassistência sanitária na terra yanomami.

A Força Nacional do SUS foi convocada pelo Ministério da Saúde para atuar no atendimento e diagnóstico de pacientes com desnutrição grave e malária. Hospitais de campanha estão sendo preparados.

Uma ação em curso é a arrecadação e distribuição de alimentos por Exército e Aeronáutica.

Desde segunda-feira (23), o KC-390 da FAB faz sobrevoos na região de Surucucu, uma das mais afetadas na crise, com explosão de casos de desnutrição e malária, e arremessa pelo ar cargas com alimentos destinadas aos yanomamis.

A carga cai na pista de pouso do PEF com paraquedas, num processo que é automatizado do início ao fim. Os alimentos são acondicionados em tambores e em grandes blocos, para então serem arremessados por uma abertura traseira do KC-390.

A Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) coordena a distribuição dos fardos de alimentos às aldeias. Nesta quinta, foram arremessadas oito toneladas de alimentos, num total de 320 cestas básicas.

A aeronave decola da Base Aérea de Boa Vista e leva 40 minutos para chegar à altura da pista de pouso do PEF Surucucu, numa velocidade que oscila de 350 a 700 km/h.

Trinta minutos após a decolagem, é possível ver pela janela do cargueiro um rio serpentear a vegetação amazônica com uma água barrenta, produto da exploração de garimpos de ouro.

Também é possível visualizar pela janela, no mesmo trecho, uma pista de pouso clandestina usada por garimpeiros. Como essa, há dezenas de outras na terra yanomami.

A transformação do rio em uma massa viscosa e barrenta impede qualquer atividade de pesca.

Profissionais de saúde acostumados a atender yanomamis severamente desnutridos dizem que esses indígenas perderam o peixe em suas dietas, assim como a farinha, a mandioca e outros alimentos nutritivos, como a batata.

Aldeias inteiras são cooptadas pelo garimpo, e plantações desaparecem nessas comunidades. Falta ainda água potável.

Os fardos com alimentos arremessados pela FAB incluem latas de "sardinha ao próprio suco com óleo comestível".

O procurador da República Alisson Marugal, que atua em inquéritos relacionados à desassistência aos yanomamis, afirma que em 2020 houve "um primeiro aviso", um primeiro sinal, sobre a falta de sensibilidade do Ministério da Saúde no governo Bolsonaro em relação à desnutrição dos indígenas.

A alimentação fornecida aos indígenas nos postos de saúde foi interrompida, "de maneira incompreensível", segundo o representante do MPF (Ministério Público Federal) em Roraima.

"Isso fez com que muitos indígenas deixassem de procurar o posto de saúde ou desistissem do tratamento", diz.

O MPF recomendou que a Sesai (Secretaria de Saúde Indígena), vinculada ao ministério, retomasse o fornecimento de alimentos, principalmente para crianças e idosos desnutridos. A Sesai argumentou não ser responsável por segurança alimentar, e a Procuradoria ingressou com ação na Justiça para garantir o fornecimento desses alimentos. Houve decisão favorável.

"Faltaram compreensão e sensibilidade com os yanomamis", afirma o procurador.

Naquele momento, o garimpo já avançava na terra indígena, sem oposição de Bolsonaro e de seu entorno. Apenas operações esporádicas de órgãos como PF (Polícia Federal) e Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) foram realizadas para destruição de maquinário.

Em 2022, a crise sanitária e de saúde escalou, e profissionais de saúde que se depararam com casos de desnutrição grave notaram uma ausência de alimentos tradicionais na dieta dos yanomamis, como o peixe.

Com a declaração de emergência, e a necessidade de ação emergencial para estancar a fome, latas de sardinha foram distribuídas por ar às comunidades mais afetadas pela crise em curso.

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