Governo vai acabar com garimpo em qualquer terra indígena, diz Lula

Decreto fecha espaço aéreo da região e determina outras medidas para impedir acesso de criminosos no local; texto passa a valer a partir de terça-feira (31)

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Brasília

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse, nesta segunda-feira (30), que o governo vai acabar com o garimpo em território indígena.

A declaração ocorreu após reuniões no Palácio do Planalto com ministros e o próprio chefe do Executivo para tratar sobre da crise humanitária envolvendo o povo indígena yanomami.

Lula também assinou um decreto com medidas, como o fechamento do espaço aéreo para aeronaves não autorizadas pela Aeronáutica, por exemplo. O texto, divulgado à noite, será publicado no Diário Oficial da União de terça-feira (31).

Criança yanomami internada com desnutrição grave no Hospital da Criança Santo Antônio em Boa Vista - Lalo de Almeida/ Folhapress

"Vamos tomar todas as atitudes para tirar os garimpeiros ilegais e cuidar dos yanomamis. Resolvemos tomar decisão, acabar com a brincadeira, não vai mais ter garimpo. Não vai mais ter sobrevoo, barcaças com combustíveis", disse o presidente a jornalistas, após reunião com o premiê alemão, Olaf Scholz.

"O governo brasileiro vai tirar e acabar com garimpo em qualquer terra indígena a partir de agora. Não haverá por parte da agencia de minas e energia autorização para conceder a alguém fazer pesquisa em qualquer área indígena", completou.

Em seu discurso, ele chegou a citar a edição de um decreto, mas os detalhes só vieram horas depois, quando a Secretaria de Comunicação divulgou-o.

O texto amplia poder de atuação dos ministérios da Defesa, da Saúde, do Desenvolvimento Social e Assistência Social, Família e Combate à Fome e dos Povos Indígenas.

Autoriza a Aeronáutica a criar uma Zona de Identificação de Defesa Aérea no local, controlando o espaço aéreo e atuando para "neutralizar" aeronaves e equipamentos relacionamento com o garimpo ilegal.

"O Ministério da Defesa atuará no fornecimento de dados de inteligência e no transporte aéreo logístico das equipes da Polícia Federal, do lbama e dos demais órgãos e entidades da administração pública federal que participarão diretamente na neutralização de aeronaves e de equipamentos relacionados com a mineração ilegal no território Yanomami", diz trecho do decreto.

O documento diz ainda que só poderão acessar o território Yanomami quem for autorizado conforme um ato conjunto do Ministério da Saúde e dos Povos Indígenas, "com vistas à prevenção e à redução do risco de transmissão de doenças e de outros agravos".

Além disso, o decreto libera as pastas a requisitarem bens, servidores e serviços necessários.

O objetivo é garantir o transporte das equipes de segurança, saúde e assistência, a garantia de água potável, alimentos relacionados com a cultura Yanomami, fornecimento de roupas, e a reabertura de postos da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e de unidades de saúde básica.

Mais cedo, após a reunião do presidente com ministros, o Palácio do Planalto divulgou uma nota em que fala sobre um plano de ação com as primeiras iniciativas para expulsar o garimpo e outras atividades ilegais na área.

Durante o encontro, foram discutidas e acordadas medidas para barrar o transporte por água e ar —inclusive o fechamento do espaço aéreo—, para impedir a logística de abastecimento das atividades criminosas. Atualmente, instituições locais calculam que o número de garimpeiros dentro da Terra Indígena supera os 20 mil, mas não há dado oficial até o momento.

"As ações também visam impedir o acesso de pessoas não autorizadas pelo poder público à região buscando não apenas impedir atividades ilegais, mas também a disseminação de doenças", informou o governo, em nota. O documento, porém, não traz detalhes dessas ações.

Segundo pessoas que acompanharam a reunião, o foco está nas ações de saúde e assistência alimentar. O presidente Lula também determinou que todas as ações coercitivas legalmente cabíveis comecem imediatamente.

Há, ainda, um plano elaborado pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis) ainda no governo de Jair Bolsonaro (PL), e que prevê uma série de ações para expulsão dos garimpeiros em cerca de meses —os detalhes deste documento, no entanto, são guardados em segredo para evitar que a informação chegue até os grupos criminosos e atrapalhe a operação.

Na questão sanitária, o governo também afirma que é prioridade dar assistência nutricional ao povo, com alimentos adequados aos seus hábitos alimentares. Também vai buscar garantir a segurança dos profissionais de saúde, para que possam exercer suas atividades nas aldeias.

A nota divulgada pelo governo também aponta como prioridade nesse momento garantir rapidamente o acesso a água potável por meio de poços artesianos ou cisternas. Também haverá uma ação para medir a contaminação por mercúrio —em virtude do garimpo— dos rios e nas pessoas.

"O presidente determinou que todas essas ações sejam feitas no menor prazo, para estancar a mortandade e auxiliar as famílias Yanomami", afirma o texto.

Participaram do encontro com Lula os ministros Rui Costa (Casa Civil), José Múcio (Defesa), Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública), Silvio Almeida (Direitos Humanos), Sônia Guajajara (Povos Indígenas), Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais).

Também participaram o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Marcelo Kanitz Damasceno, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Swedenberger Barbosa, e a futura presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), a deputada Joenia Wapichana.

Na sexta-feira (27), o Ministério dos Direitos Humanos criou um gabinete de crise para enfrentar a crise humanitária no território yanomami. A formação do gabinete foi prevista em portaria publicada em edição extra do Diário Oficial da União.

O órgão será responsável por realizar visitas técnicas à região, elaborar um diagnóstico das principais violações de direitos humanos, propor medidas emergenciais e criar um plano de ações.

Uma portaria assinada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, nesta segunda-feira (30), criou um grupo de trabalho com a finalidade de propor medidas contra a atuação de organizações criminosas, inclusive com a exploração do garimpo, em terras indígenas.

O grupo será composto por membros do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Ministério dos Povos Indígenas, Ministério de Minas e Energia, Ministério da Defesa, Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e Ministério da Fazenda. O grupo terá 60 dias para a conclusão dos seus trabalhos.

No sábado (21), antes de sua primeira viagem internacional, acompanhado de ministros, Lula visitou unidades de saúde indígena na capital Boa Vista, o que deu visibilidade à crise de saúde no território, agravada pela presença ilegal de 20 mil garimpeiros na reserva.

O Ministério da Saúde decretou na sequência estado de emergência para combater a falta de assistência sanitária que atinge os yanomamis.

Segundo o governo, pelo menos 570 crianças yanomamis morreram por contaminação por mercúrio, desnutrição e fome, "devido ao impacto das atividades de garimpo ilegal na região". As imagens de crianças desnutridas provocou grande impacto, tanto no Brasil como internacionalmente.

Crianças indígenas estão sendo intubadas com desnutrição grave, longe de seus pais.

A Polícia Federal instaurou inquérito para apurar eventual crime de genocídio contra os yanomamis. A apuração vai se concentrar na apuração de responsabilidades de garimpeiros, operadores da logística do garimpo, coordenadores de saúde indígena e agentes políticos.

Em meio a crise, o governo Lula também exonerou 33 coordenadores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e dispensou outros quatro servidores que ocupavam cargos de coordenação.

O ex-presidente Bolsonaro utilizou suas redes sociais neste sábado (28) para rebater as críticas contra ele e seu governo por conta da crise envolvendo os yanomamis. Afirmou que "nunca um governo dispensou tanta atenção e meios aos indígenas" quanto o dele. Na publicação, também divulgou relatório da CPI destinada a investigar a morte de crianças indígenas por desnutrição, no período de 2005 a 2007.

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